Segue, em primeira mão para os leitores deste blog, o editorial do AP impresso, que será lançado na próxima quinta-feira, na Lapa.
Combate à corrupção não é circo político
O jornal Arte & Política nasceu no início dos anos 90 do desencanto de alguns estudantes com a política burocrática, convencional, partidista, dos diretórios acadêmicos, e da percepção de que a política nacional havia perdido consistência pela falta de criatividade, assim como a arte debilitara-se em função de seu crescente distanciamento da realidade política brasileira.
A pobreza estética da política, pensávamos, era resultado de, por um lado, um marxismo conservador e sectário que desqualificava idéias novas, modernas, mais compreensivas e tolerantes em relação ao individualismo, vaidade e ambições do homem contemporâneo; de outro, um neo-liberalismo egoísta, contraditório, cruel e totalmente inadequado à nossa realidade econômica e social.
A anemia política da arte era consequência de vinte anos de ditadura repressora e da hegemonia de teorias estéticas, importadas (é claro) dos States, que criavam um abismo instransponível entre a produção artística e os anseios políticos de justiça social, fazendo a arte regredir a um estágio infantilóide e alienado.
Tinha de haver uma síntese dialética, acreditávamos, entre a arte e a política. Em cima desta teoria, fundamentada em boa parte sobre pensamentos libertários, criamos o jornal e, desde então, produzimos vinte e oito edições impressas, outras tantas eletrônicas, além das festas de lançamento que vêm se tornando famosas em toda cidade.
Não tínhamos pudor de ser um jornal de opinião. Fomos críticos da visão simplista com que a mídia interpretou o 11 de setembro, negando as óbvias relações com o histórico de terror estatal perpretado pelos Estados Unidos ao longo de toda a segunda metade do século XX (e continuado nestes primeiros anos do séc.XXI).
Também apoiamos Lula em 2002, e festejamos, junto com a grande maioria do povo brasileiro, a vitória do combativo sindicalista que havia criado a CUT, o PT, e simbolizava uma nova era política no país.
Depois, criticamos o desencanto fariseu que, mal se inicia o governo Lula, cobrava mudanças impossíveis no curto prazo. Compreendemos as dificuldades inerentes à gestão de um Estado quase falido por oito anos de desgoverno tucano e fragilizado pela hostilidade perigosa de poderosas forças financeiras.
Com alegria, vimos o presidente Lula superar as dificuldades iniciais e, já no segundo ano, trazer estabilidade econômica e política ao país e firmar importantes parcerias internacionais.
O tempo passou e agora, na metade de 2005, assistimos estarrecidos, como todos os brasileiros, a deflagração de uma crise política de proporções inquietantes, envolvendo figuras do alto escalão governamental, atingidas por denúncias feitas pelo deputado federal Roberto Jefferson. E acompanhamos, desconfiados, embora receptivos, o aparecimento de indícios de que a cúpula do partido que governa o país estaria envolvida num enorme esquema de corrupção.
A crise aumentou, surgiram novos atores, novas testemunhas e novos documentos numa trama obscura na qual se mesclam corrupção e jogo político.
De repente, a crise tomou tal vulto, que não nos sentimos preparados ou informados o suficiente para prosseguirmos colocando a mão no fogo por figuras em quem depositávamos nossa confiança. Mas não queremos copiar os erros da imprensa venezuelana que, atiçada por uma clima emocional carregado de hostilidade e preconceito, patrocinou um golpe hediondo contra a primeira democracia das Américas. Também não queremos repetir o mesmo discurso derrotista dos que confundem "esquerda" com "amargura" e "desencanto", nem legitimar a ladainha oportunista de figuras com pretensões eleitorais.
Desejamos, até que tudo fique esclarecido, nos manter neutros em relação ao governo cuja eleição apoiamos, mas diante do qual nos sentimos livres para criticar, e fincar nossa bandeira longe de partidos e mais perto dos movimentos sociais. Quando as verdades vierem à tona, juntamente com documentos e provas esclarecedoras (não valem vagas suspeitas ou ilações maldosas feitas pela imprensa), estaremos ao lado da justiça.
Por fim, queremos deixar claro que não aceitamos que agentes obscuros se aproveitem do momento delicado em que vive o país, com o Congresso Nacional desmoralizado por denúncias intestinas, para produzir, juntamente com a mídia oligárquica, uma campanha de desestabilização política a um governo eleito pelo voto popular.
9 de julho de 2005
Editorial Arte & Política
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