Duas notícias importantes e díspares. A primeira foi o grande encontro de movimentos sociais realizado em Goiânia, ontem, dia primeiro de julho, reunindo mais de 20 mil pessoas, segundo o apurou o jornalista do site Vermelho. A segunda, sobre a qual falo no final do texto, é sobre a proposta do Delfim Netto que está sendo apreciada por Pallocci.
Na reportagem, são entrevistadas lideranças do MST, da CUT, da UNE. Todos são unânimes em condenar a tentativa da direita em desestabilizar o governo Lula. E são eles que entendem a crise desta maneira, como desestabilização. Aproveitam, contudo, sobretudo o dirigente do MST, o momento para exigir mudanças na política econômica. E o editor do site Vermelho colocou a exigência de Stédile como manchete.
É isso que a oposição mais teme. Que a sua histeria desestabilizadora deflagre um processo que resulte, não no enfraquecimento do governo, mas na sua radicalização política, rompendo com a política econômica e fazendo o que querem os movimentos sociais.
No entanto, é justamente isso que deseja parte da oposição, sobretudo a direita mais conservadora, como o PFL. Acreditam que, radicalizando, o governo Lula perderia totalmente o apoio da classe média e das mídias. Infelizmente, está certíssimo. Apenas uma minoria da classe média é esquerdista. A grande maioria são donas de casa e pais de família conservadores dispostos a votar no Alckmin para botar ordem na casa e expulsar os baderneiros comunistas.
Mas Lula parece entender esse jogo e tem evitado isso. Sua política tem agradado a gregos e troianos; e, mesmo às custas de um processo de avanço social cruelmente lento, tem levado o país a uma estabilidade econômica que não víamos há décadas.
Acho que os movimentos sociais são a força mais progressista e importante do país, mas não podemos nos iludir pensando que seus líderes são os melhores economistas do mundo. Stédile mostra-se repetitivo da ladainha nacionalista de que, reduzindo o superávit, sobrará mais dinheiro para a reforma agrária.
O superávit tem sido um dos pilares da estabilidade nacional, sobretudo porque gera um padrão a ser seguido pelas esferas federais, estaduais e municipais, para que sejam instituições sólidas e fortes financeiramente, e não órgãos falidos e condenados como são em alguns países da América Central e da África.
Entretanto, o governo tem dinheiro para dar para os movimentos sociais. Tem dinheiro para dar à cultura e à educação. Os grandes agricultores vão à Brasília todo mês e arrancam uns bilhões de Pallocci, isso sem mudar a política econômica. Os pequenos agricultores tem que conseguir também seu espaço junto ao Orçamento da União. Aliás, tem conseguido alguns avanços, mas precisam de muito mais. Podem conseguir mais verbas para projetos sociais estratégicos sem alterar a austeridade fiscal do governo, fator essencial para a moralização financeira das contas públicas nacionais.
Os movimentos sociais, assim como partidos e intelectuais, precisam se articular a nível estadual e municipal, visando a tomada do poder por representantes afins de seus interesses. Em função da grandeza continental do Brasil, as grandes mudanças sociais necesitam das esferas municipais e estaduais para se tornarem efetivas.
Não podemos esquecer que tem sido essa austeridade que vem permitindo ao governo Lula reduzir expressivamente a dívida externa e não renovar o acordo com o FMI. Há os que falam que o Brasil segue a receita do FMI mesmo tendo rompido com ele. OK. Mas convenhamos que é agora temos o volante em nossas mãos. Existe a liberdade de mudar, coisa que não havia antes sob a égide tucana, por causa de um acordo draconiano que nos tolhia o livre arbítrio.
Se as lideranças dos movimentos sociais adotarem uma postura sectária quanto aos itens que desejam verem mudados na política econômica, poderão estar causando um desserviço àqueles que representam, os pobres, que são os principais beneficiados por uma política econômica que está permitindo a deflação, o custo menor de energia elétrica, bujão de gás; que está investindo muito na produção de energia alternativa, o biodiesel será uma revolução mundial no setor de combustível, além de se tornar, em pouco tempo, num grandioso gerador de emprego em áreas carentes como o nordeste e o norte de Minas; enfim, numa política econômica que é "lida" e "interpretada" pela mídia de uma maneira e que os líderes sociais, quase que inconscientemente, "interpretam" da mesma forma, apesar de chegarem a conclusões diferentes.
Delfim Netto, hoje um economista que a esquerda não pode simplesmente subestimar, e sim procurar superar intelectualmente, está apresentando uma proposta bastante interessante, apesar de polêmica, para terminar com o superávit primário e iniciar um superávit nominal, em que o dinheiro pago com juros seria também contabilizado.
À primeira vista, a proposta parece terrivelmente conservadora. Mas poderá, se bem estruturada e introduzida gradualmente, levar ao fim da dívida interna nacional em poucos anos, liberando o país para administrar, sem esqueletos do passado, o seu futuro.
Há um elemento que as liderenças sociais e os intelectuais sempre esquecem quando criticam a política econômica tachando-a de neoliberal. Esquecem que, no sistema financeiro globalizado em que o Brasil está mergulhado de cabeça, não há muitas alternativas econômicas. Não somos a Venezuela, que não tem indústrias, apenas exporta petróleo estatal. Exportamos milhares de produtos para todos os países do mundo, o que nos coloca numa posição comprometida com a estabilidade mundial e nos prende a certos parâmetros jurídicos internacionais. Não dá para fugir disso sem causar grandes prejuízos econômicos ao país; e prejuízos que vão ampliar o sofrimento dos pobres brasileiros.
O Brasil precisa de justiça social. Mas a justiça social não cai do céu. Ela precisa ser conquistada, pela inteligência, pela educação, pela luta ideológica, pela prática revolucionária de cada indivíduo, entidade, partido ou governo. Quem levará o estandarte da justiça social às ruas não será o presidente Lula, e sim o homem do povo, sem poder.
O país está mudando. O ventilador que tanto espalhou titica nas últimas semanas, também servirá para trazer novos ares à vida pública brasileira. Em 2006, o povo brasileiro poderá dar outra lição aos conservadores. Alguns próceres da direita terão que passar pelo crivo eleitoral e tenho comigo que muitos não irão sobreviver... Tenho pra mim que o PSDB poderá encolher, e que essa projeção é que vêm eriçando as penas dos tucanos...
2 de julho de 2005
Movimentos sociais & Delfim Netto
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