6 de julho de 2005

Não jogaremos a toalha

Tenho acompanhado atentamente tudo que vem sendo escrito sobre a crise, e vejo que alguns argumentos se repetem. Um deles, por exemplo, remete à desesperança, ao desencanto e mesmo à desistência de militantes no tocante à luta por justiça social. Pois bem, a mim parece que existem forças que estão sempre querendo enterrar a esperança. Não, não são forças da direita. Essas forças também estão na esquerda. São forças que, mais que políticas, são morais. É a força, ou falta de força, da senilidade, de pessoas que confundem a proximidade da morte com o fim do país. Ou confundem o fracasso pessoal, ideológico, no sentido de compreender as complexidades da vida e do mundo, com o fracasso da política, com o fracasso do país.

Não posso dizer quanto aos outros, mas digo que, no meu caso, não existe nenhum desencanto, nem fraqueza. Esta crise política, que não considero mais artificial, mas sim extremamente inflada pela mídia, só fez aumentar minha vontade em lutar pela causa da justiça social.

Nos anos 90, houve uma grande inversão de valores. Artistas e intelectuais conservadores, entre eles a chamada nova geração de blogueiros, sentiram-se no píncaro do prestígio. Todos aqueles adolescentes que fizeram intercâmbio para os Estados Unidos nos anos 80, passaram a arrotar seus conhecimentos da cultura norte-americana com inaudita arrogância. Yes, man, I am so fucking smart! The book is on the table, yeah!!

Sem bandeiras políticas, passaram a dedicar-se a denegrir e criticar a esquerda.

Tudo bem, tudo maravilhoso. Esses jovens fazem parte da vida social brasileira e suas críticas também ajudaram a modernizar a esquerda nacional. No entanto, vejo que a atual crise política, que vem deixando a todos atarantados, trouxe à baila a insatisfação de segmentos minoritários do PT para com os rumos ditados pelo Campo Majoritário. Critica-se o pragmatismo eleitoral do PT moderno, quando foi justamente esse pragmatismo que permitiu o crescimento do partido e o afastou da tendência ao desaparecimento que tragou outros partidos de esquerda na década de 90.

Dentro do PT e na esquerda em geral, há sempre os arautos do fracasso. Marcos Aurélio Weissheimer, da Agência Carta Maior, em seu último artigo, "Crise no PT tem nome e sobrenome", fala que a crise é resultado do fracasso do chamado Campo Majoritário. Como fracasso? Não ganhou o PT o governo federal? Na realidade, a crise é resultado do sucesso do PT, que cresceu rápido demais, entrou em contato com realidades novíssimas e ainda não sabe lidar com elas de maneira eficiente. Mas quem é que sabe? A vida, para qualquer ser humano e qualquer partido, é sempre um turbilhão de surpresas, e o verdadeiro aprendizado só acontece na prática.

Weissheimer entra em contradição diversas vezes em seu artigo. Admite que as novas estratégias do PT foram resultado de consenso, foram escolhas democráticas, feitas por militantes e integrantes do partido; e, no entanto, repete o velho bordão de que o novo PT seria uma negação do PT primordial. Deseja ele um retrocesso?

O PT, como partido moderno, que objetiva o poder (e não há mal nisso, pois só o poder transforma a realidade social), precisa estar sempre mudando. Não é possível que fique amarrado a procedimentos e estratégias do passado. O PT moderno não foi uma escolha de Genoíno ou Dirceu. Foi uma escolha de 53 milhões de eleitores.

Naturalmente, para intelectuais com ranço acadêmico, seria sempre mais confortável um partido de esquerda acadêmico, cuja atuação se limitasse ao discurso abstrato, à crítica literária ao neo-liberalismo. Mas não é isso que o povo deseja. O povo quer ver o país crescendo, quer ver caras novas no poder. Se a esquerda continuasse, ou continuar, a fazer cara de nojo para a política, então a direita, que pelo menos não tem pudor de gostar do poder, voltará a ditar as cartas no país, se é que não continua ditando hoje.

Há quem diga que os conceitos de esquerda e direita estão ultrapassados desde a queda do muro de Berlim. Tenho sido crítico desta visão, que no fundo carrega, em si, a teoria do pensamento único. No entanto, reconheço certa razão em seus argumentos. Os grandes pensadores ensinam que as verdades não ficam depositadas em posições extremadas, mas flutuam sempre próximas ao que se chama de bom senso, e posições ponderadas sempre são vitoriosas em qualquer discussão.

Ou seja, nem esquerda e direita deixaram de existir, nem possuem o mesmo sentido do passado. O fato é que estes são conceitos acadêmicos, abstratos, que variam com o tempo. Ao povo interessa o combate à fome, à miséria, ao desemprego, e não se Lula ou o PT está sendo tão de esquerda quanto pensam intelectuais que escrevem para o site A ou B.

Consenso n#1: O melhor programa social do Brasil é o crescimento econômico. Com uma população de mais de 180 milhões de habitantes, das quais mais de 50 milhões são pobres, seria impensável supor que o Estado poderia resolver, por si só, o problema social.

Diferença n#1: A esquerda sabe que o Estado, mesmo não podendo dar assistência à todos os pobres do país, deve se concentrar nos segmentos mais miseráveis, a fim de evitar uma explosão social, e sobretudo por razões estritamente humanitárias. São segmentos que não serão alcançados por nenhum crescimento econômico, pelo menos não antes que consigam uma melhora na auto-estima.

Já a direita não concorda com essa tese. Acha que os miseráveis são consequência natural do capitalismo; são preguiçosos ou descendentes de preguiçosos e sua incorporação à sociedade de mercado deve se pautar pelo mercado; devem lutar para conseguir inserir-se, inicialmente, nos trabalhos mais primários.

Existem outros consensos e outras diferenças. A sabedoria de Lula está em amarrar os agentes econômicos antagônicos a seu governo em políticas de consenso, para poder deslanchar políticas "não-consensuais", como o Bolsa Família, os programas de financiamento à agricultura familiar e a política externa.

O governo passou os dois primeiros anos arrumando a casa, e justamente quando a estabilidade econômica e monetária, a deflação, o crescimento no emprego, na renda, na indústria, na exportação, formavam a conjuntura necessária para a implementação de projetos sociais mais ousados, além da redução nos impostos, vem a crise, como uma bomba política que interrompesse o processo de paz.

Reitero: não acho que seja conspiração da direita. Trata-se de luta política, com participação da mídia. Há corrupção no PT? Sim. Há corrupção no governo? Sim. Mas existe investigação? Existe. A PF e o Ministério Público estão investigando? Estão. A PF pediu a quebra do sigilo bancário do PT. Alguém já pensou em algo parecido nas contas do PSDB, em pleno governo tucano? Não.

Existe alguma coisa bem diferente no país. E pra melhor. Há corrupção? Há. Mas também há mais transparência: foi o decreto de Lula contra a lavagem de dinheiro, obrigando bancos a informarem saques em valor superior a 100 mil reais, que permitiu à sociedade capturar Valério. Foi a modernização da Polícia Federal, com investimento em tecnologia e proridade à repressão de crimes de colarinho branco, o que tem permitido à instituição a agilidade e a independência no combate à corrupção nos altos escalões.

É preciso entender que a mentira está nas entrelinhas, nas ligeiras (mas essenciais) distorções da verdade, no exagero, na associação de fatos díspares, na omissão de fatores. É assim que os jornais vêm fabricando uma crise cada vez maior, demonizando figuras como Delúbio Soares, Dirceu e Genoíno. Usa-se uma verdade pequena para legitimar uma mentira grande. Quando se pedem provas, divulgam pistas. Quando se pedem pistas, divulgam boatos, ou "intuições" Jeffersianas.

Nas últimas entrevistas de Jefferson e Genoíno, é impressionante como os jornalistas tentam, de todas as formas, fazer os entrevistados cair em armadilhas retóricas, e principalmente, como tentam chegar à figura de Lula.

O Globo mantém um colunista radicalmente reacionário, como Olavo de Carvalho, que escreve aos sábados, e se quisesse ser realmente neutro politicamente, teria que dar espaço à um outro, radicalmente revolucionário. Mas não. Olavo, com sua ladainha agressivamente conservadora, tem espaço garantido. É a verdadeira face do Globo.

É sintomático que o Arnaldo Jabor também venha ficando cada vez mais agressivo. Somos bombardeados semanalmente por sua adolescência idílica, quando ele e outros "artistas" brincavam de fazer política. É a maneira dele de se desculpar de seu passado romântico.

Hoje, Jabor chama a esquerda brasileira de "burra", "estúpida", o que supõe, nele mesmo, um juiz dotado de extrema inteligência, e diz que o governo de FHC foi "o mais moderno que já teve esse país". Alguém poderia lembrar ao Jabor quem foi mesmo FHC. Alguém poderia lembrá-lo dos mais de cem escândalos de corrupção de FHC? Alguém poderia lembrá-lo de que FHC mais que triplicou a dívida pública brasileira, peso que ainda hoje carregamos, e que é a grande Cruz do governo Lula? Alguém pode lembrá-lo que ele fez o país se ajoelhar diante do FMI? Alguém pode lembrá-lo que ele sucateou, no quesito qualidade, o ensino público? Que criminalizou os movimentos sociais? Fez uma política externa abaixo da medíocre? Que quase quebrou o país em 1999 com uma política cambial arrogante e incompetente? Que elevou os juros a quase 50%?

O negócio é que os colunistas e apresentadores da grande imprensa brasileira estão à serviço da classe dominante. E isso não é teoria conspiratória, é apenas o óbvio ululante. A grande imprensa não ajudou Lula a se eleger e não vai ajudar ele a se reeleger, agora isso está claro. Não tem problema. Quem elegerá Lula, mais uma vez, não será a mídia. Será o povo.

Assim como Chávez venceu a mídia golpista venezuelana, Lula pode vencer a mídia (que finge que não é) golpista brasileira.

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