23 de abril de 2008

Por que Oleo do Diabo?

Já recebi questionamentos de muitos leitores sobre o porquê do nome deste blog. A curiosidade é natural, intrínseca ao ser humano. Tentarei, portanto, explicar. Anos atrás, escrevi um romance intitulado Parabellum. Era uma ficção em torno da figura de Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião. O livro era dividido em duas partes. A primeira delas chamava-se justamente Óleo do Diabo. Eu terminei o romance, mandei-o para um concurso, mas depois reneguei-o, por não ter alcançado a qualidade que eu pretendia. Mas o "Óleo do Diabo" ficou na minha cabeça e, meses depois, quando criei este blog, decidi dar-lhe esse título.

De onde tirei o "Óleo", não sei. No fundo, trata-se apenas de uma expressão estética, assim como "Cão sem Plumas", título do magnífico poema de João Cabral de Melo Neto. Posso fazer elocubrações, contudo, sobre os estudos que me levaram a esse nome. Caiu-me em mãos, ainda muito jovem, um livro intitulado Jung e o Tarô, de Salli Nichols, que usa as teorias junguianas para compreender as origens e o poder das cartas do tarô. Jung foi um dos maiores pesquisadores da importância dos arquétipos para o inconsciente coletivo da humanidade. Para Jung, por trás de todas as religiões, mitos, lendas, sonhos, há arquétipos profundos que remetem às experiências acumuladas pelo homem em dezenas de milhares de anos.

Por aí chegamos Nele. A figura do diabo, como se sabe, é um dos arquétipos mais poderosos, antigos e polêmicos. Está presente em quase todas as culturas e religiões. Foi na religião católica, no entanto, que ele adquiriu as conotações mais tenebrosas. Muitos estudiosos de mitologia e psicologia social, entre eles Jung, atacaram esse maniqueísmo católico como um medíocre reducionismo moral. Jung explicava que o diabo, inclusive dentro da própria cultura católica, tem funções importantes e positivas para a construção da personalidade. O diabo, afinal, é quem nos ensina a lidar com as pequenas maldades e egoísmos inerentes às relações humanas. Não esqueçamos que foi o diabo quem ofereceu a maçã à Eva, possibilitando que os dois primeiros humanos adquirissem consciência de si mesmos e saíssem da humilhante (embora idílica) condição semi-animalesca em que viviam. Como dizia Raulzito, grande estudioso de psicologia: "o diabo é o pai do rock / enquanto Freud explica / o diabo dá os toques".

A própria Bíblia traz uma mensagem dúbia neste sentido. Era melhor ficar na ignorância? A curiosidade, a ambição de conhecer tudo, esses pecados que teriam levado Eva a morder a maçã não seriam antes qualidades? Essas contradições levaram o grande poeta inglês Milton a escrever sua obra-prima, O Paraíso Perdido, cuja sinopse é a revolta de Lúcifer contra Deus, sua derrota, que o condenou a habitar os infernos, e, por fim, sua vingança, tentando o homem a provar do fruto da árvore do conhecimento.

No livro de Milton, que tem como base estudos bíblicos, mas os usa com grande liberdade poética e narrativa, Lúcifer integra o seleto grupo dos anjos de primeira classe, destacando-se por sua inteligência, beleza e... arrogância. Revela-se ainda um talentoso líder político. É o primeiro a constestar o poder absoluto de Deus. Aquele texto, na Inglaterra vitoriana, também podia ser lido como um libelo republicano contra o poder divino do rei. Milton, como se sabe, era republicano, tendo sido secretário de Oliver Crowell, o único governo republicano da história da Inglaterra. Após a queda de Crowell, Milton é alijado da vida política britânica, mas, obviamente, nunca esqueceu suas convicções políticas.

Lúcifer, debatendo com seus exércitos a melhor forma de se vingar de Deus, conclui que o ponto fraco do Todo Poderoso era o homem, sua criação mais querida. E percebe que Deus havia cometido um terrível erro, proibindo Adão e Eva de provarem do fruto do conhecimento. Que raios de felicidade é essa, pergunta-se Lúcifer, na qual não se pode ter acesso ao que existe de mais nobre e digno no universo, o conhecimento?

Voltando aos estudos de Jung, o psicólogo mostra como a figura do diabo existe em quase todas as religiões, mas sem a conotação pesada que tem na igreja católica. No candomblé, por exemplo, seria identificado como Exu, que, ironicamente, é o orixá da comunicação (!), além de "guardião das aldeias, cidades, casas e do axé, das coisas que são feitas e do comportamento humano", conforme descrição copiada da Wikipédia.

Por fim, acho que a internet é um espaço onde há muita gente ruim. Muito covarde que, na rua, não teria petulância de incomodar um filhotinho de vira-lata, na rede torna-se uma besta do apocalipse. Por isso, um nome pomposo e terrível como Óleo do Diabo, ajuda a afastar esses espíritos maus. Como aquelas carrancas que colocamos na porta de casa, para espantar o mau olhado.


(Ilustração: Lúcifer num dia ruim. Não consegui descobrir o autor.)

8 comentarios

rev. Digão disse...

Muito legal sua explicação. Só queria dizer que o conceito que você colocou sobre o diabo como sendo da igreja católica é, também, compartilhada pelas igrejas protestantes. Já as neo-pentecostais vêem a coisa meio diferente, vêem o diabo como um "escada" de Deus, ou seja, como aquele ator que dá suporte para que o outro conte sua piada arrasadora. E sobre a ilustração, será que ela não é de Gustave Doré? Um abraço!

Juliano Guilherme disse...

É também pensei no Gustave Doré. Mas também identifiquei alguns traços caravagistas. Mas não tenho conhecimento sobre a produção de gravura da escola caravagista. Esse artista está com pinta de ser da escola simbolista do sec.XIII

Anônimo disse...

por jalar em Jung, fiquei sabendo que Sigmund Freud nunca conseguiu curar ninguém.

Anônimo disse...

Rev. digão. Os católicos criaram a religião e os outros copiaram. Os protestantes se separaram mas ficaram com a Bíblia e mais, espalharam ela pra todo mundo. Se era para fazer uma cisão, deveria ter sido total, não?

rev. Digão disse...

Na verdade, não era para haver cisão. Os protestantes não se separaram, mas foram (ou fomos) "separados", isso porque, com a discussão sobre a questão das indulgências e a polêmica sobre as 95 Teses (que tratam exatamente deste assunto), o papa lançou uma bula excomungando Martinho Lutero em 1521. Uma vez excomungado, não restou a Lutero outra opção senão caminhar separadamente. Isso não é interpretação, é fato histórico.

Unknown disse...

Sempre pensei que esse "óleo" fosse ralacionado aos "santos óleos" da igreja católica Hehehe!...

Anônimo disse...

Ah, agora entendi. Legal, Miguel. Um abraço, Eduardo Guimarães

martins disse...

Legal seu texto,Digao. Usei parte dele para debater com um ateu, eheheh... vc perdoa esse seu adimirador,agir assim,né? Um abraco.

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