O caso Dantas tomou proporções quase bíblicas, comprovando que o poder e a influência do controvertido banqueiro não eram lenda. Que outro preso motivaria reunião de emergência entre presidente da República, presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro da Defesa e Ministro da Justiça? Que outro preso ensejaria uma verdadeira revolução no judiciário brasileiro, com mais de 400 autoridades judiciárias (juízes, procuradores, desembargadores)assinando um manifesto contra Gilmar Mendes, chefe do STF? O delegado federal, Protógenes Queiroz, e mais dois delegados, foram afastados do caso. A blogosfera pega fogo. As rodas giram mais rápido. A mídia botou seus exércitos na rua para encontrarem o ângulo mais favorável ao escândalo.
Tem gente frustrada, outros revoltados. Eu estou muito tranquilo. As rodas da história continuam girando. Não conheço detalhes da operação. Não vou ler o relatório da PF. Analiso a situação sob um ponto-de-vista mais amplo. Pegaram Dantas. Ele e sua gangue. Ele pode ter conseguido seu habeas corpus, mas a que preço? Queimou seu cartucho mais importante: todo seu poder, seu dinheiro, seu talento serviram para quê? Para não passar cinco dias na cadeia? O homem que ganha bilhões, agora é um mortal que entra e sai do xilindró e está na boca do povo. O relatório do delegado, com milhares de gravações, emails e dados comprometedores, está publicado na internet. Perdeu.
A roda gira. O problema de se acreditar em Deus é que se esquece que a história é ainda mais poderosa que Ele, e tem suas leis próprias, sobrehumanas, terríveis, patéticas, surpreendentes. Quem poderá controlar a história? Nem Deus controla a a história: não pôde evitar que Adão e Eva comessem a maçã, nem esperava que Lúcifer, um de seus anjos mais poderosos, se rebelasse contra sua autoridade.
Dantas pode comprar o Supremo, pode comprar a mídia, pode comprar até Deus, mas poderá comprar a história? Poderá comprar nossas consciências? A roda gira e não é hora para tolas manifestações de desânimo. Sempre haverá bastilhas para serem destruídas. Quem irá controlar a história? Ninguém. A guerra no Iraque foi um fiasco. Obama pode ser o novo presidente americano e Chávez fez as pazes com Uribe. Lula está aí, encerrando a metade de seu segundo mandato. Já é história. Não se pode matar o que já aconteceu. As comparações estão feitas. Quem prendeu banqueiros? Quem prendeu Dantas?
Ah, essas rodas, sempre girando, incansáveis rodas, malucas rodas, que giram giram. As vezes, empurram o mundo de volta ao mesmo lugar de antes. Um cientista brasileiro contesta o Big Bang, a teoria de que o universo surgiu de uma explosão inicial. Segundo ele, o universo é eterno e vive momentos de fluxo e refluxo, expansão e retração. O Big Bang foi um grande momento de virada, de expansão. Em outras palavras, não há movimentos lineares, progressivos, e sim um eterno retorno, ciclos infinitos.
Assim a história. Assim o Brasil. Existem forças que estão acima de nós. Napoleão, o grande libertador da Europa, também foi um grande assassino. Um grande vitorioso e um colossal derrotado. A história do Brasil não está morta. Ainda teremos muitos presidentes, ciclos economicos, prisões espetaculares, copas do mundo, catástrofes. Acabamos de encontrar quantidades prodigiosas de petróleo em nosso litoral! Como dizia Maiakósvki, na brilhante tradução de Haroldo de Campos: se o planeta, para o júbilo, é imaturo, arranquemos alegria, ao futuro!
Entenda-se: o futuro pode ser um tempo pior que o presente. Mas tem grande vantagem sobre o presente: o futuro é uma abstração, e como tal pode ser moldado por nossos sonhos e expectativas. Também por nosso pessimismo, por que não? O pessimismo é o otimismo de sobretudo escuro e chapéu, fingindo ser um escritor noir.
As rodas. Antes de se decidirem se ficam alegres ou tristes, pensem nelas.
16 de julho de 2008
As rodas estão girando
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