17 de julho de 2008

Comentando os comentários & divagações noturnas

Os posts anteriores me renderam muitos comentários legais e gostaria de agradecer a todos. E também desfazer uma impressão algo antipática que eu possa ter causado, por conta da invenctiva contra "decepcionados". Essas emoções são naturais. As pessoas se decepcionam, voltam a confiar. Mas é que eu acompanho e interajo de perto essas reviravoltas políticas e há tempos observo que a decepção virou uma espécie de espada de Dâmocles pairando sobre o governo Lula. Pensando bem, todavia, é normal. Para quem não sabe ou não lembra, relato rapidamente o que foi a espada de Dâmocles. A história foi contada por Cícero, o famoso orador romano. Na corte de Siracusa, na Grécia antiga, havia um cortesão muito bajulador, chamado Dâmocles, que louvava constamente a felicidade do tirano, Dionisio I. O tirano pede para esse cortesão assumir o seu lugar por um dia, sentando-se em seu trono. O cortesão aceita prazeirosamente o desafio e se diverte muito comendo, bebendo e assistindo mulheres dançando para ele, até que olha para cima e vê uma grande espada pendurada por um fio de rabo de cavalo, apontada para ele. Na mesma hora, ele desiste de ser rei. A lição é sobre os riscos do poder.

Mas há outras lições que podemos tirar do episódio. Tenho pra mim que essas ondas de decepção são consequência de excesso de expectativas que as pessoas depositam no governo. É muito perigoso e certamente frustrante. Nenhum governo poderá cumprir a expectativa de sociedades complexas, divididas em milhares de segmentos econômicos, cada um com suas próprias demandas. Por isso, avaliações sobre governos devem ser ponderadas com muita racionalidade e pragmatismo.

Ontem, por exemplo, aconteceu uma coisa muito importante, e que poderá marcar profundamente a história. Não esperem editoriais candentes sobre isso, o que é lamentável. Lula sancionou o piso salarial de R$ 950 para todos os professores do ensino básico. Considerando que há professores de regiões afastadas que ganhavam até menos do que um salário mínimo e que temos mais de 800 mil professores no país, o fato constitui uma verdadeira revolução.

Quando a lei ainda tramitava no Congresso, o Globo publicou editorial atacando-a. Claro, as organizações Globo atacam tudo que é progressista no país. Outro dia, o cineasta José Padilha respondeu a um artigo idiota do Ali Kamel, que atacava seu filme Garapa, ainda não lançado, só porque Padilha mostra que o Bolsa Família ainda é pouco. O governo deveria ampliar ainda mais os programas sociais. Para Kamel, que prega o fim do Bolsa Família, ou sua redução radical, as propostas de Padilha são inadmissíveis.

Para Kamel, se a fome diminuiu, deve-se reduzir o Bolsa Família. É uma lógica absolutamente esquizóide, porque omite o fato cartesiano, cristalino, de que se é justamente o Bolsa Família que vem ajudando a diminuir a fome, cortá-lo seria um crime histórico. Além do mais, o BF não representa gasto expressivo para os cofres públicos, não se considerarmos o seu alcance e o seu retorno na forma de desenvolvimento econômico, que por sua vez gera renda, trabalho e mais impostos para o governo, produzindo um ciclo virtuoso.

O problema da decepção é que não devemos, a meu ver, apostar nossas expectativas em ninguém a não ser em nós mesmos. Nem Deus merece tanta confiança. Não há ser no mundo que mereça o dom e a maldição de ser o fiel de nossas esperanças. Se queremos uma nação melhor, não há outra alternativa senão melhorarmos a nós mesmos. Individualismo? Sim. Mas um individualismo responsável, cidadão, altruísta.

Em muitas ocasiões, já discorri aqui sobre o que penso das ideologias. Acho que o tempo da guerra fria terminou, para desgosto das viúvas que ainda choram pelos cantos. Não é que o capitalismo tenha vencido. É que o capitalismo puro simplesmente é um engodo. Nunca existiu. Na primeira crise financeira, como se vê agora nos EUA e Europa, o Estado injeta bilhões, trilhões, no sistema financeiro. Que capitalismo é esse em que o Estado salva empresas falidas? Na verdade, existem centenas de sub-teorias econômicas, e uma boa parte delas, conhecidas como neo-liberais, têm como patrocinadores lobbistas e gansgsters do mercado financeiro, que defendem o Estado mínimo para o lado social, porém máximo para salvar banqueiros e emprestar dinheiro público a fundo perdido para empresários amigos.

E aí voltamos a Dantas. Como surgiu Dantas? Reproduzo abaixo um diálogo, interceptado pela PF, ainda no tempo de FHC, entre Ricardo Sérgio, diretor do BB e um ministro de Estado, o Luiz Carlos Mendonça de Barros.



"Mendonça de Barros - Está tudo acertado. Mas o Opportunity está com um problema de fiança. Não dá para o Banco do Brasil dar?

Ricardo Sérgio - Acabei de dar.

Mendonça de Barros - Não é para a Embratel, é para a Telemar [nome de fantasia da Tele Norte Leste].

Ricardo Sérgio- Dei para a Embratel, e 874 milhões para a Telemar. Nós estamos no limite da irresponsabilidade.

Mendonça de Barros - É isso aí, estamos juntos.

Ricardo Sérgio - Na hora que der merda, estamos juntos desde o início.


*

E assim Dantas, com dinheiro emprestado pelo BNDES e fiança do Banco do Brasil, iniciou seu império no mundo das telecomunicações. Lembrem que, nesta época, o setor telefonico estava às margens de profunda revolução tecnológica. As empresas que receberam, de bandeja, o patrimônio comunicacional brasileiro, ganharam uma mina de ouro virgem, ainda não explorada. Quem sabia disso? Quem sabia que o setor de telecomunicações viveria uma revolução, com a entrada dos celulares e das novas tecnologias de fibra ótica e aparelhos sem fio? Alguns figurões do governo sabiam, e mesmo assim venderam nosso patrimônio a preço de banana. Não sou contra a pritazação da telefonia brasileira, mas ela poderia ter sido feita com exigências de contra-partidas que promoveriam importantes lucros sociais ao país.

No caso da Vale do Rio Doce, houve um crime de lesa-pátria. A empresa foi vendida por preço subestimado. As autoridades federais, na ânsia de se desvencilhar de um patrimônio público, davam declarações menosprezantes, contribuindo para o estabelecimento de valores baixos de venda. O mercado de ferro também vivia uma situação promissora. O preço do ferro iria explodir a qualquer momento, por causa do crescimento notável da China e da Ásia em geral. Logo depois da privatização, os preços dispararam, por conta da entrada da China e a Vale ampliou seus lucros, agora enviados regularmente para o exterior.

2 comentarios

Virgílio disse...

Miguel,
É um prazer enorme voltar a ler o seu blog com frequência e encontrar análises tão lúcidas, tão apropriadas. Tenho distribuido-as entre meus amigos. Neste episódio de Dantas e, particularmente, neste seu post, você escreveu aquilo que eu gostaria de ter escrito. Fantástico!

Sandro Stahl disse...

Ostei muito da imparcialidade, se nossa imprensa agice assim,contribuiria muito para que tivéssemos uma sociedade mais justa e consiente.

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