23 de julho de 2008

Divagações pós-ideológicas & blasfêmias

Tanto se fala no fim das ideologias, mas a verdade é que a humanidade já esqueceu o que elas são. Seu significado esgarçou-se, evaporou-se em meio à fumaça dos carros de luxo misturada à marola dos baseados hippies. Em verdade vos digo: minha ideologia hoje são meus livros, meu computador e alguma coisa no bolso pra cerveja, pizza e cinema. E o desejo de escrever, irreversível. Pois bem, ideologias. O problema das ideologias, assim como da política, é que se as confunde com idiossincrassias psicológicas ou culturais. Taí uma coisa que percebi há tempos. Esquerdistas e direitistas desenvolveram vícios de pensamento, uns preconceitos bobos, inclusive preconceito contra o preconceito. Partindo da premissa que é impossível viver sem preconceitos, sob o risco de nos tornarmos um software do Greenpeace, que se nos permitam tê-los. Que se nos permitam ser hipócritas, preconceituosos e maus. Isso que irrita na esquerda. A pretensão de ser bom. Ser bom não é uma questão de ideologia ou linguagem, mas de simpatia e generosidade. Já fui comunista, anarquista, capitalista, hoje percebo que esses conceitos são artificiais. Não existe capitalismo, por exemplo. Existe democracia. Por isso, os direitófilos são tão nervosos e insatisfeitos com o mundo. Outro dia, li num blog um cara dizendo que os banqueiros estão apoiando os esquerdistas do Brasil, e clama por uma articulação da direita junto aos trabalhadores. Eles acreditam que o mundo atual é socialista. É de morrer de rir. E dá o que pensar.

No entanto, respeito a política. Assim como os médicos. No fundo, sou uma besta em política assim como em medicina. Sou um escritor, e só. E defendo minha classe e que ela tenha mais poder e mais dinheiro. Não pensem, contudo, que ser escritor vale grande coisa. Vale porra nenhuma, ainda mais no Brasil, terra de analfabetos funcionais. Respeito, ia dizendo, os políticos, os médicos e os pipoqueiros. Todos dignos e úteis à sociedade. Agora, não acredito num capitalismo que subsidia grandes agricultores, bancos, seguradoras e complexos militares privados. Que merda de capitalismo é esse? No entanto, esse é o capitalismo americano, europeu, japonês. É um estatismo pior que o comunismo, porque este ao menos ainda provê educação gratuita. Mas não sou comunista porque sou doido, como diria Fernando Pessoa, "com todo o direito a sê-lo, ouviram?", e como todo doido defendo o individualismo. Os loucos são grandes individualistas, porque se acham tão diferentes, tão estranhos.

E o talento. Acredito no talento. Assim como no fracasso. Acredito que os fracos, os bunda-moles e os medrosos têm tanta dignidade quanto seus antípodas, os valorosos. Essa é minha ideologia, que não é das melhores. Talvez seja cristã. Tudo bem, eu supero. Tem uns leitores do blog, uns caras legais, que gostam do que eu escrevo, que andam protestando das minhas divagações blasfemas sobre Deus. Eu andei dizendo que as pessoas não devem confiar tanto em Deus, pois se Ele não conseguiu impedir uma moça inocente como Eva de comer uma maçã, como irá controlar a vontade de três bilhões de mulheres ambiciosas, querendo enganar outras mulheres e todos os homens? Mas sobre isso eu falo depois.

Voltando às ideologias, sempre defendi o individualismo, a liberdade e a democracia. A vaidade também. E o direito de errar e não ser humilhado por isso. Não aceito humilhação. Sei que ela é inevitável e inerente à liberdade que escolhi para mim e para os outros. Mas me revolta ver alguém ser humilhado, mesmo um adversário. Também não concordo com nosso sistema penal. Ninguém devia ir para a cadeia. Só os notoriamente psicopatas e sociopatas. Os outros deviam expiar seu crime trabalhando e pagando multas. Por isso não me tenho orgasmos com Daniel Dantas indo para a cadeira: ficaria mais satisfeito se a Justiça o obrigasse a doar uns vinte bilhões de reais aos pobres do Brasil.

Não acredito em ismos e sim em idéias práticas. Por exemplo, todas as estradas, ruas e avenidas deveriam ter um espaço protegido para pedestres e ciclistas. Acho simplesmente irracional que não seja assim, que um carro tenha direito a trânsito e uma pessoa não. Também acho que o Estado deveria criar uma estatal de aluguel de carros, para estimular as pessoas a, em vez de comprarem carro, alugarem-no na filial mais próxima, podendo entregá-lo em qualquer outra loja da mesma empresa. Idéias, idéias. E também bibliotecas. Espalhar bibliotecas públicas pelo país. E redes gratuitas de wifi.

As pessoas subestimam a importância das chamadas guerrinhas sectárias, entre petistas e tucanos. Como em toda guerra, em toda dialética, ali tambem corre uma energia filosófica, uma faísca de criatividade. Segundo Hegel, a verdade reside na própria tensão dialética, no jogo entre tese, antítese e síntese. Um eterno círculo, águas do rio deslizando, eternamente.

Falta, finalmente, uma consciência de classe por parte dos jornalistas, e coragem em assumir posições políticas, e inteligência para compreender o jogo partidário. É preciso defender um governo aliado, por exemplo, sobretudo quando ele erra. Ou seja, nos momentos difíceis. É muito fácil defendê-lo quando as coisas estão bem. Se alguém acreditou na história de que pragmatismo é um defeito, não tem idéia do que seja a vida. São ranços ibéricos, aristocráticos, quase escravagistas, que ainda nos assolam. Pragmatismo é uma das principais qualidades da política. Dom Quixote foi um grande cara. Admiro-o, amo-o. Mas ele era totalmente insano e ridículo. Sancho Pança que o diga. Suas sandices criavam mais problemas do que ajudavam as pessoas. Isso está bem claro no livro de Cervantes.

Boa noite.

8 comentarios

Anônimo disse...

Rapaz,

seu estilo é muito bom.
Ler você é um alento, em meio ao mar de arrogância, imbecilidade, má-fé e mau-humor que a grande mídia destila no Brasil.
Mostra que assimilou muito bem o que aprendeu do grande mestre Wanderley G. dos Santos. E ainda acrescenta seu próprio quinhão de inteligência, bom senso e verve.
Persevere.
Visito seu blog todos os dias em busca de textos novos, especialmente sobre temas em política e cidadania.
Só tome cuidado com deslizes tipo xingar algo com o temo "feminóide" ou caracterizar violência com o termo "judiação" (embora o Estado de Israel... bem, deixa pra lá).
Um abraço

Clara-Maria.

André Lux disse...

Miguel, parabéns pela sinceridade e clareza. Concordo plenamente com tudo que você escreveu.

Abraços!

Miguel do Rosário disse...

Oi clara, obrigado pelos elogios e pela visita constante. Lembro que você implicou com essas palavras, num artigo meu. Quanto às palavras, telefonarei para meu cerebelo e lhe transmitirei a mensagem. Não sei se ele concordará, todavia... Grande abraço.

Fala André, beleza? Abraço.

Anônimo disse...

Mercado e Governo são irmãos siameses. Quem queira delimitar-lhes campos bem separadinhos, estará a navegar, quase atolado, em mar de mar-ionese.

PT e PSDB são xifópagos, duas cabeças num só corpo. Enquanto uma está bêbada, a outra experimenta ressaca. Diferença ideológica? Não, só no Karma. Na ressaca, a dor se manifesta na mala sem alça que uma parte tem de arrastar, pesada, cheia de Demos.. O pesadelo do sóbrio está nas pipas vermelhas que tem que segurar, sem luvas, numa linha de cerol, ao sabor de ventos imprevisíveis e incontroláveis.

Entre um porre e outro, vamos vendo os andaimes e os tapumes caírem, embora a obra já esteja totalmente inacabada...

Matenha o pique. Vc ainda tem muitas cartas na manga, Miguel.

politicamente_incorreto disse...

Boa tarde Miguel, sempre passeio pelo seu blog e acho que só uma vez postei um comentário, no meu nem adianta ir, só se for para ver o meu perfil. não tenho tempo nem saco para toca-lo,e honestamente acho que é falta de saco mesmo.Mas admiro demais o seu blog e principalmente a sua "linha ideologica" que se parece com a minha, chega um ponto na vida que você adquire a mais ferrenha convicção de que.... você não sabe porra nenhuma sobre nada, tão perdido quanto um cachorro caído de mudança ou como dizem alguns gaúchos, "mais perdido do que filho de china no dia dos pais".
Concordo contigo de que a convicção que eu tenho neste momento as vezes não dura cinco minutos tudo fruto de uma sociedade camaleônica que tenta escravizar a todos como seu maniqueísmo. Concordo também com o seu ponto de vista que o Daniel Dantas não deveria ser preso, afinal está provado cintifica e economicamente que o ponto mais dolorido da anatomia humana é o bolso, e vou além: não acho que ele seja uma pessoa má, ele apenas está cumprindo o seu papel dentro de uma sociedade que adotou o sistema de sobrevivência regido pela MAIS-VALIA, seria muito simples separar as pessoas entre bons e maus apenas pela sua posição social ou política, ninguém é escencialmente mal por ser rico ou é um projeto de Jesus Cristo por ser pobre, o buraco é muito mais embaixo e ainda por cima é um buraco móvel, nunca está no mesmo lugar. Procuram en vão um consenso que nunca vai existir, enquanto isso tento pautar meu comportamento pautado por um bom senso relativo aonde tento ser sempre bom mas as vezes sou mau, é da natureza humana, agora me dá licença que estou vendo uns monstros ameaçadores pela janela do escritório aqui no 17 andar. e ainda tem uns idiotas que tentam me convencer que são moinhos de vento.....quanta ingenuidade!!!!

um abraço e sds deste admirador que já foi incorreto, hoje está quase domesticado.

suesaphira disse...

Não é um comentário, apenas uma sugestão. Sobre o que fala o escritor no texto, nada mais incrível foi escrito senão o último livro de Sándor Márai publicado no Brasil, "De Verdade". Indicado para os seres humanos de direita, de esquerda, todos.

Anônimo disse...

Sei lá, ainda admiro bastante os que lutam pelos sonhos distantes. Tem tudo isso aí que tu falou, mas pô meu, não acho Quixote ridículo não. Ou então, acho que não entendi dessa vez, apesar de tu escrever sempre com brilho. Ando me sentindo muito burro ultimamente. Não consegui nem acertar essa &%#@*&%@ do google pra postar com meu nome.

Wilson Cunha Junior

Anônimo disse...

Quando eu morrer,
onde couber me enterrar
não precisa identificar.
Ali ficou
o que comeu, bebeu,
dormiu, sorriu,
sofreu, gozou e se acabou.
O que restar
de contribuição
às obras sublimes
ou aos crimes
da nossa humanidade
estará preservado
ou desaparecido
com pouco ou muito alarde.
Aliás,
para "aqui jazz",
me seria mais familiar
"aqui xote".
Ah! Quixote!

P.S. Alguém me manda, por favor, o email de Ítalo Moriconi Jr. que escreveu, entre outros "Ana Cristina Cesar"?
Júlio César Montenegro
jcmontenegro@globo.com

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