9 de julho de 2008

Cortaram a cabeça da Medusa?

Medusa nem sempre foi baranga. Antes de se transformar num monstro de olhar petrificador e cabelos escobreados, havia sido uma ninfa marítima, a mais linda. Seu erro foi se deixar seduzir por Poseidon, soberano das águas, e transar com ele no sagrado templo da bela e agressiva deusa de olhos brilhantes. Atenas irrita-se profundamente com a profanação e converte Medusa na aberração a que já nos referimos.

Daniel Dantas, o jovem e bem sucedido banqueiro, herói da privatização, é a nossa Medusa. Quem foi seu Poseidon? Quem o convenceu a profanar o templo de Atenas? Poseidon talvez tenha sido FHC? O templo de Atenas seria a nação brasileira?

O poder de nossa Medusa assustava a todos. Jornalistas, promotores, juízes, que ousavam investigá-la, convertiam-se em párias da sociedade, com a ajuda prestimosa da revista Veja & Cia. Ninguém podia falar nada. Ninguém podia sequer olhar para Dantas.

Sua prisão pode significar o corte da cabeça da Medusa. Nosso Perseus: a Polícia Federal.

Está sendo divertido assistir ao alvoroço da mídia em tentar minimizar a ganho político que o governo pode auferir com a prisão de Dantas, através da insistência em conectá-la somente ao caso do mensalão, do qual o empresário teria sido o principal patrocinador. É divertido por várias razões:

1) As investigações que levaram à prisão de Dantas iniciaram antes da existência do mensalão. Os jornalistas mais sérios do país, entre eles Bob Fernandes, do portal Terra, estão irritados com mais essa tentativa de manipulação da realidade, até porque os valores movimentados ilegalmente por Dantas são infinitivamente superiores aos caraminguás que os barnabés do mensalão sacavam na caixa do Banco Rural, no Shopping Brasília. Entretanto, Dantas envolveu-se, de fato, com o mensalão, e aí saltamos para a segunda razão.

2) Dantas foi um dos principais patrocinadores do mensalão. Mesmo que sua prisão, portanto, se relacionasse exclusivamente ao suposto pagamento de propina a parlamentares, o que não é o caso, mesmo que assim o fosse, ela ajuda a responder a muitas perguntas. Não deixa de ser irônico que os mesmos que vociferaram furiosamente contra o escândalo do mensalão, não se rejubilem que o quebra-cabeças esteja sendo reconstituído. Até parece que não lhes interessa saber a verdade e sim manter acesa a fúria santa contra os abomináveis petistas.

De resto, a prisão de Dantas é apenas mais um episódio (talvez o clímax) de uma série de ações contra o crime de colarinho branco. Mais alguns anos de combate à corrupção e teremos feito uma verdadeira limpeza ética no país. Daniel Dantas era um dos mais poderosos chantagistas do Brasil e, aparentemente, havia coptado, através de suborno ou ameaça, até áreas do governo federal.

O que nos deixa perplexos e apreensivos é ver o ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, vir a público e, em vez de parabenizar o trabalho da PF, criticá-la levianamente como "espetáculo". É como se o Supremo americano, ao assistir na tv a prisão de Al Capone, desacreditasse-a como "espetacular". Ora, é claro que foi um espetáculo. A PF agiu sob ordens da Justiça. O espetáculo fica por conta da mídia, que vive de espetáculo. O juiz confunde as coisas: é pertinente criticar a sociedade do espetáculo, mas no âmbito acadêmico. Não é saudável criticar uma instituição valiosa, e bem no momento em que realiza uma operação importante. É claro que a PF tem seus erros, tem seus quadros duvidosos, é claro que ela, como qualquer instituição - incluindo o Judiciário - precisa ser aperfeiçoada, mas há que se medir o momento das críticas. As proferidas por Mendes atingem o próprio cerne moral da PF e isso não é legal: é autoritário, é golpista.

*

Eliane Cantanhede disse o seguinte outro dia: "muito se fala em esquerdização da América Latina, mas quem tá bombando mesmo é o Alvaro Uribe". Pois é, temos mais de vinte países latino-americanos com presidentes de esquerda, alguns muito mais populosos e ricos que a Colômbia, como Argentina e Brasil, mas, para a colunista da Folha, Uribe vale mais que todos. Repete-se a todo momento que ele tem 80% de boa avaliação. Cantanhede insinua que pode chegar a 90%. É patético. Não se dá nenhuma informação sobre a fonte desses dados. Qual o instituto? Quantas pessoas entrevistou? Qual foi a metodologia? A colunista, que foi enviada à Colômbia, também poderia nos fornecer mais dados sobre a situação econômica e social do país para que pudéssemos, com base em informações confiáveis, saber se Uribe, a despeito de ser um direitista aliado aos EUA, faz um bom governo ou não.

*

Outro fato que me deixou chateado foi o abafamento do programa de fomento à agricultura empresarial e familiar, lançado semana passada pelo governo. Serão alocados, ainda este ano, mais de R$ 78 bilhões, com foco no aumento da produtividade, melhora da infra-estrutura e apoio aos pequenos produtores. O financiamento governamental à agricultura familiar cresceu de menos de R$ 2 bilhões por ano para mais de R$ 11 bilhões este ano, com expectativa de ultrapassar R$ 25 bilhões por ano até 2010.

Esse programa é a resposta mais inteliente e concreta ao problema da inflação, que vem sendo causada sobretudo pela alta no preço dos alimentos.

Muitos analistas precipitados acreditam que a inflação irá corroer popularidade de Lula, omitindo que a alta no preço dos produtos agrícolas tem seu lado positivo: beneficia dezenas e dezenas de milhões de trabalhadores rurais, assim como suas cidades. O alarmismo em torno da inflação de alguns alimentos também omite que o pobre, diante do aumento excessivo do preço de um produto, pode sempre substituí-lo por outro de preço mais competitivo. Em vez de comprar feijão, compra lentilha. Em vez de comprar carne vermelha, compra frango. Em vez de comprar frango, vira vegetariano temporariamente. Impulsionada pelo bom momento para os preços dos produtos agropecuários, a produção brasileira vem crescendo vigorosamente nos últimos anos, e deverá bater recordes sucessivos nos próximos dez anos.

A estabilidade do plano Real, tão importante para o país, por exemplo, deu-se às custas do produtor rural. Lembro que se falava na "âncora verde". A inflação foi debelada juntamente com a renda do produtor, sobretudo o pequeno, responsável por mais de dois terços da produção nacional de gêneros alimentícios, que não recebia recursos governamentais. A agricultura empresarial foi igualmente prejudicada, por uma política cambial rígida, intervencionista, artificial, que mantinha o Real paritário ao dólar.

Os jornalões mandam repórteres ao Japão, para cobrir o G8, aos EUA, para cobrir a campanha presidencial americana, à Colômbia, para saber sobre as Farc, mas não mandam ninguém para as áreas rurais, apurar as condições de vida dos produtores rurais, responsáveis por grande parte do Produto Interno Bruto e, neste momento, protagonistas dessa suposta "espiral" inflacionária. Se fossem ao campo, poderiam apurar informações mais precisas sobre a realidade do campo e, inclusive, ajudar as autoridades a encontrarem políticas mais justas para combater a alta dos preços.

18 comentarios

Anônimo disse...

Belo texto, Miguel.
www;casadonoca.blogspot.com

Ler o Mundo História disse...

Miguel, vc diz:
"Outro fato que me deixou chateado foi o abafamento do programa de fomento à agricultura empresarial e familiar, lançado semana passada pelo governo. Serão alocados, ainda este ano, mais de R$ 78 bilhões, com foco no aumento da produtividade, melhora da infra-estrutura e apoio aos pequenos produtores. O financiamento governamental à agricultura familiar cresceu de menos de R$ 2 bilhões por ano para mais de R$ 11 bilhões este ano, com expectativa de ultrapassar R$ 25 bilhões por ano até 2010.

Esse programa é a resposta mais inteliente e concreta ao problema da inflação, que vem sendo causada sobretudo pela alta no preço dos alimentos.

Muitos analistas precipitados acreditam que a inflação irá corroer popularidade de Lula, omitindo que a alta no preço dos produtos agrícolas tem seu lado positivo: beneficia dezenas e dezenas de milhões de trabalhadores rurais, assim como suas cidades. O alarmismo em torno da inflação de alguns alimentos também omite que o pobre, diante do aumento excessivo do preço de um produto, pode sempre substituí-lo por outro de preço mais competitivo. Em vez de comprar feijão, compra lentilha. Em vez de comprar carne vermelha, compra frango. Em vez de comprar frango, vira vegetariano temporariamente. Impulsionada pelo bom momento para os preços dos produtos agropecuários, a produção brasileira vem crescendo vigorosamente nos últimos anos, e deverá bater recordes sucessivos nos próximos dez anos."

Sei não, eu não vejo esta tal agricultura familiar, em um contexto abusivo de concentração de terra como é a do nosso país.

Quero saber quando é que o governo Lula vai fazer reforma agrária (somos os únicos na América Latina que a temos reconhecida constitucionalmente e não a fazemos). Fora a Argentina onde cristina de fato pra vencer os latifundiários criou medidas de taxação importantes e conseguiu apoio dos pequenos agricultores (em comparação com a Argentina temos pouquíssimos nesta situação) vários países latino-americanos fizeram reforma agrária de fato, Evo, por exemplo.

Assusta-me os rumos que a questão da terra está tomando no país:

1) estrangeirização (não devido as bobagens que o Vermelho anda dizendo sobre a homologação da Raposa Serra do Sol. Aliás o PCdoB perdeu uma ótima chance de ficar calado e não repetir o que está na boca dos generais mais conservadores que ajudam a quadrilha do Quartiero a fabricar bombas contra os Macuxi), mas pela legislação frouxa que permite que latifundiários privados e empresas estrangeiras compre imensas quantidades de terra no país;

2)A criminalização do MST pelo MP e pouca mobilização social em defesa deste importantíssimo movimento social;

3)E, finalmente, o deslumbramento do governo Lula com o agronegócio quer seja na soja ou na cana para o etanol, continua reproduzindo as mesmas relações de trabalho escravistas.

Miguel do Rosário disse...

Maria Fro, a agricultura familiar é responsável por 70% da produção de alimentos no país e representa a esmagadora maioria númerica dos produtores. Não temos "pouquíssimos" nesta situação. Temos milhões de pequenos agricultores no país, e sua situação melhorou muito nos últimos anos. No Espírito Santo, por exemplo, 95% das propriedades são pequenas. Estive lá recentemente, no norte, para fazer uma reportagem, e verifiquei, in loco, que os pequenos estavam conseguindo produtividade recorde, mais que os grandes: em primeiro lugar por sua bravura e talento pessoais, e depois pela maior disponibilidade de recursos do Banco do Brasil e maior assistência técnica - no caso, por extensionistas do governo estadual do ES, através do Incaper.
O Brasil tem uma produção agrícola muito superior e mais variada que a Argentina. O plano federal em prol da agricultura familiar prevê aumento de verbas e de assistencia técnica. Os número de extensionistas subirá de 20 mil para 30 mil. Reforma agrária não é distribuir terra. Isso é uma grande bobagem. Reforma agrária é possuir uma política agrária inteligente. Não há deslumbramento com o agronegócio empresarial. Há sim, por parte de segmentos esquerdistas, um preconceito irracional contra o agronegócio, que responde por quase 40% das exportações nacionais e gera milhões de empregos. A maioria dos empresários agrícolas são de médio porte, que trabalham muito, pagam os trabalhadores de acordo com a lei e contribuem decisivamente para o desenvolvimento do país. A desapropriação de terras, que é o que muita gente entende como sendo a única verdadeira reforma agrária, depende da Justiça brasileira e de entendimentos no Congresso Nacional, fatores que fogem totalmente ao controle do governo. O mais importante é que as desapropriações e a legalização dos assentamentos sejam feitas com qualidade. O FHC legalizou alguns assentamentos mas não deu condições para a viabilidade econômica dos mesmos. Por fim, não estou seguro de que a Cristina (a quem admiro e apoio) tomou a melhor decisão em taxar as exportações de soja e milho. Entendo que isso não tem nada a ver com guerra contra o latifúndio e sim forma de aumentar a receita do Estado e, talvez, desestimular o plantio desses produtores, em prol de maior investimento em trigo, por exemplo. Mas acho uma medida repressiva contra-producente que, além de antipática politicamente, pode desacelerar os investimentos produtivos no país, num momento em que o mundo precisa produzir mais alimentos - e soja, ao cabo, é um produto fundamental para a produção alimentar, visto que é a base principal das rações para aves, suínos e bovinos, etc. Quanto à estrangeirização, o governo agora está iniciando medidas bastante severas para evitar distorções, mas não devemos cair em xenofobia barata. Investimento estrangeiro produtivo sempre é bem vindo, porque paga imposto aqui, gera emprego aqui e produz alimento aqui. Por fim, a produção de soja e cana exigem unidades grandes de produção. Não se pode confundir, porém, grandes unidades de produção com latifúndios improdutivos. O inimigo é o latifúndio IMPRODUTIVO, as terras degradadas, a pecuária indecentemente extensiva. Os fazendeiros não são os adversários da reforma agrária. São seus maiores aliados. A reforma agrária tem que ser feita para beneficiar os fazendeiros, e o imaginário esquerdista contra o fazendeiro é totalmente reacionário. Um fazendeiro ganha menos dinheiro que jogador de futebol ou celebridade, tem mais riscos, trabalha mais, e tem uma importância vital para o país. A lógica da agricultura é diferente do trabalho urbano, onde o sujeito ganha seu dinheiro mensalmente, tem garantias trabalhistas, não se arrisca. Um produtor agrícola ganha muito hoje e perde muito no ano seguinte. Vive numa tensão constante se vai chover na época da floração. As chuvas não apenas tem que vir regularmente, como tem que cair na hora certa. Enfim, é uma atividade muito ingrata, que além do apoio governtamental, merece ser mais respeitada pela sociedade, e não demonizada vulgarmente por esquerdistas urbanóides. Segundo o IBGE, o Brasil tem 3,6 milhões de proprietários agrícolas. Isso oficialmente. Na prática deve ser o dobro, porque muitas terras que estão em nome de uma pessoa já estão divididas para seus diversos filhos. Quanto à Raposa do Sol, acho que tem que ser homologada e a terra ficar mesmo com os índios. O problema do Brasil não é apenas a concentração de terra. Em algumas áreas, há problema também de pulverização de terras, de micro-fúndios que, por serem tão pequenos, inviabilizam a atividade agrícola sustentável. O MST é importante, mas não podemos esquecer que o número de pequenos agricultores familiares no Brasil é muito superior ao número de filiados ao MST. Com todo o respeito ao MST, é uma questão de justiça prorizar o pequeno agricultor familiar já estabelecido, que está labutando na terra. Quanto à criminalização do MST pelo MP gaúcho, é coisa de nazista sulista que, espero eu, não deve prosperar. Um grande abraço, Miguel

é disse...
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é disse...
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é disse...

Oi Miguel é um contraponto, embora creio eu, estamos falando de coisas diferentes.

Em alguns momentos o seu discurso se assemelha muito ao Quartiero (na defesa do agronegócio) e tenho certeza que você não tem identidade ou simpatia com o Quartiero.

Pelo que li, Cristina fez exatamente o que vc propõe: não penalizou aquele que abastece o mercado interno (que é a maioria dos pequenos agricultores) e taxou latifúndios exportadores.

Vejo problemas em latifúndios do agronegócio e volto a insistir, na cultura da cana não há esse humanismo todo aí, não, e há pesquisas de sobra mostrando a barbárie que são as relações de trabalho e condições de vida dos trabalhadores dos canaviais.

E se isso não bastasse pouquíssimos estão interessados com desenvolvimento sustentável e destroem sem dó nem piedade a cobertura vegetal do país, a bola da vez é o cerrado. É assustador ver o que a soja fez de norte a sul, irreversível.

Nunca vi o MST se opor aos pequenos proprietários (que entendo como aqueles que praticam agricultura familiar)

Mas minha questão central é: o quanto de terra está nas mãos do que estamos considerando aqui camponeses da agricultura familiar?
Mexeu-se na concentração fundiária deste país de tão longa duração?

Bem, enquanto isso, coloquei sua resposta aqui: (http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/07/agronegcio-dois-olhares-para-o-mesmo.html) para dialogar com outra versão sobre o agronegócio.
Abraços
Conceição Oliveira
(PS. estou postando com o perfil do blog para professores e não com o do blog pessoal que é o mariafro.

Miguel do Rosário disse...

Opa, Conceição, minha posição tem nada a ver com esse Quartiero - trata-se daquele arrozeiro contra a reserva indígena em Roraima, né? Dizer que, "em certos momentos", Quartiero e eu temos a mesma posição na defesa do agronegócio, não só é vago, é uma violência filosófica. Indo nessa linha, minha posição pode ter pontos de contato com a de Chávez, Bush, Bin Laden e Clodovil. Não me interessa nem um pouco Quartiero. Todo brasileiro que come deve ao agronegócio. O agronegócio inclui a agricultura familiar, que é familiar mas também é um negócio. Aliás, é cruel e reacionário agora querer que toda agricultura seja familiar. A agriculura familiar é importante geradora de renda, mas também, quando não é moderna, prende famílias em situação de miséria, com crianças e velhos trabalhando em regime quase desumano. Ninguem falou que o trabalho nas plantações de cana são uma maravilha. Mas um trabalho de telemarketing também não é uma maravilha. O Ministério Público e o Ministério do Trabalho vem aumentando a repressão aos fazendeiros que exploram o trabalho. Ser contra o agronegócio, para mim, é tão idiota quanto ser contra a indústria de sapatos. Por que um industrial de sapatos é respeito enquanto um fazendeiro é visto como um diabo? Isso é um preconceito urbanóide. Eu defendo o agronegócio assim como defendo o industrial de sapatos e os trabalhadores desses dois segmentos. Todos são importante para o país.

Ler o Mundo História disse...

Não quis ofendê-lo, mas a defesa que o Quartiero faz do agronegócio dele (140 KM2) em terra indígena ocupado por 6 arrozeiros é igual a sua.
Eu acho que TODA E QUALQUER relação de trabalho pautada na exploração sem limites e sem garantia de direitos (e isso inclui os industriais de sapato que exploram o trabalho infantil) é criminosa.
PS. Vc ainda não me respondeu a questão central, quanto de terra ocupam os camponeses da agricultura familiar?
ps. mandei para o seu mail uma série de artigos (aqui ia ficar uma coisa monstruosa) para reflexão.
Eu acho que temos sim de refletir sobre isso (é uma realidade dada), mas não dá pra desqualificar o discurso dos que se opõem a práticas de exploração e destruição ambiental como a de urbanóides esquerdistas desinformados. Eu acho que é simplificar e futebolizar uma questão que a meu ver hoje é central no país.
Abraços

Miguel do Rosário disse...

Maria Fro, você está me ofendendo sim, ao comparar a minha opinião com a de um delinquente como o Quartiero. Não é possível que, depois de tudo que escrevi, você insista nisso. O problema do Quartiero não é defender a produção de arroz, é defende-la em área de preservação ambiental, em território indigena. Ainda existe muita concentração de terra no Brasil, mas não tanto na agricultura. Entende a diferença? Estou à procura desses dados do IBGE, ainda não consegui encontra-los, mas esse outro responde a pergunta: 70% da produção de alimentos no Brasil vem de agricultura familiar, portanto é óbvio que a agricultura familiar tem predominancia, em terras, na produção agrícola de alimentos (feijão, arroz, batata, mandioca, etc). Para ser mais preciso: a agricultura familiar responde por 44% da produção de batata, 49% pela de milho, 49% tomate, 52% abacaxi, 55% melancia, 56% leite, 60% suino, 61% caju, 67% feijão, 69% alface, 70% frango, 75% cebola e 89% mandioca. A linha de crédito do Pronaf, voltado para os familiares, subiu de 2 bilhões em 2003 para 13 bilhões este ano, com previsão de chegar a 25 bilhões em 2010.

Miguel do Rosário disse...

E não estamos falando aqui de exploração trabalhista e destruição ambiental, o que são crimes. Dizer que é contra isso é como dizer que é contra chacina e contra assassinato. Há exploração de trabalho na agricultura? Sim, mas a culpa é da exploração, da falta de fiscalização, da falta de vergonha de alguns empresários, a omissão da sociedade civil e politica, e não da agricultura, que, ao contrário, é a maior geradora de renda e empregos no país. Sobretudo a familiar, mas também a empresarial. No seu blog, há um artigo que afirma que os produtores não pagam impostos, porque a exportação foi isenta de ICMS. Ora, é falta de informação. A isenção foi feita para dar competitividade ao produto brasileiro, que enfrenta concorrência de outros países, e para que não exportemos impostos. Mas o produtor, obviamente, para milhares de outros impostos: sobre a terra, sobre o maquinário, o imposto de renda, enfim paga tão ou mais impostos que qualquer outro cidadão brasileiro. Não estou desqualificando "o discurso de quem é contra a exploração e a destruição ambiental". Que história é essa? A agricultura não tem nada a ver com isso. O Brasil produz 143 milhões de toneladas de grãos. Não enxergar a importância disso para o mundo, a importância desses alimentos para matar a forme de bilhões de pessoas, é ignorância. Eu sou um cara de esquerda, e por isso mesmo critico o esquerdismo, a doença infantil do comunismo (como acusava Lenin). Não se pode falsear a realidade apenas para não mudar o slogan escrito no brochinho.

Ler o Mundo História disse...

Oi Miguel, eu sei que a agricultura familiar produz quase a totalidade dos grãos (que a gente come e sei que concentram 98% dos produtores brasileiros, o problema é que esses não dominam nem 50% das terras. Os 2% restantes dominam quase 60% das terras ou para especular ou com gado ou pra produzir biocombustíveis ou alimentar porcos e frangos na China (exportação da soja e milho, por exemplo).
Grosso modo, eu diria pra vc que há duas décadas tínhamos a seguinte configuração agrária:
57% das terras nas mãos de menos de 3% de proprietários (ou seja, mais da metade da terra é latifúndio produtivo para exportação ou não); cerca de 20% da terra (média propriedade) nas mãos de 8% de proprietários e 89% dos produtores rurais detém 23% da terra (pequena propriedade).
Como a reforma agrária avançou pouco nas duas últimas décadas (como é de praxe na longa história de concentração fundiária e trabalho cativo em nosso país); como os latifundiários estão perdendo o medo e recebendo apoio até do MP para criminalizar os camponeses sem terra e invadindo área de reservas indígenas, quilombolas ou parques nacionais e como temos cerca de 150 mil pessoas sem terra vivendo na beira de estrada em acampamentos subumanos (para vc esse número pode ser pouco, mas eu acho assustador)eu creio que a concentração agrária vem se firmando e esses números pouco mudaram.

Eu sinceramente separo a agricultura familiar do agronegócio e talvez esteja aí todo o ruído de nossa conversa. Os grandes latifundiários (nacionais ou estrangeiros) são muito similares ao Quartiero: não respeitam população alguma seja indígena, seja quilombolas, seja pequenos agricultores; boa parte de seus latifúndios foram formados a base da grilagem, da intensa exploração e da morte dos que resistiram e pior vários deles misturam interesses públicos e privados e permanecem no poder como os antigos coronéis (o prefeito invasor e criminoso de Pacaraima é só a bola da vez, os fiscais do Ministério do Trabalho já foram assassinados em fazendas de prefeitos mineiros que utilizavam trabalho escravo), não respeitam o ambiente: poluem águas, desmatam, usam soja transgênica em área de reserva ambiental ou terras contíguas o que é proibido, exaurem a terra (soja, cana, pinus produzem desertos verde, alguma dúvida sobre isso?).
Me assusta ver parcela da esquerda aplaudir esta lógica desenvolvimentista sim.

Eu te mandei alguns textos por mail acho que a questão da terra é central no nosso país e passa sim pela redistribuição. E pra vc não achar que estou tripudiando quando digo que o discurso em defesa do agronegócio em bases muito semelhantes da que vc faz está na boca dos latifundiários dá uma olhadinha:
http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/07/titulao-de-quilombos-emperra-diante-de.html
(racismo e agronegócio versus direito soioambientais)


http://br.youtube.com/watch?v=AhijTcssL_E&
(fala do Quartiero- agronegócio como único caminho)

a lógica desenvolvimentista presente na mente dos latifundiários do agronegócio
http://br.youtube.com/watch?v=mwNU_bdkkeY&eurl

http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/06/entenda-o-embate-na-argentina.html (sobre a saída da Cristina em relação aos latifundiários golpistas- lá também como em quase todo o mundo são os pequenos agricultores que produzem comida)

O que a tchurma do agronegócio quer é exportar muito, eles tão pouco se lixando com alimentar o mundo, talvez vc tenha visto, mas se não, assista Green Gold:
http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/06/o-novo-ouro-verde-ou-produo-dos.html

http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/04/fome-mundial-soja-etanol-latifndios.html (Algumas visões sobre o aumento da inflação mundial, o aumento da fome e o risco para a parcela mais pobre do planeta diante de escolhas econômicas, e os artigos trazem visões diferentes sobre a questão e nenhum deles são de reacionários ou 'aloprados'.

Por último, o que tenho visto é o 'povo do brochinho' defender com unhas e dentes um desenvolvimentismo inconseqüente (Alon, por exemplo, na questão Raposa Serra do Sol tinha um discurso tal e qual o general Heleno; o Vermelho fez um editorial sofrível ridicularizando a viagem dos Macuxi que foram pedir socorro às lideranças internacionais, porque em nosso país, vemos a esquerda e a direita se unir para desrespeitar a constituição e não garantir a homologação de suas terras, com um discurso que beira a paranóia nacionalista da década de 1970.
Abraços

Ler o Mundo História disse...

Ps. Quanto ao uso que esta oposição obtusa está fazendo da alta dos preços dos alimentos, concordo com vc, temos uma oposição pífia, golpista, que pouco está interessada na fome dos mais pobres seja aqui ou no Haiti, o que eu questiono são os caminhos escolhidos por aqueles que devem ter obrigações e compromissos efetivos com o povo brasileiro, por vezes se unir ao inimigo, não é um bom caminho.
Realmente eu não do conta de ouvir o Lula elogiar usineiro, é triste.

Ler o Mundo História disse...

Ps, depois que te escrevi li mais dois textos interessantes pra este debate, o Altamiro no blog dele trouxe a discussão da inflação para o debate e me chamou a atenção este trecho aqui:
'A pressão do deus-mercado

Até agora, o presidente Lula resiste à pressão. Tanto que bancou, contra alguns tecnocratas do próprio governo, maiores investimentos na produção agrícola, apostando no aumento da oferta de alimentos para conter a inflação. O Plano Agrícola e Pecuário de 2008-09 prevê um volume de crédito de R$ 78 bilhões, o que representa um incremento de R$ 8 bilhões em relação à safra anterior. Vingou a tese do economista João Sicsú, diretor do IPEA, que afirmou numa entrevista exclusiva ao Vermelho que “a forma mais adequada de se conter a inflação é aumentar a oferta de alimentos e não reduzir a demanda”. Ocorre que a pressão do deus-mercado será violenta, sempre com o apoio entusiástico dos tucanos, dos demos e dos mercenários da mídia.'

(minha dúvida é pra quem foi dado este dinheiro? para o pequeno e médio produtor? Se foi, porque temos as reivindicações do MPA, no texto abaixo?) Abraços

Crise dos alimentos já era prevista, diz agricultora
por Michelle Amaral da Silva — Última modificação 10/07/2008 16:29

Para Maria Cazé, da coordenação nacional do MPA, o modelo comercial de agricultura nunca conseguiu atender a demanda da população por alimento. Camponeses querem mais investimento dos governos na pequena agricultura
Para Maria Cazé, da coordenação nacional do MPA, o modelo comercial de agricultura nunca conseguiu atender a demanda da população por alimento. Camponeses querem mais investimento dos governos na pequena agricultura

10/07/2008


Raquel Casiraghi

Agência Chasques



A crise dos alimentos que atinge hoje todo o mundo já era prevista pelos camponeses. Isso porque a agricultura comercial, o conhecido agronegócio, nunca atendeu a demanda da população por comida. Para a agricultora e integrante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Maria Cazé, prova disso são os dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que mostram que o camponês responde por 70% do abastecimento do mercado interno brasileiro.


Maria Cazé defende que para produzir alimentos variados é preciso ter gente no campo, o que não é possível com o modelo de monocultura para exportação e de uma agricultura altamente mecanizada. Com a expansão do agronegócio, muitos pequenos produtores têm deixado a agricultura.


Além dos alimentos, a camponesa responsabiliza o agronegócio por outras três crises: a da energia, do meio ambiente e a social. “Toda a agricultura comercial é petrodependente, ou seja, baseada no petróleo. E com o aumento dos preços, aumentam todos os custos desta agricultura. A outra crise é ambiental, já que o agronegócio suga os recursos naturais, e deixa a terra simplesmente estéril. É impossível produzir comida, gerar renda e trabalho, se não tem mais disponível os recursos naturais. E a outra crise é a de valores, porque temos relatos de exploração no campo, o trabalho escravo”, diz.


Maria Cazé participa do Seminário Nacional da Agricultura Camponesa, que ocorre até esta sexta-feira (10) no salão de atos da Universidade Regional Integrada, no campus de Frederico Westphalen, no Noroeste gaúcho. Cerca de 300 agricultores de 17 estados debatem a proposta de valorizar a pequena agricultura como política para combater a crise dos alimentos e da energia.


Em Junho, o MPA, juntamente com a Via Campesina, entregou um documento ao governo federal em que constam propostas estruturantes para desenvolver a pequena agricultura. Entre as sugestões, está mais investimento em uma mecanização apropriada para o camponês e na estruturação de agroindústrias. “Em Junho, nós entregamos no Palácio do Planalto a nossa proposta de programas estruturantes para a produção de comida, que vai desde as agroindústrias, insumos, tecnologia apropriada e moradia. São várias questões que estão dentro de uma proposta viável, possível e barata. Certamente não utilizará nem os R$ 60 bi que o governo federal destinou para a agricultura empresarial”, diz Maria Cazé.

Miguel do Rosário disse...

Maria Fro, primeiro lugar, separe os assuntos. Raposa do Sol é uma coisa. Envolve Amazonia e indios. Agricultura é outra coisa. Por acaso tem arrozeiro lá, mas a polemica lá são ongs, exercito, soberania, indios. Falemos de agricultura. Que voce tem contra os frangos e porcos da China? São para alimentar seres humanos e eu, como humanista, acho tão importante alimentar um chines quanto um brasileiro, um americano ou um belga. Vá no site do MDA e veja o programa Mais Alimentos, o foco dele é justamente na compra de tratores para pequenos produtores, com juros de 2% ao ano, carencia de 3 anos e prazo de 10 anos de pagamento, além de descontos de 20% no preço do produto. Ontem eu tinha escrito um texto longo sobre isso mas deu pau no computador. Querer que só haja pequeno produtor é querer que uma bandinha de garagem nunca atinja o grande público. Voce quer proibir o agronegócio de existir? O grande produtor, que paga direitinho seus empregados e seus impostos, é algum espécie de pária? Então fechem as fábricas de sapatos, prendam as celebridades, condenem os ancoras de tv. Entenda de uma vez por todas. O agricultor, pequeno ou grande, não é o inimigo. É mesquinharia gostar só do pequeno. O agricultor também tem direito de conhecer a Europa, e para isso tem que produzir mais, tem que ser grande. O etanol é o combustível verde, que não polui e que constitui, no momento, a alternativa mais viavel ao petroleo, e poderá ser produzido por países pobres.

é disse...

Provocada por esta discussão estou abrindo uma série de coisas que acho que se relacionam e vc está fazendo questão de dizer que não:
http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/07/novamente-em-discusso-meio-ambiente.html
http://historiaemprojetos.blogspot.com/2008/07/novamente-em-discusso-meio-ambiente_11.html
abraços
PS. A série só começou.

Unknown disse...

Boa crônica.
Excesso de ingênuo romantismo nacionalista, um quê de sensacionalismo e uma tentativa estilística à la Jabor; mas sem isso, pra onde iria a graça de sentar e escrever o que tá escrito em qualquer jornal por aí?
Mas ainda assim, uma boa crônica.

Anônimo disse...

Caro Miguel do Rosário, tudo o que é muito sobra. A meu ver, o problema do agronegócio, que não se confunde com pequenos e médios produtores rurais, é a insustentabilidade do ponto de vista ambiental e a concentração de renda. São grandes corporações que ganham com isso. Produzir milhões de toneladas de soja pra alimentar animais, que irão alimentar uma pequena parcela da população mundial (gostaria de uma estatística precisa a respeito, mas vi num documentário que apenas 10% da população mundial têm acesso à carne), não me parece inteligente. Acredito no Lula, mas acho que ele se deslumbra sim com o volume de exportações gerado pelo agronegócio e com o papel do Brasil como celeiro do mundo. A maria fro fez colocações bem interessantes. Na verdade, acho que a discussão que ninguém quer enfrentar é sobre a sustentabilidade do modelo de desenvolvimento adotado, do crescimento infinito. A crise do petróleo é só um primeiro indicador. Um abraço.

Miguel do Rosário disse...

Gustavo,

produzir milhões de toneladas para "alimentar pequena parcela da população mundial"? Pequena parcela? Só 10% come carne? Então justamente por isso que a soja é tão necessária, para que mais gente coma carne. E não, Gustavo, a soja brasileira não vai para "pequena parcela". Os diamantes da Africa talvez sim. A soja brasileira alimenta bilhões de pessoas. Não é pequena parte. Concentração de renda no agronegócio? Há concentração de renda em serviços, indústria, entretenimento. A concentração na agricultura até que não é tão grande. É maior na soja e na cana. Nos outros produtos, há uma boa distribuição de renda, terra e recursos. Abraço

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