30 de setembro de 2008

Reflexões ecléticas pra começar bem a primavera

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(Luis Felipe Noe, Introdução à esperança, 1963)

Hoje é um dia de muitas notícias e pensamentos. Meu espírito se divide entre escrever sobre cinema brasileiro ou sobre a crise financeira mundial. Sei que a crise é grave, mas é que não tenho um centavo aplicado em bolsa - ao contrário, experimento até uma alegria mesquinha porque até pouco tempo sentia-me idiota por não ter, quando podia, comprado alguma ação da Petrobras e agora posso me achar esperto novamente. Comecemos pela economia. Falo de cinema lá no final.

Tenho a impressão que o momento agora é de comprar. Estamos na baixa, o capital estrangeiro fugiu para seus países de origem, assim como pessoas mimadas que gritam mamãe quando enfrentam qualquer problema mais grave. É hora do brasileiro aproveitar e comprar barato o que seguramente será valorizado no futuro.

Além do mais, o dinheiro não desaparece. Apenas muda de mãos. Se os especuladores estão perdendo dinheiro, isso é otimo para os trabalhadores. Talvez não no curto prazo, por causa da confusão causada à economia, mas no médio e longo prazo certamente as atividades econômicas não especulativas serão beneficiadas com o estouro da bolha artificial do mercado financeiro. Lembrem-se que a industrialização brasileira apenas acelerou-se a partir de 1929, após o crash da bolsa de Nova York. E os próprios EUA, depois da Grande Depressão, encontrou uma harmonia melhor entre Estado e capital, obtida com a eleição daquele que talvez tenha sido o melhor presidente norte-americano de todos os tempos, Roosevelt, eleito quatro vezes sucessivas(morreu no início do quarto mandato), que não só tirou a economia americana do buraco como consolidou a nação como grande super-potência global. Vencer Hitler, Mussolini e os nazistas japoneses é um detalhe nada desprezível.

Graças a Deus o Congresso americano não deu mais um cheque em branco ao Bush, desta vez no valor de US$ 700 bilhões. Que se danem os bancos, seguradoras, as bolsas! Que vão todos à falência. Sou a favor de um Estado forte e regulador, mas nunca de um Estado paternalista. E o que é pior: paternalista de banqueiros! Aí é demais. Hoje li os três: Globo, Estadão e Folha. No Estadão tem um artigo do Marco Macial lembrando, com orgulho, do Proer. Tolinho, esse Maciel. Eu estava atrás desses dados há tempos, e o próprio ex-vice-presidente de FHC os entrega de bandeja. Lembram-se do Proer? Alguns anos após o plano Real, implantado em 1994, o sistema financeiro nacional começou a entrar em colapso. Então, a equipe econômica neoliberal tucana resolveu ajudar os pobres banqueiros, e compraram papéis podres (o que significa que deram dinheiro, de graça, para os bancos em crise) no valor de R$ 20,4 bilhões (total gasto com o programa, que durou até meados de 1997), em valores da época, que correspondiam a 2,7% do PIB brasileiro. Em valores atualizados, considerando o PIB de 2007 de R$ 2,7 trilhões, o Proer custou ao bolso dos brasileiros a bagatela de R$ 69,66 bilhões. Lembrando: o Bolsa Familia, tão criticado nos primeiros anos do governo Lula pela oposição e maior parte dos colunistas, custou, em QUATRO ANOS, de 2003 a 2006, um total de R$ 24 bilhões, ou média de 0,45% do PIB. Ou seja, para a direita o Estado foi criado para salvar banqueiro de apuros, mas nunca para ajudar uma família pobre a se alimentar decentemente.

É a mesma coisa com esse pacote de Bush. Ele equivale a mais que o dobro do PIB da África, de toda a África. O dinheiro, se fosse usado para livrar a África da miséria, poderia transformar o grande continente negro num grande mercado consumidor de produtos americanos. Mas Bush prefere comprar papéis podres de bancos falidos e gastar dinheiro mandando mísseis de 3 milhões de dólares sobre cabanas de palha no Afeganistão.

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Editorial do jornal O Globo, há poucos dias, afirmou que o governo brasileiro errou ao não engolir a ALCA, a aliança comercial que os EUA queriam nos empurrar goela abaixo. Esses editorialistas do Globo são burros ou malucos. Não é a tôa que o Globo, uma das maiores empresas do país, tem dívida superior a US$ 1 bilhão e torce para o Serra ganhar para poder dar o cano no governo, principal credor. E tem a cara de pau de afirmar que o comércio exterior brasileiro não vai muito bem. A balança comercial brasileira tem batido recordes sucessivos nos últimos anos - e com a moeda valorizando, o que é ainda mais impressionante! Miriam Leitão, desde que o Real começou a ganhar impulso, roga praga contra as exportações - e quebra a cara toda vez que os números da Secretaria de Comércio Exterior são publicados. Recorde em cima de recorde. O superávit comercial hoje caiu não porque as exportações caíram, mas porque as importações cresceram muito. Isso é ótimo. Ficar contra a importação e torcer por superávits estratosféricos é outra mania de pobre, quer dizer, de rico burro com espírito (ele sim) terceiro-mundista. Um país em desenvolvimento tem que importar muito também. A gente também quer beber vinho italiano e uísque escocês. Mas o mais legal é que a maior parte das importações brasileiras não é composta de artigos de consumo, mas de máquinas, bens de capital e produtos de informática, que revelam o investimento de nossas indústrias na ampliação de suas instalações. A ignorância (ou má fé) do Globo chega ao cúmulo de acusar o governo de realizar uma política externa "ideológica", beneficiando o chamado "terceiro-mundo", em detrimento das economias tradicionais. É demais. Quem é terceiro-mundista e ideológico é a nossa imprensa. Os caras não se dão ao trabalho nem de pesquisar na internet. Pois bem, eu o fiz. Pesquisei e editei os dados fornecidos gratuitamente pela Secretaria de Comércio Exterior, através do Sistema Alice, a qualquer interessado. Aliás, às vítimas de complexo de vira-lata, que consideram tudo que fazemos inferior ao realizado no estrangeiro, afirmo que o nosso sistema estatístico on-line é o mais moderno do mundo. Como jornalista, acompanho os sistemas do mundo inteiro e não existe nada que se compare ao brasileiro.

A tabela que publico abaixo traz as exportações brasileiras para os principais grupos geopolíticos do mundo. Confiram: o principal grupo comprador de nossos produtos é o de "Países em desenvolvimento" e a América Latina e Caribe compram mais produtos brasileiros que os Estados Unidos e a União Européia. Mais que isso, América Latina e países em desenvolvimento pagam mais pelos produtos brasileiros, pois adquirem muitos artigos manufaturados, enquanto as nações ricas, que têm seus mercados fechados para produtos industrializados, importam preferencialmente matérias-primas de baixo valor agregado, como minério de ferro, café em grão verde e soja crua. Vamos aos números. Nos últimos 12 meses, setembro de 2007 a agosto de 2008, o Brasil exportou US$ 189,5 bilhões, o que representou um aumento de 174% sobre o valor exportado há seis anos, 2002/03, no mesmo período. O grupo composto por América Latina e Caribe importou US$ 48,64 bilhões, ou 25,7% do total das exportações brasileiras, e pagou uma média de US$ 1.165 a tonelada. Enquanto isso, a União Européia, integrada por 27 países, importou US$ 46,53 bilhões, ou 24,6% do total, e pagou US$ 342 por tonelada, com aumento de 165% do valor registrado há seis anos. Os EUA, por sua vez, importaram US$ 27,35 bilhões em 2007/08, aumento de 63% em seis anos, e pagaram US$ 908 por tonelada, em média.

Ou seja, não tem nada de ideológico! Os países "morenos" compram mais e pagam melhor! Que espécie de capitalismo é esse, defendido por nossa direita escalafobética, que não gosta de ganhar dinheiro! Que torce contra o crescimento econômico! Que combate programas de ajuda aos pobres e defendem grana grátis para banqueiros falidos! Clique na tabela para ampliar.






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Tenho um mapa-múndi colado na parede do corredor do meu apartamento. É um mapa antigo, da década de 70, do tempo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). De vez em quando, no caminho da cozinha para o quarto e vice-versa, ou enquanto tomo um café e como um sanduíche de mortadela, em pé, paro diante do mapa e observo os continentes, os oceanos, todo esse mundão desconhecido, enorme. Hoje fiquei olhando bem para os EUA e lembrei de uma observação que estou para fazer aqui no blog há tempos. Já ouvi e li pessoas se questionarem porque os EUA alcançaram um nível de desenvolvimento tão avançado e o Brasil ficou tão para trás. Em geral, os comentários em torno do tema são sempre em detrimento do colonizador português e da personalidade do brasileiro. Analisa-se, todavia, superficialmente, às vezes com evidente preconceito ou complexo de inferioridade. Claro que alguma parte da culpa cabe aos brasileiros, mas há fatores naturais e históricos que constituiram obstáculos medonhos à nossa evolução, e, comparativamente os Estados Unidos experimentaram facilidades que nunca tivemos por aqui. Por exemplo, nada mais equivocado que a declaração do escrivão Pero Vaz de Caminha, de que aqui em se plantando tudo dá. Hoje, tudo bem, com os fertilizantes e as novas técnicas, mas no início da colonização, o solo brasileiro era muito refratário à agricultura tradicional, em virtude da quantidade de pragas e doenças que as plantas estavam sujeitas. O solo brasileiro é extremamente pobre de nutrientes e a Mata Atlântica, que se estendia por todo o litoral, era um cipoal quase intransponível de árvores espinhentas, animais ferozes, insetos e índios agressivos. Enquanto isso, a paisagem natural norte-americana, na parte colonizada pela Inglaterra, apresentava condições ideais para o cultivo das mesmas variedades agrícolas existentes na Europa, proporcionando aos EUA, desde o início, a oportunidade de fornecer matérias-primas para o Velho e Rico Mundo.

Os EUA são inteiramente cortados por grandes rios, muitos deles navegáveis, e possuem acesso aos dois oceanos, Atlântico e Pacífico. A topografia norte-americana, onde predomina a planície suave, reforçou a facilidade para se criar um grande sistema nacional de transporte, com trens, navegação de cabotagem e acesso aos principais mercados internacionais, para Europa de um lado e Ásia de outro.

Por fim, o sistema de colonização nos EUA distinguiu-se diametralmente do ocorrido no Brasil. Para lá dirigiram-se, basicamente, colonos expulsos da Europa por falta de terras e opressão religiosa. As terras americanas nunca foram divididas em nababescas capitanias hereditárias doadas aos amigos do rei. A criação dos EUA realizou-se, desde os primórdios, através da ocupação soberana e livre do território nacional por colonos pobres e trabalhadores.

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Assisti o debate entre Obama e McCain, realizado na quinta-feira passada. Obama passou o sabão no velho, em todos os assuntos. A estratégia republicana assemelha-se muito à usada por conservadores brasileiros, de defender o Estado mínimo, redução de impostos e menos intervençaõ estatal. Até aí tudo bem, não fosse a colossal hipocrisia, já que os conservadores, assim que assumem o poder, fazem exatamente o contrário: tanto Bush como FHC aumentaram violentamente os impostos, ampliaram vergonhosamente a dívida pública (e portanto os gastos fiscais) e fizeram as intervenções mais pesadas na economia doméstica.

A rejeição do Congresso americano ao pacote proposto pelo governo Bush salvou o povo americano do maior estelionato financeiro de todos os tempos. Usar dinheiro do contribuinte, sobretudo das famílias de classe média americanas, para socializar o prejuízo de banqueiros e especuladores de bolsa é um acinte aos fundamentos econômicos da livre concorrência e um golpe ultrajante contra o que restava de justiça social nos EUA. Depois de destruir e empobrecer outros países, a direita plutocrata estadunidense encerra seus oito anos de gestão mordendo os bolsos e o futuro do cidadão de seu próprio país.

Fosse aprovado o plano de Bush, o próximo presidente norte-americano, quiçá Obama, experimentaria severas restrições financeiras. Mas a história tem suas leis, e os grandes movimentos históricos obedecem a uma justiça inexorável e fatal. A intervenção dos governos ocidentais nos mercados de capital, estatizando empresas falidas, comprando centenas de bilhões em papéis podres, representa, acima de tudo, uma desmoralização ideológica devastadora. Os republicanos perceberam isso, e não foi por outra razão que quase se recusaram a aceitar a proposta feita pelo presidente de seu próprio partido. Li notícias de que milhões de americanos estariam abarrotando as caixas de email e correio desses políticos protestando contra esse trilionário trem da alegria. Os jornais dizem que mais da metade dos americanos são contra a ajuda financeira; boa parte não sabe o que pensar e apenas uma minoria a aprova.

Essa crise finaceira desnuda a face mafiosa, cínica e hipócrita do neoliberalismo. Prometem reduzir impostos e os aumentam. Prometem Estado Mínimo, mas criam um monstro sem cabeça, endividado, ineficiente e corrompido. Aqui vivemos bem isso. Os jornais reclamam que o governo Lula contratou milhares de funcionários, mas não diz que o sistema de terceirização representa gastos similares ou superiores ao com funcionalismo contratado e concursado, com o agravante de dar milhões de reais em dinheiro público para donos de empresa e salários indignos para os trabalhadores que realizam sua tarefa em condições inseguras e precárias.

Imagine um hospital público. A ideologia neoliberal prevê a contratação de uma firma que forneça médicos e funcionários, ou seja a famosa terceirização. O gasto do governo é de R$ 100 milhões por mês, por exemplo. Esse dinheiro vai para a conta do dono da firma contratada, que paga sub-salários para empregados que, por sua vez, trabalham insatisfeitos e, portanto, apresentam rendimento inferior. Com o mesmo dinheiro, o governo pode contratar diretamente funcionários, pagando melhores salários e dando condições trabalhistas mais estáveis.

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Cinema, enfim! Assisti vários filmes nos últimos dias. A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele; a Erva do Rato, de Julio Bressane; o curta Trópico das Cabras, de Fernando Coimbra; e Juventude, de Domingos de Oliveira.

Vamos lá, aos poucos. A Festa da menina é exagerado e pomposo, mas ousado, perturbador e grave. Projeta os holofotes nacionais sobre as vísceras da civilização amazônica. A performance de Daniel Oliveira, no papel principal, o santinho, é simplesmente brilhante. O filme tem cenas bastante cansativas, todavia, e mostra aquele tesão irritante e mórbido em relação à pobreza rural, cuja tensão estética e suposta subversão política me parecem já um tanto esgostadas. Já tá virando uma atitude farisaica. É muito interessante filmar os pobres, a miséria, o Brasil profundo. Mas é preciso dar-lhes densidade existencial, como fazia Faulkner e Joseph Conrad, na literatura, e Visconti e Glauber, no cinema. Os personagens de Faulkner são analfabetos ou quase, trabalhando em minas, em fazendas, em prostíbulos, mas possuem profundidade metafísica e o que lhes falta em cultura, sobra-lhes em intuição e sentimento. A mesma coisa vale para os marujos grosseiros de Joseph Conrad, com sua lealdade, abnegação, coragem e um férreo e invencível instinto de sobrevivência, que lhes permite enfrentar furacões, fome, naufrágios e ataques piratas. Não vale filmar um bando de cafusos, mostrando-lhes, em close, a pele morena suada, os buraquinhos de espinha, os dentes estragados. Mostrar a sociedade brasileira como bando de tarados cachaceiros, como fez Matheus, na esteira da escola Claudio Assis, com seu Baixio das Bestas, não é revolucionário, apenas um demagogismo maneirista, um esteticismo histérico feito para agradar europeus - mas estes começam a perceber que seus complexos de culpa estão sendo explorados e já não reagem com tanto entusiasmo a esse desfile de miseráveis. Até porque, com seu PIB ultrapassando o PIB italiano, e encostando em França e Inglaterra, começa a ficar hipócrita o Brasil insistir nesse chororô de favelado.


A Erva do Rato, de Julio Bressane, é um curioso e estranho ensaio fotográfico. Walter Carvalho, diretor de fotografia, e seu filho Lula, câmera, realizaram uma parceria antológica nesse longa-metragem. É um filme experimental, criativo e bizarro, mas chato. Sou cinéfilo, sou um intelectual sem culpa de ser intelectual, gosto de filmes e livros cabeça, mas não gosto de filme ou livro chatos. Não precisa ser cheio de ação, tiros e rock and roll. Não é só isso. O filme de Bressane também é bobo. A parte do esqueleto é boba. Não importa se é baseada em conto de Machado de Assis. Na tela ficou bobo. Mas a fotografia é magnífica.

O filme de Domingos de Oliveira, o mais simples e despretensioso de todos os citados, é de longe o mais profundo, inteligente, belo e divertido. Inteiramente digital, com uma estrutura absolutamente simples, o filme realiza uma meditação ficcional sobre a velhice, mas com bom-humor e inteligência insuperáveis. Domingos de Oliveira, Paulo José e Aderbal Freire Filho, o elenco central, encontram-se na casa do rico Antônio (Paulo José) para lembrar dos velhos tempos. Domingos de Oliveira, em voz off, introduz as cenas iniciais e fala sobre seus sonhos de juventude. Como acreditou na arte, na ciência, no marxismo, na revolução, no amor, nos grandes ideiais. Como eles (tirando o amor), foram caindo, como os sonhos foram morrendo. Mas ele não se arrepende: "é preciso ter ideais", argumenta, "nem que seja para perdê-los". Aí lembrei dos versos de Wally Salomão, repetidos no documentário Pan-Cinema Permanente: "chega dessa história de que o sonho acabou / a vida é sonho / a vida é sonho / a vida é sonho / a vida é sonho". O poeta repete muitas vezes o verso: "a vida é sonho", e a repetição é como uma atitude que responde ao desencanto senil dos que anunciam o fim dos sonhos e das ideologias, que não entendem que a sua morte é sempre necessária para o nascimento de outros sonhos e outras ideologias, mais fortes e mais modernos. Como diziam os velhos anarquistas: "a única luta que se perde é a que se abandona!".

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O curta Trópico das Cabras é do caralho. Sem mais comentários.

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Permitam-me encerrar esse longo post convidando-os a assinar a minha revista Manuskripto, uma publicação impressa, mensal, enviada por correio para todo Brasil. A assinatura anual custa R$ 48 (R$ 4 por edição), incluindo a taxa de envio. Para assinar, confira aí na coluna da direita. Atualmente, estou vivendo dessas assinaturas, e de freelas. Nunca me senti tão livre e forte, mas preciso continuar vendendo essas assinaturas. A revista deve melhorar a cada edição e quem assinar também faz um investimento, porque tenho (ou quero ter) a presunção de que esse material, por ser raro, poderá ter alto valor no futuro, para colecionadores.

27 de setembro de 2008

Comédia brilhante dos Cohen & Saudades de Wally

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Ontem tive o privilégio de assistir dois filmes excepcionais. O primeiro foi o novo filme dos irmãos Cohen, Queime depois de ler, uma comédia absurda e inteligente, com George Clooney, Brad Pitt e John Malkovich. Numa de suas perfomances mais brilhantes, Malkovich faz um funcionário de terceiro escalão da CIA que se demite depois de ser criticado por um superior. A cena do diálogo entre Malkovich e seus superiores pode ser classificada como uma das mais engraçadas - mas com um humor dramático, sagaz e não o engraçadinho reles típico de tantas xaropadas holliwoodianas - do cinema contemporâneo. Malkovich entra na sala, senta-se e escuta seu chefe lhe dizer que está retirando uma de suas missões. Ele abaixa a cabeça, faz uns trejeitos, mexe os braços, massageia as têmporas, movimentos que, por si só, expressam maravilhosamente seu nervosismo. Na sala, há outros dois funcionários. Malkovich reage agressivamente: "que porra está acontecendo aqui?", pergunta ao chefe. O cara ao lado diz que ele tem "problemas com a bebida". "You have drinking problems". Osbourne Cox (nome do personagem) fica estupefato com a acusação e rebate para o sujeito que a disse que ele é mórmon, para ele, portanto, todo mundo tem problema de bebida. As caras e bocas de Malkovich, seu gestual, sua voz, constrõem um personagem magnífico, autêntico, simultaneamente frágil e violento.

E tem o George Clooney, incorporando um personagem rústico, depravado e confuso. A cena em que ele surta no parque, achando que todos à sua volta estão lhe vigiando é de chorar de rir.

E a trama? É um enredo totalmente mirabolante e inverossímil. A esposa do espião demissionário, a aristocrática Tinda Swinton, tem um caso com George Clooney e quer se divorciar. Aconselhada por seu advogado, rouba informações confidenciais do computador do marido e grava num CD. A secretária do advogado perde o CD na academia, e Brad Pitt, que faz um indefectível personal trainer, o encontra e, vendo que se trata de um CD com informações de um espião da CIA, pensa que se trata de informação valiosa, secreta. Junto com uma outra funcionária da academia, que anda desesperada para arrumar dinheiro para uma série de intervenções estéticas em seu corpo, resolvem chantagear Cox. Mas Cox se recusa a pagar qualquer coisa - e os dois chantagistas apelam para o plano B: vender o CD para os russos!

Não conto mais, apenas adianto que a trama absurda se complica e tem desfechos imprevisíveis. Mesmo sendo uma comédia leve, despretensiosa, o filme aponta caminhos importantes para o cinema americano, em virtude do primoroso desempenho dos atores e pelo incrível e hilário e original roteiro.

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Mais tarde, assistimos ao documentário Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader, sobre o poeta Wally Salomão. O filme foi precedido pelo curta Tira os Óculos e Recolhe o Homem, um trabalho bastante despojado e original de André Sampaio, que baseou-se numa história contada por Jards Macalé (estrela principal do curta) envolvendo ele mesmo e o grande sambista Moreira da Silva. O filme mistura desenho, caricatura, entrevista, musical, western e documentário ficcional. De início, pode-se pensar que se trata de mais um filme de galerinha, experimental e um pouco irresponsável, mas a história se desenvolve, entram novos elementos e o espectador se vê seduzido pela voluptuosidade e ritmo das cenas.

E começou o filme do Wally Salomão, com uma entrevista inusitada para um jornalista sírio, feita em árabe e inglês. A simplicidade educada e serena do repórter serve como excelente contraste para a energia explosiva, a espontaneidade, a paixão do poeta baiano.

Deu saudade de Wally. O filme mostra que a maluquice do poeta era pura inteligência, subversão, uma busca consciente da inocência, poesia e liberdade originais. Era um ser humano excepcional, dotado de uma generosidade absoluta, um espírito de total entrega à arte e ao homem. O documentário de Carlos Nader é criativo e movimentado, como o próprio Wally. A maior impressão que fica, após assistir ao filme, é da perda irreparável de Wally, morto precocemente em 2003, de câncer. Morreu no auge, após ganhar um prêmio Jabuti em 1997 e ser contratado por Gil como assessor do Ministério da Cultura, em 2003. Deu realmente muita saudade de Wally, essa figura tão próxima de todos, tão humana, tão simples, tão comunicativo e genial. Temos a sensação de que conhecemos centenas de Wallys Salomão, e que a sua morte não foi a morte de um homem só, mas uma morte de centenas, de milhares. Parabéns por Nader pelo resgate dessa figura inesquecível, insubstituível, esse guerreiro da subversão poética, esse defensor do homem enquanto animal que aspira a liberdade.

26 de setembro de 2008

Rio Mon Amour (pout pourri de assuntos)

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Eu ia publicar uma foto do Flavio Shiró ou uma de suas pinturas. Mas andei recolhendo fotografias de atrizes belas e charmosas e... é mais forte que eu. Angeline Jolie é pura arte. Quem quiser conhecer o rosto do Shiró e suas obras, clica no link acima. Hoje quero falar de arte. Estão ocorrendo duas grandes exposições que me chamaram a atenção. Uma é a do citado Shiró, em São Paulo, no Instituto Tomie Otahke. O artista, nascido no Japão, veio para o Brasil aos 4 anos e tornou-se, na minha opinião, num dos principais artistas plásticos do país. A obra de Shiró transita brilhantemente entre o figurativo e o abstrato, criando seres bizarros e constrastes estranhíssimos. Shiró poderia ser classificado entre os chamados expressionistas abstratos, mas sua originalidade perturbadora, seu quase "terrorismo" pictórico, coloca-o num lugar à arte, isolado e livre. O abstratismo de Shiró não é tão abstrato assim, porque o medo, a volúpia e a liberdade que transpiram de seus quadros possuem uma densidade que parece mais concreta que a própria realidade. Por isso, eu queria muito assistir essa exposição dele em São Paulo, que vai até o dia 5 de outubro. Queria sobretudo que ela viesse ao Rio de Janeiro. O Rio merecia essa exposição, até porque é aqui que Shiró pintou grande parte de sua obra. É aqui, no Catete (bairro onde me encontro nesse exato momento, usando o wifi de um café), que fica seu ateliê no Brasil. Ia dizendo: queria muito mesmo ir a essa exposição, queria ir diversas vezes. Queria mergulhar no mundo sombrio e louco de Shiró, queria ficar um tempão olhando seus quadros, até me iludir de que haveria mais realidade ali, naqueles seres bizarros, naqueles contrastes estranhos, do que nas ruas engarrafadas e barulhentas do centro da cidade. A exposição tem curadoria de Paulo Herkenhoff, que por acaso é irmão do artista Augusto Herkenhoff, por acaso nosso amigo. E por acaso os dois são sósias do Mário de Andrade - tanto que não consigo chamar Augusto de Augusto, só consigo chamá-lo de Mário.

Outra reclamação que gostaria de fazer aos donos das verbas culturais é sobre a possibilidade de outra importante exposição, de Jorge Guinle, não vir ao Rio de Janeiro. Se tal não ocorrer, será uma injustiça irreparável, afinal Guinle é o artista mais carioca da história da arte brasileira. Seus quadros tem um tropicalismo cosmopolita totalmente carioca, um expressionismo irreverente e alegre. O Rio merece receber essa exposição do Guinle!

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Hoje - até o momento - li apenas o Estadão, e anotei algumas observações que gostaria de fazer aqui.

Número 1. É infantil o que eles fazem com o Mangabeira Unger. Qualquer matéria envolvendo seu nome traz sempre o seguinte aposto: "Mangabeira Unger, que uma vez afirmou que o governo Lula era o mais corrupto da história". Outro dia li uma matéria que trazia a informação duas vezes, no mesmo parágrafo! Se fossem honestos, podiam agregar a explicação que Unger já deu várias vezes sobre o motivo de ter feito um julgamento tão leviano e apressado: estava no estrangeiro e apenas lia os jornais de São Paulo!

Número 2. O Estadão traz um editorial intitulado: "Está na hora de perder a paciência", no qual tenta pressionar o governo Lula a agir com dureza contra o Equador, por conta dos problemas enfrentados lá pela empresa brasileira Odebrecht. Ora, pintar a Odebrecht como coitadinha é ridículo. É uma das empresas que mais cresceu sob o governo Lula, tanto por conta do aumento dos investimentos privados como das grandes obras públicas que o governo vem realizando. A Odebrecth sabe se virar sozinha e o governo não tem que fazer guerra contra o Equador por conta dos erros da empresa naquele país. O mais absurdo, no entanto, é a miopia do Estadão e de seus missivistas otários. Falam que Lula não estaria contemplando os interesses nacionais com sua atitude "paternalista" para com Equador, Bolívia, Paraguai, entre outros hermanos. Ora, o jornal se dispusesse a estudar as estatísticas de comércio exterior, veria que a postura "gentil" e "generosa" de Lula colaborou para que as exportações brasileiras para os países da América do Sul registrassem um salto impressionante. Eu me pergunto: o que são os interesses brasileiros, segundo o Estadão? É do interesse brasileiro criar atritos diplomáticos com países que oferecem um potencial tão grande como parceiros comerciais? Por que o Estadão e seus missivistas otários estão sempre querendo que o Brasil faça guerra contra nossos instáveis e frágeis hermanos, e ao mesmo tempo instam constantemente para que o país se curve aos interesses norte-americanos, como foi o caso da campanha babaca que fizeram para o Brasil entrar na Alca? Aliás, que lembrança boa a minha: Alca. Lembram da Alca? FHC e mídia fizeram uma campanha maciça para o Brasil entrar na Alca. Diante da atual crise americana, vocês podem imaginar que maravilha seria se o Brasil estivesse umbilical e servilmente ligado aos EUA como eles queriam? Estaríamos, com perdão da palavra, literalmente fodidos.

Para ilustrar e comprovar essas observações, pesquisei e editei duas tabelas com números referentes às exportações brasileiras para a América do Sul. A importância dos países sul-americanos para o Brasil é ressaltada pelo fato de que esses países importam sobretudo produtos manufaturados, com alto valor agregado, à diferença de EUA, China, Europa e Japão, que adquirem sobretudo matérias-primas, que tem baixo valor agregado. O grupo de produtos brasileiros mais exportado para a América do Sul é de auto-peças, seguido de reatores nucleares e máquinas. As exportações brasileiras para o Equador - para pegar o país envolvido no imbróglio atual - cresceram 534% nos últimos oito anos, em valor! Repetindo: 534%! E o Estadão e seu séquito de missivistas parvos ainda dizem que Lula contraria os interesses nacionais quando "trata bem" os países vizinhos. Usei os seguintes períodos: os últimos 12 meses (setembro de 2007 a agosto deste ano) e o mesmo intervalo de 1999 a 2000. A razão foi comparar o segundo ano do segundo governo FHC com o segundo ano do segundo governo de Lula.

Confira as tabelas (clique nelas para ampliar):









3. Uma terceira observação que anotei após minha leitura do Estadão foi sobre a posição pusilânime e imbecil de Fernando Henrique Cardoso (de novo) em debate realizado pelo jornal sobre o que fazer com os recursos do pré-sal. FHC afirmou que não se deve debater sobre aquilo que ainda não existe. Ora, os prognósticos são de que a produção do pré-sal estará fluindo a partir de 2010 a 2012. Se fosse um negócio para daqui a 20 anos... mas é para daqui a 2 anos! Claro que não é cedo discutir o que fazer com esse petróleo! Estamos em cima da hora. Fico perplexo com a estupidez de FHC. O diretor da Associação de Geólogos do Brasil afirmou que as reservas do pré-sal devem ficar próximas de 55 bilhões de barris, os quais, somados aos 20 bilhões de barris do pós-sal, colocarão o Brasil no grupo das sete maiores reservas do mundo. É muito petróleo, é muito dinheiro, então é lógico que é importante discutir, desde já, o que fazer. Outra notícia pertintente: os geólogos estimam que os campos de gás da Bacia de Campos têm mais de 850 bilhões de metros cúbicos de gás, o que seria superior à reserva da Bolívia, o que nos deixará, portanto, livres daquela matriz tão instável... e liberará o gás boliviano para a Argentina, que precisa mais do que a gente, porque não tem encontrado tanto petróleo e tem o problema do frio intenso.

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Eu disse que ia falar de cinema. Esperem um pouco. O Festival do Rio começa hoje. Mas quero falar de um filme que assisti esta semana: Que viva México! do grande Eisenstein. É um filme incompleto. Eisenstein não conseguiu terminá-lo, por falta de verba. O filme foi feito no México com uma equipe de apenas 3 pessoas! O russo contou com a ajuda intelectual de gigantes mexicanos como Diogo Rivera, Orozco e Siqueros, representantes de uma época em que o gênio da arte flertava com o gênio da revolução. Entretanto, mesmo incompleto, trata-se de uma obra-prima magnífica. As cenas são tão bonitas que parecem canções visuais. Esse filme influenciou fortemente a obra de Glauber Rocha. Há cenas que se parecem muito com partes de Deus e Diabo na Terra do Sol. Glauber admitia essa influência.


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Ontem rolou a festa de abertura do Festival do Rio. Eu não fui. Fiquei na Lapa, nos bares de de sempre. Com os amigos de sempre. E foi ótimo. Sinto-me como um Emile Zola: convivo apenas com artistas plásticos, quase não falo com outros escritores. Aliás um dia eu conto pra vocês a história da amizade entre Emile Zola e Cezanne. Meu consultor de artes, o Juliano Guilherme, me dizia ontem que o maneirismo está de volta às artes plásticas. Na história da arte, o maneirismo sempre aparece após épocas de crise profunda. O manerismo seria uma espécie de virtuosismo ou tecnicismo. Os artistas maneiristas dominam determinadas fórmulas e técnicas e permanecem nelas. O Juliano explicava que há maneiristas brilhantes no Brasil. Há, por exemplo (aí sou eu que digo), a Beatriz Milhazes, que acaba de vender um quadro por mais de 1 milhão de dólares em Londres, com seus lindos e enfadonhos arranjos florais. Ela é boa no que faz. Mas é sempre aquilo. As mesmas florzinhas de sempre. O problema do maneirismo é seu cinismo e frieza, que empobrecem sua densidade estética. Arte, para mim, precisa ser autêntica e apaixonada. É uma concepção pessoal, um tanto simplória. Sei que há outras concepções mais sofisticadas. Mas, neste caso, prefiro meu pão com manteiga do que me intoxicar com lagostas fora do prazo de validade. Há sempre algo de melancólico, falso e oportunista no maneirismo.

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Descobri um lance manero. Há um projeto no Rio de shows de blues ao vivo, grátis, no centro da cidade. Amanhã, 27, vai rolar mais uma edição, a partir das 20:00 até tarde da noite, na Avenida Rio Branco 311, Cinelândia, perto do Consulado Americano. Mais informações nesse blog.

24 de setembro de 2008

Fome de informação

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A Folha já virou um caso psicanalítico. Hoje, o colunista Fernando Rodrigues, que ocupa a página principal de opinião do jornal, vem com essas duas pérolas:

"A fala lulista incluiu a já conhecida ladainha sobre reforma do Conselho de Segurança e combate à fome. O brasileiro também esteve prestes a classificar o capitalismo brasileiro como melhor do que o norte-americano -usando o discurso juvenil segundo o qual tudo se resolve com política."

"Lula discursou ontem na ONU. A relevância dessa cerimônia é nula. Exceto para os acólitos e familiares presenteados com um passeio por Nova York."

A capacidade em reunir disparates em tão poucas frases merece aplausos. Existem 1 bilhão de pessoas sofrendo fome aguda no mundo e o cara acha que o tema é uma "ladainha". "A relevância dessa cerimônia é nula", diz o peralta. Observem: trata-se de uma conferência da qual participam todos os chefes de Estado do planeta. Para Rodrigues, relevante é jantarzinho de Serra e FHC em restaurantes de luxo nos Jardins.

É uma reunião política, claro, não um workshop de negócios. De lá não saem ações concretas imediatas, mas são fechadas parcerias de longo prazo e os chefes de Estado realizam conversações em alto nível. Relevância nula? Esses almofadinhas blasé da Folha de São Paulo não tomam jeito: é uma despolitização completa.

E o Clóviss Rossi vai na mesma linha. Em sua coluna de hoje, também morde o pé do Lula, porque este teria dito, em seu discurso na ONU, que diante da crise financeira, chegou a hora da política. Rossi diz que é tarde demais e ponto final. Como de praxe, expõe seu pessimismo vazio, fútil, artificial. Se um cidadão decidir fazer uma experiência tétrica, restringir sua leitura à coluna de Clóvis Rossi, irá se suicidar em alguns dias, depois de escrever a seguinte nota: "o mundo não tem jeito, o Brasil muito menos. O Lula acabou com o mundo!"

A seção de cartas da Folha é toda dedicada a essa classe inteligentíssima de leitores que protestam contra os institutos de pesquisa, alegando que "não acreditam", "que nunca foram entrevistados" ou que "no meu prédio é todo mundo revoltado". São as eternas carpideiras do PIG, o séquito de fiéis missivistas otários.

*

Daí pensei em Josué de Castro, cujo centenário comemora-se este ano, e pensei que, fosse vivo, certamente aprovaria o conceito de "fome" de informação. Uma das teses de Castros mais inovadoras foi de que milhões de pessoas passavam fome mesmo sem sabê-lo, porque alimentavam-se mal, com deficiência de diversos nutrientes.

Numa democracia, ou melhor, na política, a informação é o nutriente principal. Veja o caso da Bolívia. Se os jornais fizessem uma reportagem mais apurada sobre os grupos de oposição a Morales, sobre as gangues de extrema-direita que se proliferam nas províncias ricas, seguramente a opinião pública teria possibilidade de se posicionar com mais segurança frente a essa grave crise que assola o país vizinho. Mas não. Preferem tratar os dois lados de forma igual: de um lado, um presidente eleito com esmagadora maioria de votos, e confirmado em recente referendo; de outro, um segmento fortemente racista, com pretensões autonomistas, que não demonstram nenhum respeito pela decisão democrática da maioria da população.

*

Tem sido sumamente divertido assistir a direita paulistana bater cabeça, espernear, gritar, chorar, e fazer cacá nas calças. O chilique de Alckmin na sabatina para a Folha de São Paulo apenas serviu para explicitar seu desespero diante de sua queda nas pesquisas e a possibilidade, cada vez mais próxima, de não ir para o segundo turno. As acusações que ele fez à Kassab tornarão extremamente difícil uma aliança futura, ajudando ainda mais as chances de Marta ganhar as eleições municipais de São Paulo.

De fato, não só os paulistanos mas todos os brasileiros se perguntam: como um partido incapaz de se unir numa eleição municipal poderá pleitear o comando federal? Imagina esses caras batendo cabeça no palácio do planalto, onde a situação é infinitamente mais complexa, pela necessidade de reunir maioria no Congresso e no Senado?

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Descobri uma excelente webrádio de blues.

*

Bem, está chegando a hora de mudar de assunto. A partir de amanhã, vou divagar um pouco sobre cinema. Já viram Down By Law, de Jim Jarmusch? O filme reúne um time de atores inusitado: Tom Waits, Jonh Lurie e Roberto Begnini. Os três são presos e páram na mesma cela. O personagem de Begnini não sabe falar inglês direito e protagoniza cenas muito engraçadas. A trilha, do Waits, é magnífica. Uma canjinha do filme e da trilha.

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Por falar em Tom Waits, aí vai um link para Jockey Full of Bourbon, uma das músicas dele que mais gosto:

http://www.youtube.com/watch?v=vFtdBEM2AnY

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Tentei achar uma razão para a foto da Asia Argento, lá em cima. Fica apenas pela beleza e talento de moça, que participou de filmes que gostei muito, sobre os quais falo depois.

23 de setembro de 2008

Sobre as viúvas da guerra fria

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Há gente perdida em dimensões ideológicas fantasmas. Enquanto discutimos política presente e futura, analisando as perspectivas do capitalismo moderno brasileiro, que mescla, como qualquer capitalismo, pitadas de socialismo, umbanda e hip hop, ouvimos seu grito esganiçado, confuso, agressivo, acusando-nos de matar trezentos milhões de chineses e prender dissidentes políticos da Coréia do Norte.

Gostaria de entender que espécie de capitalismo é esse que eles defendem tanto, onde a economia afunda, o desemprego explode e, quando o país parece ter chegado ao fundo do poço, o governo decide tungar os contribuintes em mais 1 trilhão de dólares para... ajudar bancos e seguradoras gigantes falidas!

Definitivamente, há uma grande ignorância sobre o que é democracia, capitalismo e socialismo. Acredita-se que socialismo se restringe à fórmula soviética do início do século passado, com o Estado dominando os meios de produção. Esta é uma concepção pobre e atrasada. A Europa já experimentou, nas últimas décadas, diversas formas de socialismo. Países como Noruega, Finlândia e Suécia, por exemplo, há muito tempo praticam uma espécie de socialismo onde o capital e a propriedade privada convivem harmoniosamente com o Estado e políticas de justiça social. O retrocesso político do PSDB aconteceu porque ele negou essas raízes socialistas, convertendo-se num partido direitista neo-liberal, abraçando todos os preconceitos anti-estatistas e anti-socialistas que a social democracia original buscou superar.

A grande confusão é a ideologização distorcida de bandeiras como "justiça social", "combate à pobreza" e "distribuição de renda". Por isso a direita brasileira sempre foi burra e mais retrógrada que suas congêneres estrangeiras: ela não enxergava que a distribuição de renda era condição sine qua non para desenvolvimento e consolidação do capitalismo no país. Mas a cegueira vai mais longe. Em toda a América Latina, floresceu uma direita extremista neoliberal que concebe um capitalismo abstrato, sem consumidores, e uma democracia country club, sem povo. Ou seja, é uma direita fora da realidade. Contraditória. Ao mesmo tempo em que criminaliza ideologicamente qualquer política voltada aos mais pobres, acusando-a de "estatismo", essa mesma direita sempre viveu às custas do Estado, dominando a alta burocracia estatal, os principais cargos políticos e com suas empresas dependentes de encomendas do Estado e benevolências fiscais.

A direita acusa - ou acusava até pouco tempo - o Bolsa Familia de ser um programa proto-comunista, uma esmola estatal, que incentivava as pessoas a não trabalharem. Os colunistas repetiam isso. Ninguém se dava ao trabalho de apurar as ajudas estatais existentes nos países capitalistas ricos, como EUA, Europa e Japão. São ajudas muito mais consistentes. Nos EUA, por exemplo, pátria do capitalismo liberal, milhões de americanos, nos últimos 50 anos, atravessaram fases difíceis de suas vidas recebendo seguro desemprego e pensões diversas, pagas pelo Estado. A era neo-liberal, pós Ronald Reagan, reduziu muitos desses benefícios, e o resultado foi o que estamos vendo agora. A mesquinhez neoliberal só é válida para os pobres. Na hora de emprestar aos ricos, eles são super generosos.

O debate ideológico é importante, mas não se trata aqui de resgatar o maniqueísmo capitalismo X socialismo, ou mesmo esquerda X direita. Uma das teorias que venho procurando provar há tempos é que o capitalismo não é um sistema de governo, não é um regime político, nem mesmo um regime econômico. É simplesmente uma utopia ideológica, assim como o socialismo.

Nosso regime político e econômico é a Constituição, onde está prevista a obrigação do Estado de promover o bem estar e a justiça social, regular os abusos de poder dos grupos privados, e dar educação e saúde gratuita para todos os cidadãos. Está tudo lá, no livrinho. Extremistas de direita como Olavo de Carvalho já perceberam isso, e por isso vivem à beira da histeria: para eles, vivemos num mundo socialista. Isso porque eles são utópicos, e como tal, semi-dementes. A ONU, para eles, virará uma grande organização internacional que exercerá o poder político planetário. Estão certos, mas e daí? Que outra solução eles queriam? O mundo regido pela Casa Branca? E que isso tem de comunismo, Mon Dieu? Eles vivem sob terror constante, acusando jornalistas e artistas de serem "petistas", "comunistas", "vermelhos", como outrora simpatizantes das KKK perseguiam qualquer pessoa com a pele não adequadamente branca e os nazistas fuzilavam quem tivesse uma gota de sangue judaico. Eles não percebem que isso não tem mais importância. Com a consolidação das organizações internacionais, o mundo entrou numa fase, senão de consenso, mas de harmonia ideológica. Por isso Chávez concordou em abraçar Uribe. Ainda existem tensões políticas entre os países, mas a ideologia não é mais a razão principal. Se é que algum dia foi. A própria tensão ideológica no âmbito doméstico dos países sul-americanos não é mais que a luta pelo poder entre diferentes grupos econômicos.

Veja o caso de Evo Morales. Ele decidiu usar parte do dinheiro arrecadado com a venda de gás para o pagamento de pensões para idosos. Que isso tem de comunismo? Que tem isso a ver com autoritarismo? Trata-se de uma política que poderia ser feita por qualquer político de direita, e não me venham dizer que um político de direita seria mais "democrático". Se há falta de espírito democrático na Bolívia é sobretudo nas províncias "separatistas" da Bolívia, que não apenas desrespeitam sistematicamente o presidente eleito do país, como demonstram não possuir nenhum espírito democrático. Montesquiet afirmava, com todas as letras: só ama a democracia quem ama a igualdade.

No entanto, qualquer conceito, palavra, idéia, podem ser distorcidos e interpretados tendenciosamente. "A verdade é uma nuance entre mil erros", dizia Renan. Não há verdades fáceis, mas também não há mentiras fáceis. A dificuldade de se compreender a verdade, todavia, não é uma virtude erudita, nem mesmo intelectual. Daí o meu ceticismo quanto à sagacidade conceitual e ideológica dos intelectuais. A principal ferramenta da inteligência humana é a intuição. E não se pode comprar a intuição. Pode-se comprar faculdades em Yale e Sorbonne. Pode-se comprar conhecimento de línguas. Enfim, o dinheiro pode comprar todo um código cultural de elite, mas a intuição é como o talento: é um mistério, que mistura dom, experiência, estudo, coragem e renúncia. A intuição vale para tudo. Por que não para a política? Vale para a literatura, com certeza. Vale para a música, é óbvio. E para o amor, naturalmente.

*

Enfim, termino esse artigo vendendo meu peixe. Convido os leitores a fazerem uma assinatura da revista Manuskripto. Por R$ 48,00, você receberá a revista até agosto de 2009, 12 edições no total. A edição atual (setembro) vem com uma excelente entrevista de Wanderley Guilherme dos Santos, um editorial com propostas sobre o que fazer com os recursos do pré-sal, poemas, resenhas e ilustrações interessantes. Confira a coluna da direita.

21 de setembro de 2008

O capitalismo precisa de um Estado forte

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A crise das bolsas americanas e a decisão de governo Bush de transferir mais de 700 bilhões de dólares do contribuinte para bancos e seguradoras falidas não significa o fim do capitalismo. Corresponde, isso sim, ao desmascaramento da hipocrisia neo-liberal. Os Estados Unidos, hoje, são um país com graves problemas sociais, com um sistema de saúde precário, educação em queda e com cidades sofrendo severo déficit de infra-estrutura. As enchentes que arrasaram New Orleans, os apagões elétricos em grande parte do país, e a crescente pobreza nas cidades, mostram que, se abundam recursos para salvar empresas falidas, há uma trágica escassez para fins bem mais nobres.

Afinal, o que se poderia fazer com 700 bilhões de dólares? As pesquisas científicas que estudam a cura do câncer, da aids, os tratamentos com células troncos, seriam energizadas fantasticamente e, quiçá, poderíamos ter algum resultado que mudasse o curso da história.

Na mesmo buraco negro que tragou conglomerados americanos, deveria desaparecer também a confiança arrogante das elites neocon das américas latinas nas fórmulas neo-liberais, que procuram criminalizar o Estado e glorificar o mercado.

Pois bem, agora temos novamente o Estado salvando o mercado, como já ocorreu tantas vezes na história. O que nunca se verá é o mercado salvando o Estado.

O que as pessoas precisam entender é que o regime econômico e político conhecido como capitalismo necessita de um Estado forte, não para intervir na vida das pessoas, mas para regular o funcionamento livre do mercado e assegurar a liberdade dos indivíduos.

Por muito tempo, a mídia brasileira vendeu a ideologia de que o capitalismo moderno prescindia de um Estado forte, usando como referência os Estados Unidos. Sempre foi uma falácia, porque os EUA sempre foram um Estado forte, mas sabe-se que há um neoliberalismo para o primeiro mundo e outro para o terceiro, sendo que, para o terceiro, procurava-se experimentar a versão mais radical desse neoliberalismo.

O resultado se conhece. O neoliberalismo quebrou toda a América Latina. Países que apresentavam excelentes índices de qualidade de vida, como Argentina, assistiram a um trágico retrocesso econômico e social. E todo o segundo governo FHC foi testemunha de uma terrível derrocada. Há poucos dias, os jornais publicaram o estudo do IBGE que indicava o aumento da renda média do trabalhador brasileiro, mas minimizando que não chegara ao nível de 1998. O que não se disse é que, em 1998, o desemprego e a recessão e má distribuição de renda eram muito superiores. Mas ficou claro, para quem teve olhos para ver, que a curva declinante no gráfico da renda per capita do brasileiro teve início justamente em 1998.

Também acho interessante revelar que os bons índices sociais registrados durante o primeiro mandato de FHC (1995 a 1998) devem ser confrontados com os alarmantes números macro-econômicos daqueles mesmos anos. O controle da inflação foi louvável, mas a fúria com que FHC aumentou o nosso endividamento público, sobretudo o externo, me faz questionar se aquela estabilidade não era um tanto artificial, visto que lastreada em empréstimos do FMI e outras instituições a juros escorchantes.

*

O debacle econômico do neoliberalismo é acompanhado politicamente, como não deveria deixar de acontecer. O sucesso de Barack Obama é um reflexo norte-americano de tudo que já aconteceu abaixo do Rio Grande. Até Uribe, xodó da direita latina e americana, já está aderindo à onda bolivariana, como mostra sua aproximação com Chávez e sua participação recente na reunião do Chile.

No Brasil, os candidatos de esquerda estão à frente em todo país. É um grande momento histórico. Por isso mesmo os partidos políticos devem ficar bem atentos a possíveis tentativas de golpes midiáticos.

Por outro lado, a mídia já queimou tantos cartuchos golpistas no lombo da sociedade brasileira que ficou um tanto desmoralizada. A tentativa de requentar escândalos passados ou de criar novos factóides não tem dado muito ibope. Nas ruas, o povo - que é hoje classe média, não se esqueçam - tem mais o que fazer do que esquentar a cabeça com futricas políticas. E está certo. Temos instituições suficientes para resolver muitos de nossos problemas sem que o povo precise ter enxaquecas. O caso Gilmar Mendes, por exemplo, é o típico problema que poderia ser resolvido exclusivamente no âmbito institucional. De alguma maneira, isso já está acontecendo. Ao se alinhar caninamente ao lado de Dantas e mídia, e atacar despudoradamente o Ministério Publico, juízes e policiais federais, o presidente do STF criou um campo de batalha institucional mais explícito e constrangedor do que a mídia gostaria. Há movimentações importantes no interior das instituições jurídicas e policiais para se defender dos ataques de Mendes. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, uma figura impecável porque, mesmo sem muitas provas, denunciou implacavelmente os envolvidos com o mensalão, acaba de comprar uma séria briga com Mendes ao declarar inconstitucional a medida defendida por Mendes de criar uma central de grampos no país, sob controle do Conselho Nacional de Justiça. O ataque de Mendes aos juízes que combatem o crime de lavagem de dinheiro, dizendo que eles formariam uma milícia com investigadores representa um desvirtuamento completo dos valores morais que deveriam reger a segurança pública. Os orgãos de segurança pública devem agir em harmonia, fazendo parcerias. Mendes esquece que a razão de existir de procuradores, juízes e policiais é o combate ao crime. Tendo esse objetivo em comum, é normal que haja parceria. Claro que é preciso delimitar rigidamente o papel de cada um, mas a quem interessa a desmoralização completa de todo o aparato legal que combate a lavagem de dinheiro no Brasil? O que Mendes fez para combater o crime no Brasil?

O seu papel de filósofo de direito seria mais explicável se exercesse o papel de pesquisador universitário, mas como presidente do Supremo Tribunal Federal suas palavras soam hipócritas e perniciosas.


*


Bem, no Rio de Janeiro, as coisas mudaram. Eu estava certo que o Crivella iria ganhar. Mas a vitória agora se inclina para Eduardo Paes, candidato do governador Sérgio Cabral. Gosto tanto do Paes como de leite estragado, e não tenho certeza de que ele será melhor do que Crivella. Esse Paes é um camaleão oportunista e tenho amigos que votarão no Crivella só para não colaborarem com a criação de mais um Garotinho, mais um César Maia.

Confesso a vocês que acho o processo eleitoral um momento excitante. Os programas eleitorais são extremamente chatos e mau feitos, e evito instintivamente ler qualquer panfleto distribuído na rua, mas acompanho com muito interesse as pesquisas de intenção de voto, as entrevistas e o jogo de alianças dos candidatos.

Sobretudo São Paulo. Acho que hoje todo brasileiro minimamente interessado em política acompanha de perto o desenrolar das eleições paulistanas. É muito instrutivo que, na cidade onde residem e trabalham as forças mais patologicamente anti-petistas do país, a líder absoluta nas pesquisas seja justamente uma... petista!

Por quê? O tucanato midiático deve estar se perguntando: o que aconteceu? No entanto, nós que acompanhamos de perto as batalhas políticas dos últimos anos, temos nossas explicações. Lembro de Alckmin falando em "dólar no cuecão", ou seja, no aumentativo, numa tentativa burlesca de transformar um episódio local, a corrupção canhestra de um barnabé do Ceará, em grande escândalo ético nacional.

Foram tantos factóides. Os cartões corporativos, por exemplo. O Globo estampou uma foto de uma mesa de sinuca na primeira página, e um manchetão na terceira página dizendo: "Compraram até sinuca". Escrevi muito sobre aquele tema porque considerei um lacerdismo mesquinho criminalizar o conserto de uma mesa de sinuca, em tempos em que a saúde e o lazer no trabalho é considerada fundamental para a manutenção da produtividade. E daí descobriu-se que a mesa era propriedade da União e que seu conserto era, não somente legal, mas uma obrigação. Aquele escândalo foi um dos mais ridículos de todos. Se eu fosse um daqueles funcionários públicos que tiveram seus nomes expostos na grande imprensa, por ter comprado "12 cadernos" ou "um colchão", eu entraria com um processo de danos morais.

E daí vemos essa mesma imprensa tão preocupada com os gastos públicos e o bolso do contribuinte assistir impassível o governo americano alocar 700 bilhões de dólares para bancos e seguradoras falidas. Estou seguro de que, se fosse aqui no Brasil, a mídia não hesitaria em apoiar a mesma medida. Nesses momentos, lembro também dos brizolistas que denunciavam o lucro e a solidez dos bancos brasileiros. É melhor assim do que dar dinheiro público para eles, não?

Manuskripto entrevista Wanderley Guilherme dos Santos

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A segunda edição de Manuskripto já está pronta. Traz matérias com sugestões sobre o que fazer com o dinheiro do pré-sal, poemas inéditos, desenhos, fotos e uma entrevista exclusiva com o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, editor da revista Inteligência e considerado um dos maiores intelectuais da América Latina.

Você pode fazer 1 assinatura anual da Revista, por R$ 48 (R$ 4 por edição) clicando no link da coluna à direita ou, se preferir, pode comprar as 2 primeiras edições por R$ 12 (R$ 6 por cada), clicando no link abaixo.













20 de setembro de 2008

Festival do Rio

1 comentário

Dias bons à vista. O Festival do Rio vai começar e terei chance de discorrer sobre algumas novidades da telona mundial, dos contemporâneos aos clássicos. Eu participo (perifericamente, mas participo e ganho carteira e tudo) da cobertura crítica do evento, e quero aproveitar para desenferrujar minha verve. E viva Paulo Cesar Saraceni e o filme mais lindo do cinema brasileiro: Ao Sul do meu Corpo.

19 de setembro de 2008

Sobre a puerilidade das calcinhas

1 comentário

ela atravessou a sala,
na direção do banheiro,
chorando, e não quis
atender o telefone,

eu tentava
concentrar-me no café
e no pão com mortadela

e também não quis
atender o telefone

no silêncio do apartamento
melodias nervosas
vibravam
nas artérias inchadas
de nossa espera
de nossos olhos

no alto do armário
havia uma alma
contemplando a dor
triste que emanava
do tubo de televisão
da cama desarrumada
dos brincos espalhados
sobre a penteadeira

eu não queria atender o telefone
nem explicar o universo
os credores que esperassem
a ciência que esperasse

eu tomava meu café
tentando-me concentrar
no pão com mortadela
e chorava, não, eu não,
ela, ela chorava no caminho
da sala ao banheiro
porque não sabia o que
deveria fazer
para ser feliz

eu não ria, nem chorava,
nem queria atender o telefone,
apenas bebia um café fresco, quente,
sem açúcar,
e comia um pão frito
com mortadela de frango

já não achava
que o mundo desmoronava à minha volta
não, o mundo prosseguia sendo mundo,
forte e auto-destrutivo
como sempre fora,
suas crises e guerras,
não me diziam respeito
porque eu acordara tarde,
com ressaca
e não queria atender o telefone

procurava, eu, não sentir culpa
pelo desgaste físico
desnecessário
da noite anterior

é tão idiota sentir culpa

então eu me concentrava
no café e no pão
e não atendia o telefone

não atendia! meu deus!
eu apenas observava,
levemente apreensivo,
ela passar à minha frente,
chorando baixinho,
ela, a vida, a solidão, o mundo,
ela, o meu amor,
o meu desespero,
e meu vazio.

ela chorava por todos,
uma tristeza autêntica,
não o romantismo açucarado
que me consumira na adolescência

ela era minha bolívia,
meus antepassados mortos
e torturados,
ela era meu avô,
o fazendeiro falido,
meu tio-avô,
que colecionava orelhas humanas.

por fim, me levantei
e fui atender o telefone

Jabor é pior que cerveja sem álcool

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Arnaldo Jabor resolveu dar seu palpite sobre a crise da Bolívia. Nem precisava. A gente já sabe o que ele vai falar ou escrever antes que ele o faça. Fui conferir na internet o seu comentário para o Jornal da Globo. Que maravilha! Jabor podia entrar para a banda Babado Novo, substituindo a Claudia Leitte. Clichês não faltarão. Ele acusa Evo de pretender impor uma ditadura indigenista (termo que ele repete umas vinte vezes em sua fala, como se pronunciasse um palavrão). Acusa os "petistas" (agora sim, garantiu emprego na Abril para todos seus descendentes) de terem sido bonzinhos com a Bolívia, por ocasião da estatização das empresas de gás. Esse pessoal agora inventou um novo e revolucionário conceito de ditadura, que é a ditadura com voto e referendos populares. De vez em quando citam Hitler, que teria sido "votado". Não é bem assim. O processo eleitoral daquela época estava totalmente viciado. Sem contar a inflação irracional que assolava o país. É desonesto, coisa de gente malvadinha, espertinha, fazer essas comparações históricas estapafúrdias. As pessoas precisam entender o seguinte: Morales foi eleito pelo sufrágio universal, com uma vitória ESMAGADORA, 54% contra 28% de seu adversário. Ele pode ter todos os defeitos do mundo, mas foi o cara que os bolivianos escolheram como seu principal representante político.



A mídia nacional, agora que não tem mais culhão para malhar o Lula, em função de seus altos índices de popularidade junto à classe média e alta, resolveu descarregar seu rancor em cima do Morales e de outros presidentes latino-americanos. Mas é interessante observar como algumas coisas mudaram e outras continuam as mesmas. A internet e a conscientização política abriram os olhos de milhões de pessoas para a mediocridade e confusão ideológica das mídias corporativas. Afinal, que defendem eles? Estão perdidos. Agora que o governo Bush virou um dragão estatista, então, piraram de vez...

Comentários do dia

1 comentário

Ironia das ironias: os conservadores americanos se tornaram furiosos estatistas. Conforme a crise se alastra, eles vão comprando e estatizando todas as grandes empresas em crise do país. Tudo com dinheiro do contribuinte. Que capitalismo maravilhoso! Esse é o modelo tão prezado de gestão corporativa? Altos executivos que recebem dezenas de milhões de dólares por ano para quebrar e roubar as empresas que dirigem - isso é meritocracia! Isso é referência da excelência da iniciativa privada!

*

Com a divulgação do PNAD, o principal relatório sócio-econômico do país, pode-se ter uma visão muito mais abrangente, lúcida e objetiva do Brasil. Somos um país de classe média baixa. Pobres e dignos. Temos tv, geladeira, fogão, rádio. 40% dos lares tem máquina de lavar e 20% tem computador. 14% das famílias tem internet em casa. Mas ainda existe miséria demais. E os avanços atuais só foram possíveis por conta de políticas sociais que não devem ser reduzidas, e sim ampliadas, para que possamos progredir mais.

*

Quem pode, pode. Contratar o presidente do Supremo Tribunal Federal como advogado de defesa não é para qualquer um. Contratar o principal jornal do país, O Globo, como assessoria de imprensa, é outra proeza dantesca.

*

Jobim é um traíra.

*

Hum!

18 de setembro de 2008

No violence

1 comentário

Bem, tava meio nervoso e acabei exagerando no tom no post anterior. A verdade é que os últimos dias foram complicados para mim e resolvi descontar meu stress nos racistas da Bolívia. Quem não tem vontade, mesmo o mais radical pacifista, de distribuir umas porradas por aí, de vez em quando? Que vítima melhor para tomar umas porradas do que um racista? Evidente que a solução mais sábia, por parte de Morales, é evitar qualquer custo humano. Produzir uma guerra civil a là Africa seria uma catástrofe para um país tão pobre como a Bolívia. Portanto, citando nosso ex-presidente, esqueçam o que escrevi.

*

Preparo mais uma edição do Manuskripto, que vem recebendo um bom número de pedidos de assinatura. Agradeço imensamente o interesse dos leitores e prometo melhorar sempre a qualidade da publicação. Em breve, divulgarei a lista do conteúdo e colaboradores da próxima edição. Por uma questão de marketing, os textos publicados na revista não serão publicados na web e só usarei textos inéditos. As instruções para assinar a revista estão na coluna da direita, no alto. Quem sabe essa revista, produzida com a absoluta independência que só a internet permite, não se torna um objeto de alto valor no futuro? Ao fazer uma assinatura, você ajuda a blogosfera independente (que depende de blogueiros independentes) e ainda faz um excelente investimento! É melhor que investir na Petrobrás! Ops, menos Miguel, menos. Bem,

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O corte da banda larga reduziu minha participação no blog, mas eu e meus gerúndios estaremos resolvendo a situação em alguns dias. Aproveito para protestar contra o governador Sérgio Cabral, que instalou wifi (internet sem fio) apenas na orla. Os cariocas querem saber: quem é o louco de levar laptop para a praia de Copacabana? Para ser assaltado? Para entrar areia, sal e umidade no computador?

Senhor governador, ouça o apelo de um cidadão carioca que depende da internet e que lhe seria eternamente grato, inclusive em votos, se vossa senhoria instalasse wifi onde realmente se faz necessário: nas bibliotecas públicas, no centro da cidade, pelo amor de Deus!


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O império treme, treme, treme, pega pneumonia - e o Brasil registra crescimento de 6%em 12 meses e gera 2 milhões de empregos de janeiro a agosto - ou seja, não pega resfriado, nem tosse, nem espirra. Na verdade, o Brasil sai ganhando com essa crise, porque investidores encontram aqui um porto seguro.


*

Que louca deu no Nelson Jobim? Mesmo que a Abin tivesse problemas, o Jobim deveria acertá-los discretamente junto ao presidente da república, e não participando desse circo midiático onde entram obscuros interesses partidários. Jobim jogou pra oposição, isso ficou claro. Mas quem se queimou foi ele: ficou com a pecha de dedo-duro e burro, pois o tal equipamento da Abin não faz escuta, segundo está comprovado por todas as fontes confiáveis possíveis: o fabricante e a PF. Qual o interesse de Jobim em denegrir a imagem pública da Abin?

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A entrevista de Lula para a TV Brasil colocou muitos pingos nos is. Leiam o Nassif.

16 de setembro de 2008

A violência contra a barbárie

6 comentarios

Antes que venham me acusar de contradição, explico. Defendo a violência contra os racistas da Bolívia por razões absolutamente humanitárias. Alguns poderiam argumentar que, se defendo violência contra eles, também deveria reinvidicar para o MST, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. O MST não visa desestabilizar a democracia brasileira, nem derrubar governos, apenas acelerar e influir sobre a reforma agrária. Morales sempre respeitou esse tipo de manifestação na Bolívia. E o MST nunca foi violento contra pessoas.

Em mais de 20 anos de história, os casos comprovados de agressão por parte de integrantes do MST são raríssimos e isolados e desconectados da orientação do movimento. Pode-se acusar o MST de tudo, menos de falta de respeito à dignidade humana e racismo. Os racistas da Bolívia são, acima de tudo, uns racistas filhos-da-puta, que querem simplesmente derrubar o presidente mais popular da história recente do país, cujo poder acaba de ser ratificado por um referendo - um referendo que a própria oposição havia exigido e depois, na última hora, quando viu que não teria o resultado que ela - esquizofrenicamente - esperava, tentaram anular. São uns malucos extremamente perigosos, incoerentes, autoritários e racistas. Morales tem que colocar o exército nas ruas e defender o seu povo. Há momentos que não-violência significa covardia. Já se viu do que eles são capazes. Chacinaram mais de 30 indígenas. E se o Morales pedir, o Brasil deveria mandar o exército brasileiro lá para sentar o cacete nesses abortos morais da natureza.

Além do mais, eu assisti - através do blog do Melo - vários vídeos que mostram muito bem o grau de racismo e fascimo desses caras. Não existe diálogo com esses monstros. Eu defendo diálogo com traficantes, com ladrões, com bandidos de toda espécie. Quer dizer, não acho certo essa política de enfremtamento assassino. Sou contra a violência, mas trata-se, neste caso, da mais absoluta legítima defesa - defesa da democracia, da honra de um povo, da vida, da dignidade de uma raça - da raça humana.

Por isso meu lema é: porrada nos racistas da Bolívia!

14 de setembro de 2008

Rápidos esclarecimentos de um neófito em cinema

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Está acontecendo o seguinte. A minha mulher está produzindo e dirigindo um curta-metragem, intitulado Maria, e eu tô dando assistência de produção. Isso quer dizer que limpei minha conta bancária e meu cartão de crédito - quer dizer, os R$ 80 que ainda tinham lá, para ajudá-la a finalizar o filme. Porque existe o filme de baixo orçamento e existe o filme de orçamento zero. Mas prestem atenção ao profissionalismo. Qualquer um pode fazer um filme sem dinheiro. A Priscila tá fazendo um filme sem dinheiro com todos os recursos de um filme com dinheiro. Tem eletricista, assistente de eletricista, câmera, diretor de fotografia, diretora de arte. Não tem ninguém passando fome. Ela, com seu charme de intelectual bonita do subúrbio, consegue apoio de restaurantes e firmas de transporte e a galera passa melhor do que em muito filme com recurso sobrando mas muquinaragem sobrando mais ainda. Tem apoio do sindicato, dos amigos, o escambal, e eu tô trabalhando duro.

Na sexta-feira, logo após de publicar o comentário abaixo, com o texto da Caia Fitipaldi, os eletricistas chegaram. A cena seria rodada no meu próprio apartamento. E tive que desligar o computador e deslocar a mobília de um lado a outro. O apartamento ficou de pernas para o ar. Depois chegou a equipe toda. Mais de dez pessoas no meu quarto e sala.

Quando terminou, meu telefone não funcionava mais, nem a internet. E no dia seguinte, mais trabalho. Peguei um trem para Santa Cruz para pegar três caixas de guaracamp, que a gente distribui geladinho pra equipe - tô falando, que a produção é pobre mas generosa. Chegando lá, me dei conta que esqueci o carrinho e tive que trazer no braço uns cinquenta quilos - sorte que encontrei um rapazinho que me ajudou em troca de 1 real e um guaraná.

Ontem teve outra gravação, no sobrado do pessoal da Clarabóia (ateliê e galeria), onde foram filmadas quase 20 cenas. Um vernissage e uma festa. Eu produzi parte da festa. As bebidas, comprei na Sendas com o restinho do cartão (aqueles R$ 80 de que falei) e alguns trocados que apareceram miraculosamente em minha conta. Umas sessenta cervejas, duas garrafas de vodka, limões. Sem pagar cachê pra figuração, o mínimo que podíamos fazer era botar a bebida. Levei o meu isopor, comprei gelo e preparei tudo. Depois ainda fiz, de improviso, o DJ da festa. Tive sorte em encontrar bons cds. Rain Dogs, do Tom Waits, e Lou Reed. O ator veio me pedir para eu tocar de novo Walk on the Wild Side, para rodar a cena em que ele e a protagonista dançam juntos.

As coisas aconteceram tão rápido que nem tive tempo de ficar com raiva do comentário abaixo da Caia. Ela teve sorte, porque eu vinha com uma bomba de mil megatóns pra cima dela. Agora a raiva passou, ela inclusive escreveu uma mensagem pacificadora, talvez temendo a resposta que eu daria. Nem tô pensando mais isso. Estou numa lan house da rua do rezende, uma dessas ruas do centro do Rio que eram tão bonitas e importantes no século XIX e hoje foram abandonadas pela prefeitura. O centro do Rio está completamente largado e se não estou satisfeito com a possibilidade de Crivella ou Eduaro Paes levarem a palma, tranquilizo-me pensando que, ao menos, o maluco do César Maia vai pendurar as chuteiras - a sua candidata, Solange Amaral, continua dando traço nas pesquisas.

Pensei umas coisas hoje. Tudo começa pelo debate. A revolução francesa teve início com a turma do Voltaire trocando farpinhas ideológico-literárias e o primeiro livro de Marx - A Miséria da Filosofia - foi uma resposta ao livro do Proudhon - Filosofia da Miséria. Procuro sempre elevar o debate político a um grau mais elevado, de maneira a destilar melhor a cachaça ideológica que move os mundos.

*

Estou preocupado com a situação da Bolívia sim, mas, sinceramente, para mim o Evo Morales não devia nem conversar mais com os racistas. Devia somente ordenar que baixassem o cacete - pelo que eu sei, numa democracia, o Estado tem o monopólio da violência, e se existe alguém nesse mundo que merece apanhar, são esses racistas débeis mentais, mimados e endemoniados que infectam as províncias ricas da Bolívia. Eles querem de volta os 30% de imposto que Morales desviou para pagamento de aposentadoria, mas é irracional, porque Morales conseguiu aumentar a renda da estatal de gás em mais de 300%, através da nacionalização e de uma negociação mais soberana com os principais compradores. Ou seja, as regiões ricas da Bolívia estão ganhando muito mais dinheiro agora do que antes. Ainda querem dar golpe. Não tem jeito. Tem que baixar o cacete nesses fdp.

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Quanto à minha polêmica com o Eduardo Guimarães, vamos pôr uma pedra no assunto. Eu nunca briguei com o Eduardo. Gosto muito dele para isso. Rolou uma faísca porque ele, de fato, vacilou, com aquela história de defender caninamente o Azenha. O irônico é que, mesmo concordando totalmente comigo naquela questão, foi pra mim que ele arraganhou os dentes. Muita gente ficou fula da vida com o Azenha e pegaram pesado com ele, tanto no blog do Eduardo como do próprio Azenha, mas eu não tenho nada a ver com isso. Minha crítica, como sempre, foi elegante, com incursões filosóficas, etc, enfim, o meu costumeiro estilo barroco, misturando Descartes e Rimbaud, que confunde algumas pessoas, como a tal Fitipaldi. A reação do Eduardo para defender o Azenha foi totalmente desproporcional, como se o Azenha precisasse desesperadamente de alguém que o protegesse. Enfim, deixa pra lá. Temos coisas mais importantes a fazer do que perdermos tempo com essas futricas de internet. Eu talvez tenha errado em dar trela, criando esse pequeno escarcéu entre meu público tão gente boa. Fiquem tranquilos, que nunca vou transformar esse blog em baixaria. O nível aqui sempre vai continuar alto. Mas o debate é fundamental.

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Agora tenho que voltar ao meu trabalho de assistente de produção. Tenho que resolver o lance da internet. Volto assim que for possível.

12 de setembro de 2008

Sobre os pequenos e mesquinhos ódios que nos cercam

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A chapa esquentou. Pegaram meu texto "Divagações de um ciclista pueril" e publicaram numa rede de discussão. Acho ótimo. Aí a senhora Caia Fitipaldi teceu comentários totalmente estapafúrdios sobre o texto. Ótimo, não sou apenas eu que falo besteira. Todo mundo fala. Mas não vou poder falar sobre isso agora. Daqui a pouco eu volto.

O texto da dona vai abaixo:

Tudo errado.

O maravilhoso ciclista do Iberê Camargo NÃO MERECE APADRINHAR este ócio metido a 'ético' e inteligentissimo, aí, do "Óleo do Diabo". Aí, hoje, é só papim metido a 'culto' e 'inteligentíssimo'.

Uma coisa é o ócio para criar. Outra, muito diferente, o ócio para requentar idéias-feitas. Nos casos de ócio pra criar, recomendo sempre mais ócio. Mas nos casos de ócio prá requentar idéias-feitas, eu sempre recomendo um alqueire de cana pra cortar, ou um tanque de roupa pra lavar, que dão excelente resultado -- e ajudam a fazer avançar o mundo.

É claro que o xis da questão NÃO É a falta de respeito. Não faltaria mais nada, em matéria de patético, do que eu-euzinha pôr-me a reinvindicar algum respeito. Não dou nem reinvindico 'respeitos' moralistas burgueses. Quamdo reivindico, reivindico amor, ou reivindico paixão ou cobro alguma espécie de festa com alguma grandeza humana. Não dando certo, eu puxo o meu carro e vou cantar nôtra freguesia. "Respeito", definitivamente, não me engana: é tudo golpe [risos, risos].

É claro, também, que é INDISPENSÁVEL fazer cantar o pau no lombo do jornalismo e dos jornalistas. São o jornalismo e os jornalistas que implantam, no mundo, tooooooooooooooooooooooooooooooooooodo esse conversê da 'ética' sem política de democratização, da 'ética', afinal, de DES-democratização e de aburguesamento do mundo.

A luta social pode ser uma luta em armas e pode ser uma luta EM DISCURSOS. A imprensa liberal ideal deveria existir para que a luta pudesse travar-se EM DISCURSO e dispensasse as armas.

A impresna liberal JAMAIS EXISTIU no mundo real. A imprensa SEMPRE deu voz à grana e jamais deu voz aos pobres. Isso eu sei há muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuito tempo. Mas, se precisasse de prova, aí estaria o "Óleo do Diabo", em vilegiatura de bicicleta pelo Rio de Janeiro... a ensinar 'respeito' e, simultaneamente, a ensinar a NÃO-VER o trágico ciclista do Iberê (que nada tem de "pueril". Que negócio é esse?!). Quem precisa desse, papim de DES-jornalismo, sô?!

Argentina compra 40% das exportações brasileiras de veículos e auto-peças

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Veículos e auto-peças já são os principais produtos exportados pelo Brasil. E a Argentina é, de longe, o principal comprador desses itens. Nos oito primeiros meses de 2008, a Argentina importou o equivalente a US$ 3,81 bilhões em auto-peças, ou 39,6% do total exportado pelo Brasil no período, com aumento de 1.953% sobre 2002.

Os países latino-americanos (Argentina, México, Venezuela, Peru, Paraguai, Uruguai) importaram o equivalente a US$ 5,8 bilhões em auto-peças, ou 61% do total. Somando Equador, Bolívia e Costa Rica, o índice cresce para 62,2%.

Confira a tabela abaixo (clique na imagem para ampliar).


Produtos brasileiros exportados para a Argentina

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Para o pessoal que curte economia, preparei uma tabela com os principais produtos brasileiros exportados para a Argentina. Repare como a Argentina compra sobretudo produtos industrializados, e foi a grande responsável pelo salto na venda de auto-peças. Enquanto a mídia vociferava o fim do Mercosul, as exportações brasileiras de auto-peças cresceram quase 2.000% em seis anos. É uma boa resposta para quem subestima a importância da integração comercial e política da América do Sul e de seus benefícios para a economia brasileira. Se dependêssemos apenas de EUA e China, estaríamos exportando apenas minério de ferro e soja. Com a Argentina e outros países latinos, pudemos ampliar exponencialmente nossas vendas de produtos com alto valor agregado e que geram empregos de qualidade. Clique na imagem para ampliar.




Converzacioni

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Passei quatro meses na Itália no ano passado, em Florença. Minha mulher arrumou um emprego num restaurante e eu não fazia nada. Quer dizer, eu tinha meu trabalho burocrático, que me consumia algumas horas diárias de internet. O resto do tempo eu matava passeando pela cidade, e logo descobri várias bibliotecas. Resolvi usar meu tempo livre para ler a Divina Comédia, do Dante Alighieri, no original. Lia os jornais, La Reppublica e Corriere de la Sera, constatando, um pouco divertido, que a Itália conseguia ter ainda mais crises politicas que o Brasil. Na época do Romano Prodi, que havia conseguido vencer o indefectível Silvio Berlusconi, as crises eram diárias, sempre dramáticas, sempre ameaçando derrubar o governo. O sorriso triunfante de Berlusconi era presença obrigatória nas páginas políticas. Pouco tempo depois que eu saí de lá, o governo de Prodi caiu, e Berlusconi reassumiu o poder.

Eu lia Dante numa das bibliotecas comunales próximas à Piazza della Reppublica. Li todo o Inferno e comprei uma edição usada que trouxe para o Brasil, para ler a obra na íntegra, um dia desses.

Outro lugar que eu costumava ir era a Biblioteca Isolotto. Comprei uma bicicleta e pedalava até lá, passando por um belo parque às margens do rio Arno, atrás do hipódromo La Cascine. Fazia quase sempre sol e era um passeio muito agradável. Também costumava correr por lá e quando voltei ao Brasil, havia perdido uns cinco quilos e aprendido a fazer todo tipo de macarrão, que era o alimento mais acessível para um brasileiro ganhando em reais e gastando em euros. Descobri outros autores também. Li vários livros do Alberto Moravia e gostava de consultar autores latinos, sobretudo o elegante Sêneca, tentando me transplantar para os tempos do império.

Por fim, descobri Giacomo Leopardi, considerado o maior poeta italiano moderno. É uma poesia diferente, despretensiosa, culta, simples e enigmática. Sua grandiosidade é deliberadamente modesta, como um Beethoven tocado por uma flauta doce. O poema transcrito abaixo, e traduzido adiante, é um dos mais famosos, e um dos mais fáceis de serem assimilados em seu singelo mistério.

É um poema que me lembra muito a canção É doce morrer no mar, de Dorival Caymmi, até porque o poema encerra justamente quase repetindo o verso de nosso saudoso baiano.

*

Como chegamos na Itália? Um dia explico. Adianto apenas que não pagamos passagem. E nosso tempo estorou, ficamos ilegais, e não podíamos voltar antes de juntar dinheiro suficiente. Maior aventura. Não a repetiria hoje, porque a Itália endureceu severamente as leis contra imigrantes (que não era nosso caso, enfim, mas vá explicar isso para um carabinieri). Na verdade, na Itália, o turista pode ficar apenas 8 dias! Para ficar mais tempo, deve registrar-se na polícia. O tempo máximo de permanência é de 3 meses, válido para toda Europa. Quer dizer, se você ficar 2 meses na França, só pode ficar 1 mês na Itália.

A gente pensou, inicialmente, que os três meses valiam para cada país da Europa. Ou seja, podíamos ficar 3 meses na França, 3 meses na Itália, 3 meses na Alemanha, assim por diante, e quando, em Florença, visitamos o cônsul honorário para pedir maiores explicações, ele apenas nos olhou espantado e disse: agora é rezar para a polícia não pegar vocês!

A colônia brasileira em Florença é enorme. São os imigrantes mais tranquilos e trabalhadores. Há muita gente do sul do país por lá, trabalhando sobretudo nas feiras de rua. Ganha-se mais de mil euros por mês em qualquer trabalho que se faça. Apesar das coisas serem caras, há sempre opções bastante econômicas. A massa, o molho de tomate e o queijo, por exemplo, são mais baratos que no Brasil. A cerveja, bastante cara se comprada na rua, é barata no supermercado. Depois que a Priscila começou a trabalhar no restaurante e nossa situação financeira ficou um pouco mais folgada, eu comprava cerveja de vez em quando, geralmente a marca Moretti, ou então a Heineken, que era apenas 50 cents mais cara, mas era minha preferida. Aliás, de forma geral, a Heineken é minha cerveja preferida.

O imigrante brasileiro, como quase todo imigrante, é extremamente ligado às suas raízes e vive morrendo de saudades da terrinha. A grande maioria são pessoas simples, classe média baixa, que optam por viver na Itália pelas facilidades da língua (é muito mais fácil que o francês, o alemão e mesmo o inglês), de família (muita gente tem cidadania italiana, por possuir descendentes no país) e pela oportunidade de ganhar dinheiro com serviços que não dariam quase nada no Brasil. Por exemplo, passamos em dia em Roma, para resolver um negócio no consulado brasileiro, e conhecemos um rapaz que vendia coxinhas de galinha diariamente no local. Seu público-alvo era justamente os muitos brasileiros que procuram o consulado. Ele vendia muito e ganhava bastante dinheiro. Que jovem, no Brasil, pode ganhar a vida decentemente apenas vendendo coxinha de galinha? Não estou dizendo que o Brasil é pior que a Itália, mas simplesmente que na Itália é mais fácil ganhar dinheiro. Quer dizer, era. A coisa tá ficando feia por lá. Testemunhei centenas de perseguições a imigrantes africanos, o alvo principal das autoridades italianas. Os africanos são os que mais sofrem, porque poucos dão emprego a eles, que vão trabalhar então no comércio ambulante ilegal. Vendem produtos pirata de todos os tipos. Muito comuns são as bolsas imitação de marcas européias famosas, como Louis Vitton, Victor Hugo, etc. Essas bolsas, mesmo piratas, são caras e os africanos estão sempre correndo daqui para lá com elas, fugindo da polícia.

*

Sempre caro mi fu quest'ermo colle,
e questa siepe, che da tanta parte
dell'ultimo orizzonte il guardo esclude.
Ma sedendo e mirando, interminati
spazi di là da quela, e sovrumani
silenzi, e profondissima quiete
io nel pienser mi fingo; ove per poco
il cor non si spaura. E come il vento
odo stormir tra queste plante, io quello
infinito silenzio a questa voce
vo comparando: e mi sovvien l'eterno
e le morte stagioni, e la presente
e viva, e il suon di lei. Cosí tra questa
immensità s'annega il pienser mio:
e il naufragar m'é dolce in questo mare.

Giacomo Leopardi

*

Sempre me foi caro esse monte solitário
e estas árvores, que de vários pontos
escondem o horizonte.
Sentado e contemplando os intermináveis
espaços desde lá até as árvores, e os sobrehumanos
silêncios, e sua profunda calma,
eu mergulho em fantasia; e por pouco
o coração não pára. E ouvindo o vento
bramir entre as plantas, eu
comparo o infinito silêncio a esta voz (do vento)
e me sobrevêm o eterno
e as mortas estações e a presente
e viva, e o som delas. Assim, em meio a esta
imensidade se afunda meu pensamento:
e naufragar é doce neste mar.

(Tradução: Miguel do Rosário)

11 de setembro de 2008

Divagações de um ciclista pueril

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(Iberê Camargo)

Ou Por que o Azenha precisa de um pitbull?

Se existe uma coisa que gosto de fazer é andar de bicicleta. Eu amo andar de bicicleta. Uma das vantagens de não ter mais um trabalho fixo é esta: posso andar de bicleta à vontade. Adiantei umas reportagens pela manhã, e saí depois do almoço. Peguei minha byke no conserto e saí pedalando. Costumo fazer o seguinte caminho: sigo pela rua do Rezende até a Lavradio, pego aquela rua dos fundos do circo voador, passo por baixo dos Arcos da Lapa e dali vou até a Praça Paris. Contorno a praça Paris e entro no Aterro através da passarela.

O Aterro é o parque urbano mais lindo do mundo. E a vista mais linda do mundo é a que se tem lá no final do Aterro, quando a ciclovia começa a entrar na praia de Botafogo. Fica-se frente a frente com o Pão de Açúcar. Apenas o mar azul, calmo e sensual, e o Pão de Açúcar, solene, silencioso, com os bondinhos subindo e descendo como se fosse tudo uma enorme brincadeira.

Sempre reduzo a velocidade nessa parte e penso a mesma coisa: é a vista mais linda do mundo. A ciclovia prossegue pelo calçadão da praia de botafogo, até o final, então chega-se aos limites da Urca, ladeia-se os edifícios da Universidade Federal e do Hospício Pinel, volteia-se o prédio do Shopping Botafogo e passa-se por uma gigantesca (e muito bonita) estátua de Simon Bolívar, situada junto à pista de skate.

Segue-se reto, o Shopping Rio Sul à esquerda, depois da Igreja Terezinha (onde me casei) e entra-se no túnel. Como a inclinação é favorável, deixa-se a bicleta deslizar, solta. O túnel é escuro demais, o que prejudica o equilíbrio - é um momento de suspense, pedalar em alta velocidade por um túnel escuro. Até que...

Copacabana! Ao fim do túnel, surge o bairro mais famoso do Brasil. Continuamos pela ciclovia, que segue paralela à Princesa Isabel e chega-se à praia. À esquerda, Leme, à direita, Copacabana, Arpoador, Ipanema, Leblon. Sigo pro Leme. Prendo a bicicleta num local específico e piso na areia branca e fina. O Leme tem uma praia larga - uns 150 a 200 metros de areia, do calçadão ao mar.

Em dias de semana, mesmo com sol, a praia nunca está cheia, mas também nunca está vazia. Deixo minha mochila com um barraqueiro e caminho em direção à água. Preciso nadar. Mas prefiro me aquecer um pouco ao sol e deito-me na areia. É tão bom largar-se numa praia, sem compromisso, sem responsabilidades... O sol, o mar, a areia fofa e confortável, fazem-nos esquecer de tudo.

Levanto-me, coberto de areia da cabeça aos pés, e entro no mar. Leme e Copacabana são praias bem agitadas, com ondas fortes. Gosto assim também. Fico um tempo nadando e pegando jacaré. Exercitando-me. Depois de ficar assim por mais de uma hora, volto à areia, ando até a barraca onde deixei a mochila e dirijo-me até a bicileta.

Continuo a pedalar, desta vez na direção de Copacabana e Ipanema. Chego ao fim de Copacabana, onde a ciclovia prossegue até Ipanema. Fico um tempo no Arpoador, no alto de uma pedra, observando o mar, os navios de carga ao longe, saindo ou se aproximando da baía de guanabara, as ilhas cagarras e a vista da praia do diabo, de um lado, e Ipanema e Leblon de outro. Os morros Dois Irmãos, ao fundo, parecem garotos espiando uma moça desfilar de topless na praia, sem saber que a severa avó - a Pedra da Gávea - os vigia logo atrás.

Pedalando na direção do Leblon, eu penso em como um escritor se prende a bagatelas, ninharias a que empresta enorme importância, quinquilharias metafísicas. Neuroses mesquinhas convertem-se em poemas, crônicas, contos, romances. Não existe nada estéril ou inútil na literatura. Tudo é válido. Tudo é vital. O escritor vive de suas crises existenciais e, por isso, incentiva-as, como um cientista maluco que experimenta em si mesmo suas invenções mais estapafúrdias.

Penso no meu blog e tento direcionar meu pensamento para algum tema importante. Essa história do Gilmar Mendes, por exemplo, tem me apavorado. O cara é tão descaradamente vendido para o Daniel Dantas que imagino-o trajando roupas de mordomo, batendo à porta - com licença, senhor Dantas, a champagne que o senhor pediu -, entrando e colocando a bebida sobre a mesinha, enquanto o banqueiro não se digna sequer a olhar para seu criado, nem cogita dizer um obrigado. E Mendes sai de cena. Mas eu não consigo me preocupar com Mendes.

Eu não consigo tirar da cabeça minha inusitada desavença com o Eduardo Guimarães, doravante nominado Pitbull do Azenha. É um caso chato porque eu admiro o trabalho dele em seu blog e em sua Ong e sei que a importância desse trabalho está acima dessas querelas menores. No entanto, como eu disse, as coisas mais insignificantes têm importância para mim. Nós, escritores (sim, para o mal ou para o bem, eu sou um maldito escritor, apesar de não ter escrito ainda nenhum livro importante), nos alimentamos das migalhas que o mundo dispensa. Às vezes, na falta dessas migalhas, inventamo-as.

Alguns podem dizer que é viadagem. Pode ser. O escritor é sempre um viado, no sentido metafísico. Mesmo o machão Hemingway era também um tremendo baitola. Afinal, que outra explicação para que um homem, forte, vigoroso, inteligente, perca seu tempo alinhavando historinhas pueris enquanto o mundo desmorona lá fora, devastado por guerras, furacões, epidemias... Há um livro do Salinger, Seis Contos, que é a coisa mais pueril e inútil que se possa imaginar e, no entanto, traz os textos mais magníficos que já tive oportunidade de ler. Pensei: que estou fazendo aqui? Eu gosto de escrever sobre política. Mas a política, para mim, aborda desde as questões mais grandiosas às mais ínfimas - nessa minha maneira de ver as coisas, é como a física: o resultado pode ser grandioso como uma bomba nuclear, mas tudo começa em analisar o comportamento dos átomos.

Daí que o trabalho do Pitbull do Azenha pode ser importante - existe, de fato, um problema de mídia muito grave no Brasil - mas a vida é mais complexa e mais imoral do que tudo isso, e o diabo se infiltra nas intenções mais nobres. Pode se infiltrar em mim, também - na verdade eu o sinto, de vez em quando, atrapalhando-me a concentração. Ninguém está livre. Não adianta publicar a foto de Jesus e apelar para o sofrimento pessoal. Bem, o papo ficou estranho, então é melhor ser direto: o mais importante, no fundo, não é combater a mídia. Nunca foi. Nem mesmo é combater a injustiça social, um conceito fundamental, mas ainda sim este fica em segundo plano. O mais importante, ao menos para um verdadeiro cristão (e uso cristão aqui no sentido de um cidadão moderno, podendo ser também um islâmico ou um budista), é viver fraternalmente, é respeitar e amar o próximo. Sim, porque, pensando bem, esse é o principal motivo de angústia de todos. A falta de respeito. A mídia é golpista porque não respeita seus próximos, nem seus leitores, nem seus jornalistas, nem seus empregados. Não respeita a inteligência alheia. A sensação que temos, quando nos deparamos com uma dessas trapaças jornalísticas, é de mau cheiro moral, ou seja, ausência de fraternidade. Ironicamente, a mesma acusação que a imprensa corporativa tenta colar nas costas das instituições políticas, a de falta de vergonha na cara, nós, leitores críticos, queremos pregar no lombo da imprensa.

No fundo é uma questão moral e nos irrita a hipocrisia. E, no entanto, a mesma truculência que acusamos no outro, aos poucos também vai tomando conta de nós, na medida em que adquirimos mais status. Afinal, é necessário ser violento. Sem agressividade, seríamos engolidos pelos leões. Jesus chutou os vendilhões do templo, com muita ira e uma feita afirmou, ao voltar do deserto, que não trazia a paz, mas a espada. A mesma violência, porém, que usamos para combater os inimigos envenena nosso sangue e, quando menos esperamos, atacamos quem não devia. Aí começa nossa morte e corrupção.

Por isso as poesias são eternas. São como pérolas de absoluta pureza moral, em meio à corrupção generalizada que grassa em todos os segmentos da vida. As poesias são puras. Não os poetas, todavia. Os poetas são corruptos, também, como qualquer outro ser humano e, muitas vezes, até mais. No entanto, quando o poeta não controla a sua corrupção natural e inevitável, ela contamina seu trabalho, que perde sua pureza e apodrece. E a poesia morre.

Resumindo, não estamos em tempos de Ghandi e não existem mais santos - e o fogo da vida, para ser fogo, para ser vida, envolve polêmicas, brigas, debates calorosos - mas acho importante lembrar que as coisas pequenas têm tanta importância quanto às grandes, porque é o átomo quebrado - o átomo magoado, ferido, por assim dizer - que se torna uma bomba atômica; o câncer tem início com apenas um célula doente; e provavelmente será um vírus, um mísero e microscópico vírus, que dará um ponto final a esta sofrida - e tão incrivelmente ambiciosa, sórdida e original - civilização de macacos que pensam.