24 de setembro de 2008
Fome de informação
A Folha já virou um caso psicanalítico. Hoje, o colunista Fernando Rodrigues, que ocupa a página principal de opinião do jornal, vem com essas duas pérolas:
"A fala lulista incluiu a já conhecida ladainha sobre reforma do Conselho de Segurança e combate à fome. O brasileiro também esteve prestes a classificar o capitalismo brasileiro como melhor do que o norte-americano -usando o discurso juvenil segundo o qual tudo se resolve com política."
"Lula discursou ontem na ONU. A relevância dessa cerimônia é nula. Exceto para os acólitos e familiares presenteados com um passeio por Nova York."
A capacidade em reunir disparates em tão poucas frases merece aplausos. Existem 1 bilhão de pessoas sofrendo fome aguda no mundo e o cara acha que o tema é uma "ladainha". "A relevância dessa cerimônia é nula", diz o peralta. Observem: trata-se de uma conferência da qual participam todos os chefes de Estado do planeta. Para Rodrigues, relevante é jantarzinho de Serra e FHC em restaurantes de luxo nos Jardins.
É uma reunião política, claro, não um workshop de negócios. De lá não saem ações concretas imediatas, mas são fechadas parcerias de longo prazo e os chefes de Estado realizam conversações em alto nível. Relevância nula? Esses almofadinhas blasé da Folha de São Paulo não tomam jeito: é uma despolitização completa.
E o Clóviss Rossi vai na mesma linha. Em sua coluna de hoje, também morde o pé do Lula, porque este teria dito, em seu discurso na ONU, que diante da crise financeira, chegou a hora da política. Rossi diz que é tarde demais e ponto final. Como de praxe, expõe seu pessimismo vazio, fútil, artificial. Se um cidadão decidir fazer uma experiência tétrica, restringir sua leitura à coluna de Clóvis Rossi, irá se suicidar em alguns dias, depois de escrever a seguinte nota: "o mundo não tem jeito, o Brasil muito menos. O Lula acabou com o mundo!"
A seção de cartas da Folha é toda dedicada a essa classe inteligentíssima de leitores que protestam contra os institutos de pesquisa, alegando que "não acreditam", "que nunca foram entrevistados" ou que "no meu prédio é todo mundo revoltado". São as eternas carpideiras do PIG, o séquito de fiéis missivistas otários.
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Daí pensei em Josué de Castro, cujo centenário comemora-se este ano, e pensei que, fosse vivo, certamente aprovaria o conceito de "fome" de informação. Uma das teses de Castros mais inovadoras foi de que milhões de pessoas passavam fome mesmo sem sabê-lo, porque alimentavam-se mal, com deficiência de diversos nutrientes.
Numa democracia, ou melhor, na política, a informação é o nutriente principal. Veja o caso da Bolívia. Se os jornais fizessem uma reportagem mais apurada sobre os grupos de oposição a Morales, sobre as gangues de extrema-direita que se proliferam nas províncias ricas, seguramente a opinião pública teria possibilidade de se posicionar com mais segurança frente a essa grave crise que assola o país vizinho. Mas não. Preferem tratar os dois lados de forma igual: de um lado, um presidente eleito com esmagadora maioria de votos, e confirmado em recente referendo; de outro, um segmento fortemente racista, com pretensões autonomistas, que não demonstram nenhum respeito pela decisão democrática da maioria da população.
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Tem sido sumamente divertido assistir a direita paulistana bater cabeça, espernear, gritar, chorar, e fazer cacá nas calças. O chilique de Alckmin na sabatina para a Folha de São Paulo apenas serviu para explicitar seu desespero diante de sua queda nas pesquisas e a possibilidade, cada vez mais próxima, de não ir para o segundo turno. As acusações que ele fez à Kassab tornarão extremamente difícil uma aliança futura, ajudando ainda mais as chances de Marta ganhar as eleições municipais de São Paulo.
De fato, não só os paulistanos mas todos os brasileiros se perguntam: como um partido incapaz de se unir numa eleição municipal poderá pleitear o comando federal? Imagina esses caras batendo cabeça no palácio do planalto, onde a situação é infinitamente mais complexa, pela necessidade de reunir maioria no Congresso e no Senado?
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Descobri uma excelente webrádio de blues.
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Bem, está chegando a hora de mudar de assunto. A partir de amanhã, vou divagar um pouco sobre cinema. Já viram Down By Law, de Jim Jarmusch? O filme reúne um time de atores inusitado: Tom Waits, Jonh Lurie e Roberto Begnini. Os três são presos e páram na mesma cela. O personagem de Begnini não sabe falar inglês direito e protagoniza cenas muito engraçadas. A trilha, do Waits, é magnífica. Uma canjinha do filme e da trilha.
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Por falar em Tom Waits, aí vai um link para Jockey Full of Bourbon, uma das músicas dele que mais gosto:
http://www.youtube.com/watch?v=vFtdBEM2AnY
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Tentei achar uma razão para a foto da Asia Argento, lá em cima. Fica apenas pela beleza e talento de moça, que participou de filmes que gostei muito, sobre os quais falo depois.
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Sou paulista, e fico com vergonha dos quatro cavaleiros do apocalipse que temos na mídia por aqui: Veja, Folha, Estadão e Globo.
Realmente temos que dar graças aos céus pela existência da Internet.
Pois se formos depender desses veículos decrépitos estaremos sempre fora da realidade, como a Folha está.
Dá-me a impressão de que os articulistas da Folha escrevem para uma minoria de intelectuais enfastiados com a vida, enquanto comem peito de peru regado a vinho fino.
A essas pessoas o assunto fome aborrece.
Veja o Pavão da USP Fernando Henrique; esteve oito anos no poder e não deu a mínima bola para programas sociais.
É que essas palavras como, por exemplo, povo, fome, são conceitos por demais abstratos para essa gente. Povo é aquele pessoal que eles vêem em vernissages chiques, lá nos Jardins. Fome é o que eles sentem enquanto aguardam uma mesa no Fasano.
Lula, com todos os seus defeitos, é ex-retirante. Quando ele fala desses assuntos, ele sabe muito bem do que está falando.
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