Ontem tive o privilégio de assistir dois filmes excepcionais. O primeiro foi o novo filme dos irmãos Cohen, Queime depois de ler, uma comédia absurda e inteligente, com George Clooney, Brad Pitt e John Malkovich. Numa de suas perfomances mais brilhantes, Malkovich faz um funcionário de terceiro escalão da CIA que se demite depois de ser criticado por um superior. A cena do diálogo entre Malkovich e seus superiores pode ser classificada como uma das mais engraçadas - mas com um humor dramático, sagaz e não o engraçadinho reles típico de tantas xaropadas holliwoodianas - do cinema contemporâneo. Malkovich entra na sala, senta-se e escuta seu chefe lhe dizer que está retirando uma de suas missões. Ele abaixa a cabeça, faz uns trejeitos, mexe os braços, massageia as têmporas, movimentos que, por si só, expressam maravilhosamente seu nervosismo. Na sala, há outros dois funcionários. Malkovich reage agressivamente: "que porra está acontecendo aqui?", pergunta ao chefe. O cara ao lado diz que ele tem "problemas com a bebida". "You have drinking problems". Osbourne Cox (nome do personagem) fica estupefato com a acusação e rebate para o sujeito que a disse que ele é mórmon, para ele, portanto, todo mundo tem problema de bebida. As caras e bocas de Malkovich, seu gestual, sua voz, constrõem um personagem magnífico, autêntico, simultaneamente frágil e violento.
E tem o George Clooney, incorporando um personagem rústico, depravado e confuso. A cena em que ele surta no parque, achando que todos à sua volta estão lhe vigiando é de chorar de rir.
E a trama? É um enredo totalmente mirabolante e inverossímil. A esposa do espião demissionário, a aristocrática Tinda Swinton, tem um caso com George Clooney e quer se divorciar. Aconselhada por seu advogado, rouba informações confidenciais do computador do marido e grava num CD. A secretária do advogado perde o CD na academia, e Brad Pitt, que faz um indefectível personal trainer, o encontra e, vendo que se trata de um CD com informações de um espião da CIA, pensa que se trata de informação valiosa, secreta. Junto com uma outra funcionária da academia, que anda desesperada para arrumar dinheiro para uma série de intervenções estéticas em seu corpo, resolvem chantagear Cox. Mas Cox se recusa a pagar qualquer coisa - e os dois chantagistas apelam para o plano B: vender o CD para os russos!
Não conto mais, apenas adianto que a trama absurda se complica e tem desfechos imprevisíveis. Mesmo sendo uma comédia leve, despretensiosa, o filme aponta caminhos importantes para o cinema americano, em virtude do primoroso desempenho dos atores e pelo incrível e hilário e original roteiro.
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Mais tarde, assistimos ao documentário Pan-Cinema Permanente, de Carlos Nader, sobre o poeta Wally Salomão. O filme foi precedido pelo curta Tira os Óculos e Recolhe o Homem, um trabalho bastante despojado e original de André Sampaio, que baseou-se numa história contada por Jards Macalé (estrela principal do curta) envolvendo ele mesmo e o grande sambista Moreira da Silva. O filme mistura desenho, caricatura, entrevista, musical, western e documentário ficcional. De início, pode-se pensar que se trata de mais um filme de galerinha, experimental e um pouco irresponsável, mas a história se desenvolve, entram novos elementos e o espectador se vê seduzido pela voluptuosidade e ritmo das cenas.
E começou o filme do Wally Salomão, com uma entrevista inusitada para um jornalista sírio, feita em árabe e inglês. A simplicidade educada e serena do repórter serve como excelente contraste para a energia explosiva, a espontaneidade, a paixão do poeta baiano.
Deu saudade de Wally. O filme mostra que a maluquice do poeta era pura inteligência, subversão, uma busca consciente da inocência, poesia e liberdade originais. Era um ser humano excepcional, dotado de uma generosidade absoluta, um espírito de total entrega à arte e ao homem. O documentário de Carlos Nader é criativo e movimentado, como o próprio Wally. A maior impressão que fica, após assistir ao filme, é da perda irreparável de Wally, morto precocemente em 2003, de câncer. Morreu no auge, após ganhar um prêmio Jabuti em 1997 e ser contratado por Gil como assessor do Ministério da Cultura, em 2003. Deu realmente muita saudade de Wally, essa figura tão próxima de todos, tão humana, tão simples, tão comunicativo e genial. Temos a sensação de que conhecemos centenas de Wallys Salomão, e que a sua morte não foi a morte de um homem só, mas uma morte de centenas, de milhares. Parabéns por Nader pelo resgate dessa figura inesquecível, insubstituível, esse guerreiro da subversão poética, esse defensor do homem enquanto animal que aspira a liberdade.
27 de setembro de 2008
Comédia brilhante dos Cohen & Saudades de Wally
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