6 de setembro de 2008

Faulkner & divagações & vendendo peixe

Estou lendo mais um livro do Faulkner, The Town, A Cidade. No original, porque sou chique. Do escritor americano, já li Santuário e alguns contos e também estou lendo O Som e A Fúria, em tradução de Fernando Nuno Rodrigues. Faulkner não é uma leitura fácil, mas é sempre gratificante. Seus personagens são pessoas simples: trabalhadores braçais, contrabandistas, doentes mentais, racistas, negros complexados & violentos. A velha e boa e esquisita raça humana, enfim.

O que me impressiona no Faulkner, e que gostaria de ressaltar aqui é como ele ilumina alma das pessoas, mostrando o quanto de dignidade, inteligência, sofisticação, sentimento, complexidade, intuição, humor e violência existe nas personalidades mais simples, mais ignorantes.

Por isso me aborrece sempre que leio um livro ou vejo um filme em que autores, sempre "bem intencionados", tentam retratar "pessoas do povo" e usam de condescendência e simplificação. Como se uma pessoa, por não possuir a "cultura oficial", fosse um ser humano menos complexo.

Há tempos que observo, no Brasil, a existência de um forte preconceito cultural. E que se consolidou em boa parte da nova geração de classe média alta - e por isso não consigo suportar a maioria dos blogs e sites de literatura. Como se uma pessoa, por ter lido Madame Bovary, fosse um ser humano superior. De um lado, um analfabetismo funcional, de outro uma veneração servil e exagerada e pedante à cultura livresca.

Sou um cara que lê muito. Desde garoto, leio muito. Mas faço isso sobretudo porque não sei fazer outras coisas. Não gosto de conversar, por exemplo. Conversar sempre me deu nos nervos. Só me sinto à vontade para conversar num botequim ou acompanhado de bebidas alcóolicas. Não é somente porque sou tímido. É pior que isso. É uma coisa meio sartriana, do tipo inferno são os outros. Não, pior. É que, conversando, a gente se vê num espelho, e eu não gosto do que vejo. E aí que eu desenvolvi uma rotina tão simplória, que até me constrange. A pessoa me pergunta: e aí, novidades? E vou responder o quê: ah, li mais um pouco do Faulkner hoje, é tão legal. E nem dá para contar a história, porque é complicado, estranho, e minha memória é arisca. Eu nunca me lembro daquilo que quero me lembrar. Se eu quero me lembrar de alguma coisa, imediatamente a coisa some da minha cabeça. É como se eu tivesse uma memória independente de mim mesmo, como se fosse uma autarquia rebelada, e isso também me enerva bastante porque, no momento de uma conversa, me faz parecer um velho esclerosado: sabe aquele ator... aquele... que fez o filme... aquele filme... o escritor tal...

Tranquilizo-me lendo, ou escrevendo, ou bebendo num botequim, o que faz de mim um boêmio clássico. Com um toque meio trágico e sertanejo, talvez. Daí meu gosto por política. Ela preenche - com perdão da viadagem - o vazio da existência. É um tema que exige pouca memória e o conhecimento de meia dúzia de fatos - o mais importante, para se alcançar um posicionamento político lúcido e original, é bom senso e intuição. O bom senso é o mais difícil. Geralmente, pessoas que lêem muito se tornam pavorosamente burras e preconceituosas, por um processo que ainda estou estudando - um dia escrevo sobre isso. Salvei-me disso porque tenho um talento nato para a matemática. Se não fosse jornalista e metido a escritor seria um matemático. A matemática não requer memória, apenas raciocínio, não necessariamente rápido, mas concentrado e livre de impurezas.

A intuição a gente desenvolve lendo poesia. Boa poesia, quero dizer, e se você não está seguro sobre o que é bom ou ruim em matéria de poesia, é melhor não ler poesia alguma, porque a pior forma de envilecimento é a leitura de má poesia. Uma das minhas frases preferidas é que o "pior burro é o burro que lê". Existe uma presunção idiota de que basta ler um livro para se tornar inteligente. Não é assim. Literatura não deixa ninguém mais inteligente. Ao contrário. Deixa o cara mais burro, mais fraco, mais covarde. Não é à tôa que Sócrates quis banir a poesia da República. O único benefício da literatura é o prazer estético. É como beber uma caipirinha, um uísque doze anos, comer um risoto de camarão. Com a diferença que o órgão acariciado não é o estômago, mas a alma. Ler boa poesia, ajuda a desenvolver a intuição - mas, pensando bem, só para poesia. A intuição para a política, se desenvolve, acho eu, através de muitos anos de longa e meditada e crítica leitura de jornais. Eu sempre fui fanático por jornais, desde garoto. E a prática desse jornalismo especializado, econômico, matemático, e ao mesmo tempo fortemente político, que foi a minha experiência como dono e editor de uma publicação voltada para o setor cafeeiro, também me forneceu subsídios legais para exercer jornalismo independente. É muito bom ser dono da plataforma onde você escreve. O meu registro de jornalista no Ministério do Trabalho é como Diretor de Empresa Jornalística. Por isso sou blogueiro. O blogueiro, em vários aspectos, é o anti-jornalista. É parcial, político, insolente. Num colunista de jornal impresso, essas características são irritantes, porque você não pode responder. Num blogueiro, são quase obrigatórias, porque o leitor pode interagir imediatamente, liberando-se facilmente da tensão ou admiração provocadas.

Enfim, o complicado, naturalmente, é ganhar a vida. Para ter independência, não tenho ilusões quanto a isso, é preciso ser rico, ganhar mesada ou ser maluco. Eliminadas as duas primeiras opções, restou-me a terceira. Por isso agradeço quase com lágrimas nos olhos aos diversos leitores que estão sempre demonstrando preocupação com minha saúde financeira. E mais ainda àqueles que decidiram assinar a Revista Manuskripto. Esse primeiro número foi apenas um aperitivo. Irei caprichar muito mais na segunda edição, que lançarei ao fim do mês corrente (a primeira foi lançada no dia 24 de agosto).

Assinem a Manuskripto, meus amigos! Vocês não apenas estarão ajudando a patrocinar este combativo blog, mas principalmente tendo acesso a um projeto original. Bem, o peixe foi vendido. Boa feira pra todos.

1 comentário

Anônimo disse...

MUITOMOMPERDIMEUTECLADOMORVAEU

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