14 de setembro de 2008

Rápidos esclarecimentos de um neófito em cinema

Está acontecendo o seguinte. A minha mulher está produzindo e dirigindo um curta-metragem, intitulado Maria, e eu tô dando assistência de produção. Isso quer dizer que limpei minha conta bancária e meu cartão de crédito - quer dizer, os R$ 80 que ainda tinham lá, para ajudá-la a finalizar o filme. Porque existe o filme de baixo orçamento e existe o filme de orçamento zero. Mas prestem atenção ao profissionalismo. Qualquer um pode fazer um filme sem dinheiro. A Priscila tá fazendo um filme sem dinheiro com todos os recursos de um filme com dinheiro. Tem eletricista, assistente de eletricista, câmera, diretor de fotografia, diretora de arte. Não tem ninguém passando fome. Ela, com seu charme de intelectual bonita do subúrbio, consegue apoio de restaurantes e firmas de transporte e a galera passa melhor do que em muito filme com recurso sobrando mas muquinaragem sobrando mais ainda. Tem apoio do sindicato, dos amigos, o escambal, e eu tô trabalhando duro.

Na sexta-feira, logo após de publicar o comentário abaixo, com o texto da Caia Fitipaldi, os eletricistas chegaram. A cena seria rodada no meu próprio apartamento. E tive que desligar o computador e deslocar a mobília de um lado a outro. O apartamento ficou de pernas para o ar. Depois chegou a equipe toda. Mais de dez pessoas no meu quarto e sala.

Quando terminou, meu telefone não funcionava mais, nem a internet. E no dia seguinte, mais trabalho. Peguei um trem para Santa Cruz para pegar três caixas de guaracamp, que a gente distribui geladinho pra equipe - tô falando, que a produção é pobre mas generosa. Chegando lá, me dei conta que esqueci o carrinho e tive que trazer no braço uns cinquenta quilos - sorte que encontrei um rapazinho que me ajudou em troca de 1 real e um guaraná.

Ontem teve outra gravação, no sobrado do pessoal da Clarabóia (ateliê e galeria), onde foram filmadas quase 20 cenas. Um vernissage e uma festa. Eu produzi parte da festa. As bebidas, comprei na Sendas com o restinho do cartão (aqueles R$ 80 de que falei) e alguns trocados que apareceram miraculosamente em minha conta. Umas sessenta cervejas, duas garrafas de vodka, limões. Sem pagar cachê pra figuração, o mínimo que podíamos fazer era botar a bebida. Levei o meu isopor, comprei gelo e preparei tudo. Depois ainda fiz, de improviso, o DJ da festa. Tive sorte em encontrar bons cds. Rain Dogs, do Tom Waits, e Lou Reed. O ator veio me pedir para eu tocar de novo Walk on the Wild Side, para rodar a cena em que ele e a protagonista dançam juntos.

As coisas aconteceram tão rápido que nem tive tempo de ficar com raiva do comentário abaixo da Caia. Ela teve sorte, porque eu vinha com uma bomba de mil megatóns pra cima dela. Agora a raiva passou, ela inclusive escreveu uma mensagem pacificadora, talvez temendo a resposta que eu daria. Nem tô pensando mais isso. Estou numa lan house da rua do rezende, uma dessas ruas do centro do Rio que eram tão bonitas e importantes no século XIX e hoje foram abandonadas pela prefeitura. O centro do Rio está completamente largado e se não estou satisfeito com a possibilidade de Crivella ou Eduaro Paes levarem a palma, tranquilizo-me pensando que, ao menos, o maluco do César Maia vai pendurar as chuteiras - a sua candidata, Solange Amaral, continua dando traço nas pesquisas.

Pensei umas coisas hoje. Tudo começa pelo debate. A revolução francesa teve início com a turma do Voltaire trocando farpinhas ideológico-literárias e o primeiro livro de Marx - A Miséria da Filosofia - foi uma resposta ao livro do Proudhon - Filosofia da Miséria. Procuro sempre elevar o debate político a um grau mais elevado, de maneira a destilar melhor a cachaça ideológica que move os mundos.

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Estou preocupado com a situação da Bolívia sim, mas, sinceramente, para mim o Evo Morales não devia nem conversar mais com os racistas. Devia somente ordenar que baixassem o cacete - pelo que eu sei, numa democracia, o Estado tem o monopólio da violência, e se existe alguém nesse mundo que merece apanhar, são esses racistas débeis mentais, mimados e endemoniados que infectam as províncias ricas da Bolívia. Eles querem de volta os 30% de imposto que Morales desviou para pagamento de aposentadoria, mas é irracional, porque Morales conseguiu aumentar a renda da estatal de gás em mais de 300%, através da nacionalização e de uma negociação mais soberana com os principais compradores. Ou seja, as regiões ricas da Bolívia estão ganhando muito mais dinheiro agora do que antes. Ainda querem dar golpe. Não tem jeito. Tem que baixar o cacete nesses fdp.

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Quanto à minha polêmica com o Eduardo Guimarães, vamos pôr uma pedra no assunto. Eu nunca briguei com o Eduardo. Gosto muito dele para isso. Rolou uma faísca porque ele, de fato, vacilou, com aquela história de defender caninamente o Azenha. O irônico é que, mesmo concordando totalmente comigo naquela questão, foi pra mim que ele arraganhou os dentes. Muita gente ficou fula da vida com o Azenha e pegaram pesado com ele, tanto no blog do Eduardo como do próprio Azenha, mas eu não tenho nada a ver com isso. Minha crítica, como sempre, foi elegante, com incursões filosóficas, etc, enfim, o meu costumeiro estilo barroco, misturando Descartes e Rimbaud, que confunde algumas pessoas, como a tal Fitipaldi. A reação do Eduardo para defender o Azenha foi totalmente desproporcional, como se o Azenha precisasse desesperadamente de alguém que o protegesse. Enfim, deixa pra lá. Temos coisas mais importantes a fazer do que perdermos tempo com essas futricas de internet. Eu talvez tenha errado em dar trela, criando esse pequeno escarcéu entre meu público tão gente boa. Fiquem tranquilos, que nunca vou transformar esse blog em baixaria. O nível aqui sempre vai continuar alto. Mas o debate é fundamental.

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Agora tenho que voltar ao meu trabalho de assistente de produção. Tenho que resolver o lance da internet. Volto assim que for possível.

5 comentarios

José Carlos Lima disse...

que bom que tudo passou.
nossos inimigos sao outros.
se eu morresse hoje lamentaria ter tratado com desinportancia algumas pessoas

Anônimo disse...

Que bom, esse é o Miguel que admiro.
Bom trabalho e obedece a Priscila heheh.

Anônimo disse...

Miguel, desculpe-me por falar sobre assunto que não tem a ver com esse post, mas vc poderia, por favor, se é que já não leu, ler e dar a sua opinião sobre esse post do Nassif: http://www.projetobr.com.br/web/blog?entryId=8997.
Estou abalada.
Obrigada, abraços.

Miguel do Rosário disse...

Oi Stella, leia a atualização do comentário do mesmo link que voce me enviou. O importante é entender que essas intrigas são complexas demais para termos a pretensão de penetrá-las facilmente. Por enquanto, prefiro acreditar em fatos. Dantas foi preso. Não só ele, toda a sua família e todos os diretores de sua empresa. Parte de seus bens foram arrestados, computadores apreendidos. O processo está sendo investigado por Ministerio Publico, Justiça e PF. Esses são os fatos. O resto são intrigas palacianas, quase sempre favorecendo Dantas.

Anônimo disse...

Oi Miguel, eu fiquei a tarde praticamente inteira lendo tudo o que podia a respeito; eu não comprei a história tal qual foi postada pelo Nassif; o que me deixou acabada na verdade é alguém com a credibilidade do Nassif apresentá-la como fato. Na verdade, esse post me lembrou aquele outro polêmico do Azenha, os vários do PHA, diferentes na forma, mas muito semelhantes no conteúdo, embora os outros tenham sido apresentados como opinião e esse como fato. Não sei qual é a intenção por trás desse tipo de post: independência, furo de reportagem, estimular atitudes do governo, mas a meu ver eles não ajudam em nada à luta dos que realmente querem um país melhor. Mesmo desmentido, ouvindo-se o outro lado, algum estrago já foi feito. Acredito que quanto maior a credibilidade do jornalista, maior a responsabilidade do que ele divulga. Foi isso, exatamente, o que me abalou tanto.
Muito obrigada pelo seu retorno e atenção.

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