13 de agosto de 2011

É a saúde, estúpido!

A última pesquisa CNI/Ibope mostra uma forte erosão da popularidade da presidente. O percentual de insatisfeitos subiu de de 12% para 25%, e o de aprovação caiu de 73% para 67%.

Não é o caso, porém, de alarmismo. Poucos presidentes no mundo detêm índices de aprovação semelhantes. FHC raras vezes gozou de tanta popularidade quanto Dilma tem agora. Além disso, Dilma tomou medidas duras e impopulares neste início de governo. Cortou gastos, aumentou juros, suspendeu novas contratações. Medidas que quase todo governo deixa para adotar em seu primeiro ano, até para que possa afrouxar um pouco nos anos seguintes.



Em primeiro lugar, devemos fazer uma análise sem emoção, objetiva. Colegas blogueiros e alguns comentaristas estão repercutindo todo tipo de boato apocalíptico. Eu não sei se o Dirceu disse que Dilma estaria cometendo "erros políticos primários" e que nesse ritmo talvez nem concluísse seu mandato. O que eu sei é que Dilma substituiu Dirceu na Casa Civil e conseguiu, enfim, fazer o governo Lula deslanchar. Sei que Dirceu era o possível candidato à presidência, o homem forte de Lula, e de repente sua carreira virou fumaça e Dilma teve a sua chance - e foi ela que se tornou presidenta. Sei que foi Dirceu quem esteve a frente do escândalo do mensalão, que revelou, aquilo sim, uma sucessão lamentável de "erros primários" que traumatizaram o país e quase provocaram o impeachment do presidente. Até o momento, portanto, quem não concluiu seu mandato foi Dirceu, não Dilma. Quem quase não chega ao fim de seu governo por conta de "erros primários" foi Lula, e justamente por culpa (em parte, ao menos) de seu então ministro da Casa Civil.

Enfim, devemos evitar ilações apressadas, como atribuir a queda de popularidade à ida de Dilma à festa de 90 anos da Folha ou à sua postura cordial para com o príncipe da oposição, Fernando Henrique Cardoso. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Eu agora tenho uma posição bastante crítica em relação às políticas de banda larga do Planalto, mas continuo achando que Dilma agiu com sabedoria ao procurar distender a tensão eleitoral e tentar estabelecer um diálogo sereno com as forças de oposição. 44 milhões de brasileiros votaram em José Serra, e a presidenta tinha obrigação de não apenas fazer declarações vazias sobre "estender a mão" a todos os brasileiros, incluindo os que não votaram nela. Ela tinha que fazer isso na prática, e nada mais efetivo do que participar de um evento na Folha, órgão que se notabilizou por sua postura fortemente oposicionista contra a candidata e contra o mentor dela, o ex-presidente Lula. As gentilezas feitas a FHC conseguiram, por sua vez, neutralizar de maneira formidável os ataques hidrófobos de nossos arremedos de membros do Tea Party.

Também acho que é bobagem essa postura draconiana e intransigente de exigir que o governo Dilma seja uma "continuidade" absoluta do governo anterior. Não se pode confundir uma linguagem eleitoral com a realidade cambiante do horizonte político. Nem se Lula fosse eleito para um terceiro mandato poderíamos ter uma continuidade absoluta. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Querer continuidade à todo custo é irracional

As causas da erosão da popularidade de Dilma são muito mais concretas do que essas polêmicas sobre se foi correto ou não ir à tertúlia da Folha. O povo não está nem aí para essas picuinhas da blogosfera. Os números do Ibope mostram que o declínio na aprovação da presidente é a forma pela qual a sociedade cobra melhores políticas de saúde pública, dentre outras demandas similares (educação, combate ao desemprego, etc). Além do mau humor inevitável que todo cidadão sente em relação a seus governantes, passada a embriaguez eleitoral. O percentual de pessoas que desaprovam as políticas públicas de saúde cresceu de 53% em março para 69% em agosto.



O aumento de matérias negativas na imprensa também influenciou. Cresceu de 7% para 25% o número de pessoas que consideraram "desfavoráveis" as notícias do governo na mídia. Vale lembrar que não estamos falando aqui dos jornais da classe média (Globo, Folha e Estadão), mas do noticiário em geral, que engloba rádio, tv e jornais populares.



A popularidade da presidente, por segmentação de renda, apresenta especificidades interessantes. A mais notável é que, na contramão da média, a imagem do governo apresentou melhoras pontuais entre as faixas de renda mais altas. Na pesquisa Ibope de março de 2011, exatamente zero por cento das famílias com renda superior a 10 salários mínimos consideravam o governo "ótimo". Hoje, este percentual é de 7%. Entretanto, também entre os mais ricos, subiu de 0 para 12% o percentual de "ruim".

Notemos ainda que entre os mais pobrinhos (até 1 salário), o percentual dos que acham o governo Dilma "ótimo" cresceu de 9% para 11%; mas também cresceu de 2% para 8% os que o acham ruim.

De maneira geral, nota-se crescimento principalmente da nota "regular", o que é muito saudável, pois pressiona o governo a trabalhar mais para melhorar sua avaliação.



(Clique nas tabelas para vê-las por inteiro).

Os dados mostram uma evolução até certo ponto natural num governo que ainda não teve tempo de se desvencilhar dos problemas típicos de um começo de mandato. A lua de mel da população para com um governo recém-eleito, que ela ainda não conhecia, terminou. Como também encerra-se a transferência de popularidade de uma figura de contornos quase míticos para uma mulher cuja personalidade ainda é um mistério para a maioria dos brasileiros.

Os números da aprovação pessoal da presidente segmentados por faixa de renda também trazem dados  negativos para Dilma:


Note mais uma vez como diminuiu o número de pessoas que disseram "não saber" ou "não responderam" à pergunta.

A partir do momento em que a população percebe que os serviços públicos de saúde permanecem de péssima qualidade, não há como segurar a maré: o desencanto sobe como uma onda inevitável, estourando na praia da impopularidade. A sociedade brasileira está mais exigente. Não bastam programas sociais para aliviar o descontentamento secular do povo.

De qualquer forma, não é sensato querer que um governo mantenha índices de popularidade eternamente nos píncaros. Sarkozy, Piñera e Obama venderiam a alma para exibirem o nível de aprovação que Dilma tem hoje, e que possivelmente é superior ou similar ao de Hugo Chávez, Evo Morales e Cristina Kirchnner.

As complexidades da sociedade brasileira, com setores exigindo demandas fortemente antagônicas entre si, tendem a se agravar na medida em que o país se desenvolve. A tendência não é as coisas ficarem mais fáceis para Dilma, e sim complicarem-se. É gente puxando de um lado, gente puxando de outro. Por exemplo, se o governo concedesse, de uma só canetada, todos os aumentos que o funcionalismo público exige (e em alguns casos, com a mais absoluta razão), o país quebraria, e aí ninguém teria aumento, nem no setor público nem no privado. Pior, além de não ter aumento, perderiam o emprego.

Devemos, por isso mesmo, focar nossa atenção nos dados primários da economia, porque, num ambiente sem mudanças bruscas na orientação ideológica do governo, são estes que irão determinar variações concretas, não-sazonais, na avaliação das autoridades e tendências eventuais à alternância de poder. Falei em mudanças na orientação ideológica porque lembrei do Chile, onde a eleição de Piñera levou ao poder um grupo ainda identificado com o pinochetismo e defensor de políticas neoliberais, pressionando as forças políticas organizadas a adotarem uma postura de enfrentamento, a montar piquetes na porta da república, para que o governo não lhes roube seus já combalidos direitos trabalhistas e sociais, para mostrar ao governo e a toda sociedade chilena, que desejam ver esses direitos ampliados - e estão dispostas a lutar por isso.

No Brasil, temos um governo de orientação ideológica similar ao anterior. As acusações de conservadorismo de alguns setores à Dilma repetem rigorosamente a agenda de pressões corporativas, justas ou não, que vimos no início da era Lula. No começo de qualquer governo, os agrupamentos (sindicatos, movimentos sociais, associações estudantis) fazem barulho, agitam, organizam manifestos, com objetivo de se auto-afirmarem como instâncias políticas influentes. É um processo às vezes doloroso, mas bonito e necessário, que faz nascer uma dialética sangrenta e obscura, a luta entre as exigências de justiça social e os limites do regime democrático. E onde nem sempre os mais "bonzinhos" tem razão. Tomar uma decisão sábia não é partir o bebê ao meio.

O resultado destes embates só pode ser corretamente ponderado através de avaliações objetivas da situação econômica e social. Ou seja, mais do que a oscilação volátil da popularidade da presidente, o que vai fazer a diferença nas próximas eleições e no futuro do país é o trabalho e a competência do governo em controlar a inflação, aprimorar os serviços, fazer as obras de infra-estrutura, combater a pobreza, e tudo isso sem prejudicar o equilíbrio das contas públicas; enfim, governar de maneira efetivamente progressista, mesclando humanismo social, engenhosidade econômica e, naturalmente, inteligência política.

Fontes para esse post:
1) Pesquisa CNI Ibope de agosto/2011.
2) Pesquisa CNI Ibope de março/2011.

PS:

O Conversa Afiada traz dados que reforçam os argumentos desse post. Como o gráfico abaixo, por exemplo. Repare que Dilma está à frente inclusive do Lula 1.


16 comentarios

Anônimo disse...

Valeu, Miguel. Estava com saudades de suas análises.

Eduardo F.
Niterói

Anônimo disse...

Não tenta tampar o sol com a peneira. O governo Dilma está derretendo a olhos vistos.

Robert Zuck Filho
SP

P. P. P. disse...

'Além do mau humor inevitável que todo cidadão sente em relação a seus governantes, passada a embriaguez eleitoral.'

FRASE LAPIDAR...... PARABÉNS

Gilberto disse...

Excelente análise.

Anônimo disse...

Assim como o Eduardo F., estava com saudades das suas análises políticas, sempre sensatas.
Também achei um completo absurdo dizerem que a queda da popularidade deve-se à visita à Folha e às gentilezas com FHC. Análise simplista ao extremo, digna de quem não entende nada de política.
Concordo com muita coisa do que voce disse, e acrescentaria apenas um fator: acho que a comunicação do governo está muito tímida.
Lula fazia ele mesmo a comunicação, com seu insuperável carisma político. Qualquer outro governo, de posição trabalhista, tem que suar muito a camisa para contrabalançar a avalanche contrária da nossa velha mídia velha de guerra.
Refiro-me mais especificamente ao seguinte aspecto: o governo não pode deixar a velha mídia bater na tecla única que Dilma está fazendo uma faxina. Isso pode até parecer bom para parte da população, mas esse discurso único traz dentro de si uma armadilha, pois o que realmente interessa para a maior parte das pessoas mais dependentes do Estado (classes C, D e E) é a melhoria das condições de prestação de serviços sociais e econômicos por parte do Estado.
Diga-se inclusive que Dilma está efetivamente fazendo isto, e tomando medidas importantes para priorizar o combate à pobreza e a saúde econômica do país num cenário de turbulências externas. Mas deve também pautar de forma incisiva a comunicação com setores da população, para mostrar que muito do que realmente interessa ao dia a dia das pessoas está sendo comandado pelo Governo.
Ou seja, tem que mostrar que o que está sendo providenciado é muito mais do que apenas fazer "faxinas".

Cláudio Freire

José Carlos Lima disse...

Mesmo Lula buscou esta distensão com a imprensa.
O PHA não se cansava de dizer que Lula tinha medo, e fazia isso quando não comprava a briga contra o PIG.
O Brasil é um país bem mais complexo do que a Venezuela.
Dilma está no caminho certo e se não tivesse a imprensa não estaria fazendo esse barulho todo por nada.

Spin

Anônimo disse...

Leia este texto do Renato Rovai sobre a necessidade da reforma política

http://www.revistaforum.com.br/blog/2011/08/12/dilma-e-a-montanha-russa-enferrujada/

Paulo

Miguel do Rosário disse...

Oi Paulo, eu li o texto de reforma política. Eu já me desencantei um pouco com a reforma política. Não acho que seja esse maná dos céus. Acho ainda que o meu chapa Rovai esquece que a "faxina" da Dilma não é simplesmente uma decisão política, mas um imperativo moral ditado pela explosão de escândalos, e que ela tem de tomar decisões rápidas em linha com a sua consciência.

José Carlos Lima disse...

Sim, as notícias negativas influenciaram
Dilma tem trabalhado muito mas a imprensa passa a impressão de que ela(Dilma) só demite demite
Quando a presidenta aparece em alguma obra ai a mídia é obrigada a mostrar para não dar muito na cara
Na Era FHC esta mesma imprensa era cega, surda e muda diante do mar de corrupção, inclusive há quem se vanglorie ao dizer que "havia modos" na corrupção tucana, segue link

http://www.advivo.com.br/blog/iv-avatar-do-rio-meia-ponte/o-incrivel-aa-dizendo-que-havia-modos-na-corrupcao-tucana

Jorge Santos disse...

As férias da militância política na Web renderam bons frutos. O artigo está muito bom Miguel. É impressionante como os bonecos bem pagos da imprensa véia não adotam uma análise sincera e fria sobre os fatos. Devem ser os idiotas do Jobim (o mesmo disse que eram jornalistas). Parebéns pelo post.

Jorge Santos disse...

Para quem não conhece a história, a decisão de partir ou não o bebê ao meio está na Bíblia, Rei Salomão, o sábio. Você tocou também num ponto crucial, a recente revolução no Chile. Temos poucas informações sobre aqueles eventos, seja na mídia ou na blogosfera.

Com relação à queda de popularidade em razão da horrível prestaçãod e serviços na área da saúde, vale lembrar que jornalistas malignos depositam tudo na conta do governo federal. Chega a ser um argumento infantil criticar Dilma pela saúde e deixar os senhores Paes e Cabral nadar de braçada nessa área. Em São paulo o Alckmin tem cometido uma imprudência: dedicou 25% dos leitos hospitalares para os planos de saúde. Jornalistas malignos disseram a mesma coisa quando ocorreram os desastres em Friburgo. Criticaram Dilma pelo porque o GF não havia liberado verbas para prevenção de acidentes, mas Dilma deixou bem claro que o GF precisa receber os projetos com antecedência para liberar verbas, pois se as verbas fossem liberaras à revelia poderia ocorrer desvios. Não deu outra.

Falta honestidade nas análises políticas, Miguel. Precisamos de analistas políticos honestos que produzam análises desprovidas de ideologias de direita, centro ou esquerda.

Rogério Floripa (Pra não homenagear Floriano) disse...

Isso só mostra o quanto ela será melhor que Lula.


Documentário - Entreatos.- Lula: 30 Dias do Poder - Documento dos primeiros 30 dias
de Lula como presidente http://fwd4.me/089h

Luiz Monteiro de Barros disse...

A cada dia, convivemos com um recado para Parla Dilma e com analises como esta fazendo o equilibrio.
Parabens.

Anônimo disse...

Concordo com sua análise, Miguel. Lê-lo é como abrir uma janela e receber uma lufada de ar fresco.

Otto

kalango Bakunin disse...

Na semana que vem, o Congresso poderá votar um projeto de lei que restringiria radicalmente a liberdade da internet no Brasil, criminalizando atividades on-line cotidianas tais como compartilhar músicas e restringir práticas essenciais para blogs. Temos apenas seis dias para barrar a votação.

A pressão da opinião pública derrotou um ataque contra a liberdade da internet em 2009 e nós podemos fazer isso de novo! O projeto de lei tramita neste momento em três comissões da Câmara dos Deputados e esses políticos estão observando atentamente a reação da opinião pública nos dias que antecedem à grande votação. Agora é nossa chance de lançar um protesto nacional e forçá-los a proteger as liberdades da internet.

O Brasil tem mais de 75 milhões de internautas e se nos unirmos nossas vozes poderão ser ensurdecedoras. Envie uma mensagem agora mesmo às lideranças das comissões de Constituição e Justiça, Ciência e Tecnologia e Segurança Pública e depois divulgue a campanha entre seus amigos e familiares em todo o Brasil!

VAMOS DERRUBAR O AI-5 DIGITAL PROPOSTO PELO “ÇENADOR” GARRASTAZU AZEREDO, INVENTOR DO MENSALÃO DA DEMOTUCANARIA!!!

Aqui vai o site do abaixo-assinado para derrotar mais uma vez a ditadura, seus filhotes e netinhos.

http://www.avaaz.org/po/save_brazils_internet/?copy

Anônimo disse...

sr. miguel,
com a maior satisfação eu vi aqui minha própria opinião escrita, muito melhor do que eu saberia escrever.
ainda melhor porque fundamentada com tabelas e comparações pertinentes.

compreendo a discordância de outros blogueiros progressistas. a meu ver isso acontece devido a diferença de temperamento. alguns acham que a presidenta deva ir à luta, com a faca nos dentes.

dilma com a responsabilidade e sensibilidade que tem vai um pouco mais devagar, "comendo pelas bordas" e vem realizando um ótimo início de governo,tomando as decisões necessárias cada uma a seu tempo. eu considero corretíssimos os pesos e as medidas da nossa presidenta dilma.

um problema que persiste é a desonestidade do "pig". isso influência a percepção que o povo tem do governo. agora que a direita que defendia simbioticamente os interesses do "pig" foi apeada do poder, esse mesmo "pig" tornou se cada vez mais partidário e mentiroso.
na última semana a globobo passou vergonha no mínimo tres vezes. plim plim!

avalio que "pig" definharia ainda mais rápido se o governo levasse internet de banda larga livre e barata para todos os brasileiros.
feito isso não teríamos necessidade da tal lei de mídia.
emerson57

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