10 de agosto de 2011

Molho persa


(Cristo, por Delacroix. Obs: não tem nada a ver com o post,
mas é que achei muito bonita essa imagem)

A volta de Amorim ao governo federal desfaz alguns mal entendidos que haviam assolado a diplomacia brasileira. Companheiros mais afoitos partiram para cima da política externa com olhos injetados, confundindo as bolas: o Brasil tinha apoiado o programa nuclear do Irã, mas isso jamais significou que se tornara um aliado incondicional dos persas. Não faria sentido nenhum, por nenhum cálculo geopolítico ou moral, o Brasil ser "amiguinho do Irã". As palavras são de Celso Amorim, em entrevistas publicadas hoje no Globo e na Folha:

Folha - Uma das mais fortes críticas que oficiais militares fazem ao sr. é justamente a ligação com o Irã.

Nós nunca ficamos amiguinhos do Irã, e o Irã jamais foi uma prioridade da nossa política externa.  (...)

Creio que, se Amorim acreditasse que Dilma houvesse destruído tudo o que ele fez em política externa, não aceitaria um cargo tão importante em seu governo. Da mesma forma, entendo que se Dilma fosse adversária das posições de Amorim durante a gestão dele no Ministério das Relações Exteriores, não o teria chamado para assumir a pasta da Defesa.

Além disso, agora sabemos que Nelson Jobim havia sido imposto por Lula. A presidenta sempre quis Amorim no lugar dele. Bem, isso é o que tenho lido, e devemos ter prudência em relação a esse tipo de fofoca. Voltemos às declarações de Amorim em entrevista hoje para o jornal Globo:

Globo: Este ano, o senhor escreveu um artigo criticando o voto do governo Dilma sobre a decisão da ONU de enviar um relator de direitos humanos ao Irã. O que mudou agora?

Amorim: Não estava no governo. Agora que voltei, sou solidário às posições do governo.

Claro, a gente dá um desconto. Amorim não é bobo de fazer qualquer declaração que desautorize o governo em sua primeira entrevista. Mesmo assim, é um diplomata de primeira grandeza e saberia muito bem escapar pela tangente se tivesse uma opinião dura sobre o episódio. Isso confirma a tese que defendi aqui, de que as palavras de Amorim foram vítimas de proselitismo ideológico. Por culpa também um pouco dele. O ex-chanceler sentira-se humilhado pela maneira como a imprensa tratou a suposta mudança na orientação da política externa. Na verdade, não houve mudança significativa, mas sim um ajuste às novas circunstâncias, como deve ser. O compromisso da política externa brasileira é com a soberania brasileira, não com o Irã. A gente apoia o Irã quando é o caso de apoiar. E não apoia quando é o caso de não apoiar. Isso é independência. O artigo de Amorim na Carta Capital era mais uma defesa de sua atuação à frente da chancelaria do que um ataque ao alinhamento do governo à decisão da maioria da ONU (incluindo Argentina e vários colegas nossos) de enviar um relator especial de direitos humanos ao Irã.

Sabemos que há instrumentalização geopolítica da ONU e isso é revoltante. Mas na diplomacia, assim como nas artes marciais, pode-se usar a força do fortes contra eles mesmos. O pau que bate no Irã pode bater, daqui a pouco, em outro país. Desde que amparado em razões sólidas de direitos humanos, e que a discussão se dê no fórum adequado, que é a Comissão de Direitos Humanos da ONU, então está tudo bem. O que não pode é discutir direitos humanos na Assembléia Geral nem se condenar injustamente no Conselho de Segurança, porque essas são as instâncias que produzem guerras e sanções econômicas que afetam gravemente os povos envolvidos. Na verdade, as sanções econômicas contra o Irã é que são um atentado aos direitos humanos.

Em relação à Síria, eu acho que a diplomacia brasileira poderia ser mais dura. Entendo, porém, que estão todos muito apreensivos com a possibilidade de eclodir uma outra guerra civil na região. Além do mais, a gente nunca sabe se os serviços secretos americanos estão envolvidos, o que não seria nenhuma surpresa, visto que o regime sírio há tempos é um adversário dos ianques. Enfim, por via das dúvidas, melhor mesmo não se meter.

O banho de sangue que tomou conta da Líbia nos revela que a ONU perdeu a mão naquele país. Num primeiro momento, a ONU teve apoio da Liga Árabe, de intelectuais e ativistas de direitos humanos do mundo inteiro. Todo mundo queria ajudar o povo líbio a reivindicar democracia e liberdade. A confusão foi grande, porque Kadaffi tinha prestígio junto a setores da esquerda, em virtude de suas posições independentistas. Alguns mencionaram a boa posição da Líbia no ranking da ONU para qualidade de vida. Mas Kadaffi é um ditador e o regime líbia é uma ditadura odiosa, e o apoio dos meus colegas de esquerda a um tirano é lamentável, sobretudo num momento em que as populações árabes se manifestam de maneira tão vigorosa por mais liberdades civis e políticas. Infelizmente, o fato da Líbia ser um grande produtor de petróleo fez Europa e EUA virem com demasiada sede ao pote, revelando - aos próprios líbios e a todos nós - antes um anseio imperialista do que o desejo de proteger civis.

10 comentarios

Antonio Hermes de Souza disse...

Grande Amorim, ele e Patriota formarão uma grande dupla para modernizar e fortalecer a nossa política externa e militar!

Marola disse...

Vc deixou Israel fora da equação (como fazem habitualmente os comentaristas brasileiros que costumo ler). A atuação da Asbara israelense na América Latina é real e palpável. Há pouco um festejado colunista sugeriu, ou melhor "instou", o governo brasileiro a assinar o Protocolo Adicional do TNP. O objetivo disso é notório, isolar o Irã e com isso fortalecer o "outro lado".

Não vi ninguém, nem o governo nem a oposição, protestando contra o uso, por parte do exército israelense,de artefatos explosivos contendo fósforo branco contra populações civis indefesas em Gaza quando da invasão, porque então a indignação seletiva com o regime dos mullahs?

Afinal, quem é que dita essa porra dessa agenda?

Noutro dia me peguei assistindo na TV Teresa Berguer (?) uma deputada estadual judia esbravejando contra o Ahmadinejad num canal local do legislativo estadual, e eu ruminando, mas que diabos tem o Ahmadina a ver com os problemas das enchentes em Friburgo?

Holocausto agora é história a ser obrigatóriamente contada nas salas de aula.

Outra coisa, me parece ridícula essa estória de ficar pontificando sobre violação de direitos humanos em outros países. Nossos feitos nesse campo, não são das mais entusiasmantes.

Arrisca a ouvir um "macaco, olha o seu rabo".

Por que será que os bandidos detidos em alguma operação policial sempre são apresentados frente às câmeras sem camisa ? Ranço da escravidão? Ou será isso a forma tupiniquim do perp walk?

Miguel do Rosário disse...

Marola, eu acho que o Brasil também deve ser condenado pela Comissão de Direitos Humanos da ONU por suas violações em presídios, tratamento a crianças, etc. Aliás, já acumulamos várias advertências nesse sentido.

Desde que seja discutido na Comissão de Direitos Humanos, e que não embuta sanções econômicas, quanto a ONU for severa contra violaçoes, melhor. Israel já foi condenado diversas vezes na Comissão. O problema é que o Conselho de Segurança é pequeno e fechado. Por isso, a maior demanda do Brasil é ampliar o Conselho de Segurança, para que as condenações de direitos humanos à Israel, por suas violências contra os palestinos, sejam efetivas.

Miguel do Rosário disse...

digo, quanto mais a ONU for severa, melhor.

Marola disse...

Por que será que o tema da luta contra as violações de direitos humanos sempre vem acompanhado de oportunismo e doses cavalares de hipocrisia tanto da esquerda quanto da direita?

Será talvez por essas correntes compartilharem as mesmas origens? Brancos se entendendo?

Quanto ao assento no CS, EUA e China acham que ainda é cedo pro Brasil entrar, sem falar que se o Brasil entra, Japão e Índia vão querer tbm, e isso não é do gosto dos chineses. Honestamente, não vejo como, dada a balança de poder vigente no mundo hoje, o Brasil contornar esses obstáculos.

Enquanto a direita brasileira continuar pautando a narrativa e a esquerda se contentar em aceitar os fundamentos dessa mesma narrativa sem os questionar mais detalhadamente, acho improvável qualquer mudança significativa nesse enrêdo cansativo.

Miguel do Rosário disse...

Marola,

as condições para ampliar o CS são melhores agora do que antes.

Concordo contigo sobre a narrativa, isso é um problema grave. Mas que não será solucionado simplesmente transferindo a culpa de todos os males em Israel. É preciso, antes de tudo, fortalecer e democratizar a ONU.

Marola disse...

Em que consiste essa tal melhora de condições permanece um mistério para mim. Certo que o governo brasileiro tem sido mais explícito quanto às suas pretensões, e acho louvável que seja assim. quanto a conseguir seus intentos, aí acho mais difícil. A ver.

"Mas que não será solucionado simplesmente transferindo a culpa de todos os males em Israel"

Muito menos ignorando o seu "pivotal role" no processo. Detecto um certo acuamento seu em espinafrar Israel, uma aceitação tácita do enredo que sempre coloca Israel como vítima misturada com receios de que no caso de se comportar de outra forma, correr o risco de parecer anti-semita.

Miguel do Rosário disse...

Oi Marola,

Você detectou certo. A culpa da guerrinha eterna entre árabes e israel é mais americana e européia do que israelense. Mas não vou fingir que sou um especialista neste assunto. Não sou. Por isso mesmo não faço julgamento apressado de ninguém, nem contra os palestinos nem contra israel, apesar de não ser cego e entender muito bem que há um massacre contínuo do povo palestino.

ADNAN EL KADRI disse...

Miguel concordo com a análise do exitoso começo do Governo Dilma.
Não dá para não apoiar.
A primeira, a primeira vez mesmo que um governo ousou enfrentar a bastilha dos JUROS ALTOS no Brasil!
Dilma está do lado do desenvolvimento.
Os números da popularidade falam por si mesmos.
Ela bate Fhc de longe.
E está no mesmo nível de Lula o imbatível.
É a pura verdade.
Israel como disse o Marola é o que tem dose cavalar de culpa na prática do terrorismo de estado no Oriente Médio.
Agora, apoiar o futuro governo títere da Líbia, depois da OTAN despejar milhares de Tomahok, matando a população civil e destruindo a infraestrutura da Líbia, fica mais difícil.
Será que a bandeira rota do Imperialismo - a ditadura de Kadhafi - já não caíu por terra.
Veremos.

Miguel do Rosário disse...

essa matéria é antiga, adnan.

veja meu post mais recente.
http://oleododiabo.blogspot.com/2011/09/anti-imperialismo-tropical.html

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