15 de agosto de 2011

O discreto progressismo de Holliwood

(Naomi Watts e Valerie Plume, atriz e ex-agente da CIA, trocando figurinhas).


Fiz uma promessa toda pomposa aqui de escrever sobre outros temas que não política e o máximo que fiz foram dois posts em que me exponho como um boêmio falastrão. O terceiro post, com um vídeo caseiro do youtube para a música Melô do Bêbado, clássico do funk dos anos 90, também não ajuda muito a produzir uma imagem séria deste que vos fala. É que eu tenho mesmo essa implicância quase autodestrutiva contra a sisudez, que eu não sei porque associo à picaretagem. Na verdade, eu sou um humorista frustrado. Se tivesse mais talento, ganharia dinheiro fazendo stand up, mas como não tenho, restrinjo-me a escrever posts de política, posar de escritor in potential e fazer minha mulher rir com palhaçadas não-profissionais. E vou levando a vida e assistindo muitos filmes, que isso é o que importa.

Hoje à tarde assisti Árvore da Vida, de Terence Malick, um filme muito bonito, embora ficasse melhor com uma edição que lhe cortasse uns 20 ou 30 minutos. É um roteiro bem ousado, beirando o pretensioso, com efeitos especiais tão maravilhosamente trabalhados que intimidam qualquer mortal, sobretudo alguém proveniente de um país cujo cinema ainda é tão pobre nessa área. A história gira em três eixos, ou núcleos: o primeiro, com Brad Pitt, mostra as alegrias e tristezas de uma família média americana dos anos 50; o segundo é uma sequência de efeitos especiais que descrevem, em imagens, a origem da vida; o terceiro, que é um núcleo menor, tem cenas com Sean Penn, nos dias de hoje. Um mexidão interessante: um dramalhão familiar bem morno; cenas de science-fiction; e um final meio previsível que me lembrou o filme Nosso Lar (que aliás eu nem assisti, mas me lembrou mesmo assim).

As cenas do núcleo de ficção-científica são espetaculares. Vale a pena assistir só por causa delas. Aconselho apenas a fazer um bom lanche, seguido de um café espresso, antes de entrar na sala, porque o filme estende-se por uns 30 minutos além da nossa paciência média para sessões de cinema.

Eu vim aqui, porém, falar de outro filme, que eu assisti em casa, no DVD. É Jogo de Poder, de Doug Liman, o mesmo diretor da trilogia Bourne, que eu gosto muito. Considerando o número de vezes que os filmes de Liman estrelados por Matt Demon foram exibidos em horários nobres de canais abertos e fechados, eles também devem agradar a maioria dos brasileiros.

O cinema de Liman tem as virtudes preferidas do povão (eu incluído): muita ação, heróis invencíveis, tomadas aéreas espetaculares e histórias de alta espionagem internacional. Os personagens falam rápido e a câmera jamais descansa. Neste filme, porém, Liman adota um estilo mais comedido. Os heróis são pessoas reais, porque o filme é inspirado em fatos reais. É a história de uma agente especial da CIA que teve sua identidade revelada por membros do governo de George W. Bush (ou seja, sua carreira foi destruída, porque agentes secretos não podem ser conhecidos) porque ela e seu marido, um ex-diplomata que trabalhara por muitos anos na África, sabiam que o Iraque não possuía armas de destruição em massa.

O filme baseia-se no livro de Joe Wilson, o marido, que liderou uma luta feroz contra o massacre à sua reputação e à da esposa promovido pela mídia conservadora americana. A simples existência desse filme, dirigido por um dos maiores nomes do cinema mundial, estrelado por Sean Penn e Naomi Watts, significa a vitória de Wilson e Valerie Plumer, a agente traída, sobre a turma do Dick Cheney, o vice-presidente de Bush, um dos políticos mais pérfidos que jamais pisou a Casa Branca. Nenhum cineasta que presta jamais fará um filme mostrando "o lado bom" de Cheney. A história, juíza implacável, definiu seu lugar no panteão dos personagens: o de vilão.

Aliás, a turma que resolveu crucificar Obama pelos recuos políticos que ele está sendo obrigado a dar, em vista da força dos republicanos e de seus braços na mídia, deveria lembrar-se da fábrica de mentiras do governo Bush, cuja administração forjou deliberadamente histórias falsas sobre o Iraque, para justificar a guerra. Objetivo: transferir alguns trilhões de dólares do bolso de 300 milhões de contribuintes para as contas bancárias de meia dúzia de barões da indústria bélica.

Esse filme me fez pensar numa teoria que eu namoro há tempos: o cinema americano tornou-se o último refúgio, dentro da mídia grande, de um pensamento político progressista. Claro que esse "progressismo" inclui, quase sempre, todas aquelas patriotadas sobre a superioridade dos valores americanos, da democracia americana, etc.

Entretanto, obras como Jogo de Poder, Syriana, Boa noite e Boa sorte, só para citar alguns recentes, representam o esforço, por parte da indústria do cinema, de produzir uma cinema crítico ao próprio imperialismo.

É interessante notar que esses filmes mais "progressistas",com pegada política, trazem sempre os mesmos atores: Sean Penn, Matt Damon, George Clooney.

Jogo do Poder é uma condenação dura contra as mentiras de Bush e seus acólitos, uma denúncia de um dos mais terríveis crimes da humanidade, e que mereceria ser investigado pelo Tribunal Internacional, se é que já não está sendo. O debate político franco, que não encontra espaço nos jornais, floresce na indústria do audiovisual. Não de toda a indústria, evidentemente, mas de uma parte importante dela. Filmes que discutem abertamente a manipulação da opinião pública por parte dos gigantes da mídia.

Essa tradição "progressista" de Holliwood vem desde os anos 50, ao menos. Em A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder, já temos uma denúncia contundente aos desmandos arbitrários e falta de ética da mídia privada norte-americana.

10 comentarios

Anônimo disse...

Noto esse progressismo, entendido como critica a regras estabelecidas, nos desenhos ou filmes para crianças. Formiguinha Z me pareceu uma gozação da ostentação vã do machismo competidor guerreiro. Pelo que lembro, Z perde tanto que acaba ganhando. Aos 71, tendo fracassado (em ganhar dinheiro não em ter prazer) com meu escrever, sei como é. Com a comodidade de, pelo menos, pés no chão das formiguinhas, cabeça livre dos zangões, não ser um uíner.
jcmontenegro@globo.com

Flávio Corrêa de Mello disse...

Fala Miguel: Para sair da sisudez sem perder a classe e derrubar os copos e cinzas, sugiro uns posts sobre alguns documentários. Que tal um revival de docs como Atirar num elefante ou Muito além do Cidadão Kane.
Mais uma vez, grande abraço!

Miguel do Rosário disse...

Oi Flavinho, não conheço esse aí do Elefante. Vou me informar.

Flávio Corrêa de Mello disse...

lê essa resenha aqui sobre o atirar num elefante
http://www.anovademocracia.com.br/component/content/2888?task=view

tente baixar via bestdocs ou p2p, ele está licenciado pela creative commons.

Vai te fazer refletir muito, daí vc. lê uma das análises do José Saramago sobre Israel... E meu amigo, vais fazer um ótimo texto!

Anônimo disse...

Miguel,

Ao que eu saiba, apesar de signatários, os EUA não ratificaram a adesão ao TPI (duvido que isso venha a acontecer). Portanto, qualquer processo contra nacionais desse país naquele foro não tem validade.

[ ]s,
Ninguém

Odete disse...

Assisti "Jogo do Poder" no cinema. Arrebatador!!!Será que os americanso assistiram? Houve censura por lá?

P. P. P. disse...

E já que mencionou a turma do Bush... recomendo...

'Zeitgeist.'

http://video.google.com/videoplay?docid=-1437724226641382024

e o outro

'Zeitgeist 2 Addendum'

http://video.google.com/videoplay?docid=-1437724226641382024#docid=-1459932578939373300

Anônimo disse...

Outro filme hollywoodiano que poderia ser adicionado à lista progressista é Leões e Cordeiros, que também aborda a responsabilidade da imprensa.

Anônimo disse...

Caro Miguel,
O assunto está fora de lugar, mas não posso deixar de enviar a você o link para uma síntese do projeto de reforma política elaborado pelo deputado Henrique Fontana (PT-RS). Achei excelente.
O problema é que mexe bastante com os interesses estabelecidos dos atuais congressistas; portanto, sem um envolvimento massivo da sociedade civil o projeto não vai sair do papel.
Espero que os partidos mais interessados no assunto - PT à frente - mexam-se para divulgar o projeto. É uma oportunidade que não deveria ser desperdiçada.
http://www.ptnacamara.org.br/images/stories/rokstories/sintreforpolitica.pdf
Ruy Marcondes Garcia

Celso C. Silva disse...

Progressismo em Hollywood?O cinema dos EEUU É RACISTA,olhem como eles tratam nos seus filmes os Latinos-Americanos(nós incluindos),Vietinamitas,Russos,Chineses,Árabe.Islâmicos,etc...
Sem falat que muitos filmes são encomendados pelo pentágono quando existe um país ou grupo a SER DEMONIZADO.

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