6 de agosto de 2011

O pêndulo dos aflitos, ou quando tudo começou

(Narciso, por Caravaggio)

Em julho de 2008, entrei numa aula de box e a consequência foi abandonar o emprego. Eu estava em boa forma física na época, correndo várias vezes por semana no aterro do flamengo, pedalando minha bicicleta até a Urca ou Ipanema, fazendo longas caminhadas. Senti-me preparado, portanto, para vôos mais altos e aceitei a sugestão do zelador do meu prédio de praticar box numa academia vagabunda e semi-clandestina da rua do riachuelo. Na Lapa, a profissão de zelador tem um excelente status e aquele porteiro, Cláudio, era um sujeito bem original: além de seus conhecimentos avançados em box (pouco depois ingressaria na federação nacional e se tornaria professor), era também um pintor de talento, recebendo encomendas de médicos e terreiros de umbanda. Um quadro seu foi misteriosamente roubado de um consultório, o que me levou a comentar que seus trabalhos havia se tornado objeto de cobiça das grandes quadrilhas internacionais.

Não foi uma boa idéia. Voltei do box com fortes dores no braço, que só aumentaram no dia seguinte, deixando-me praticamente aleijado por dois meses. Resultado, comuniquei a empresa para a qual eu prestava serviços que não podia mais continuar.

Eu desejava fazer isso há tempos. Nada como ficar aleijado temporariamente, sem nenhuma proteção trabalhista, para ganhar coragem! Na verdade, porém, minha decisão fora tomada (ainda de forma meio inconsciente), algumas semanas antes, ao assistir uma peça do Bortolotto, intitulada "Efeito Urtigão", num teatro da Tijuca. Alguma coisa naquela história me tocou profundamente: a coragem e a renúncia, sobretudo.

Então veja como são as coisas: uma peça de teatro e uma aula de box fizeram-me abandonar o emprego e dedicar-me exclusivamente ao blog. Quer dizer, eu estava aleijado ainda, e nem escrever podia. Mesmo assim, organizei uma festa lá em casa: a festa do desempregado, com cerveja grátis para todo mundo, música boa e amigas bonitas. No apezinho de quarto e sala acotovelaram-se dezenas de amigos e desconhecidos, dançando ao som das músicas que alguém selecionava no youtube.

Sem poder escrever, dediquei-me às artes plásticas. Um dia publico aqui os trabalhos que fiz naquele período. E fiquei um tanto nervoso em relação às minhas finanças. Nunca trabalhara em nada que não fosse relacionado à sentar a bunda diante de um computador. Dessa vez, porém, com o braço direito ainda meio aleijado, resolvi fazer algo diferente. Como rapaz bom e humilde que sou, decidi começar de baixo: vender cerveja na Lapa.

Bem, resumo da história: foi um fracasso. Eu e meu irmão caçula (que veio me dar uma força) não vendemos quase nada, e acabamos por beber boa parte da cerveja. Ser ambulante na Lapa não era tão fácil como eu imaginava. Os pontos estavam todos tomados, alguns há uns quinze anos, e as áreas principais eram restritas aos membros da Associação.

Algumas semanas depois, felizmente, meu braço melhorou e pude voltar a escrever. Estava sem emprego e sentindo-me maravilhosamente livre com todo aquele tempo disponível. Voltei a postar no blog, a publicar em revistas, e criei a Carta Diária. Assim teve inicio uma fase diferente do Óleo do Diabo.

Entretanto, repassando o histórico dos últimos anos, vejo que essa história de "fases" do blog é uma viadagem recorrente. No fundo, não tem fase nenhuma, apenas o desenvolvimento natural de ansiedades, sonhos e frustrações. Tento me consolar, às vezes, dizendo que, ao menos, eu me arrisco.

De qualquer forma, quero sugerir aqui uma bela crônica do Mirisola, insistir para que vocês assistam ao filme Ilusões Óticas no cinema, e fazer uma propaganda da minha Carta Diária.

7 comentarios

PASSEANDO disse...

Vc é uma viagem cara!

Anônimo disse...

Se der, este mês ainda assino a Carta Diária. Tô sabendo que você faz umas analises de economia bem legais por lá.

André Coutinho.

Anônimo disse...

Gostei, Miguel. A vida é uma caixa de surpresas.

Beijos!

Rogério Floripa disse...

Adoro tomar um bom café, fumar umzinho e depois vir aqui visitar este ótimo blog. Genial!!!! :)


Documentário - Da Servidão Moderna
É uma servidão voluntária, acatada pela totalidade dos escravos que se arrastam pela superfície da Terra.http://fwd4.me/07hi

Anônimo disse...

boxE

Anônimo disse...

A volta do "AI-5 digital".

http://www.redebrasilatual.com.br/temas/tecnologia/2011/06/ai-5-digital-volta-a-circular-pelo-congresso

Vamos fazer parte do Mega-Não

http://www.avaaz.org/po/save_brazils_internet/?cl=1205076549&v=9890

Anônimo disse...

Longa vida aos loucos que inventam a vida a seu modo!

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