14 de março de 2006

O suicídio do governador Antônio Menino

(Flávio Shiró)

Para relaxar um pouco, trago-lhes hoje um conto.


Há tempos que amigos insistem que eu lhes conte a verdade sobre o suicídio do governador, ou melhor, do ex-governador Antônio Menino. Estão convencidos de que eu - à época um de seus principais assessores - estou a par de toda a sórdida trama por trás daqueles famosos fatos acontecidos ao final da década de 90. Entretanto, temendo não apenas pela minha segurança pessoal mas por toda a minha família, tenho sistematicamente negado qualquer informação à respeito.

Contudo, depois que a viúva do governador publicou aquele hediondo (porém utilíssimo às futuras gerações) livro sobre a vida do falecido marido, e depois que chegou a meu conhecimento certa notícia vinda da Ásia que explicarei mais adiante, não há mais sentido em manter um silêncio para mim já insuportável. Além disso, a viúva, cujo objetivo ao publicar o livro foi simplesmente ganhar dinheiro às custas do vergonhoso estelionato eleitoral sofrido pela população, e financiar o seu milionário padrão de vida, acusa-me de ter sido cúmplice do ex-governador em diversas ações criminosas, como aquela em que ele mandou matar um promotor público que estaria muito próximo de descobrir-lhe os podres, ou ainda uma outra, em que o governador, mesmo sabendo da existência de um esquadrão da morte dentro da secretaria de segurança, procurou por todos os meios neutralizar qualquer tipo de investigação. Sem negar que o livro revela com justeza os principais ilícitos praticados por aquela triste administração, quero provar que a maior parte foi feita sem que eu tivesse deles o mínimo conhecimento.

Em primeiro lugar, acho necessário esclarecer as razões que me levaram a tornar-me assessor de homem tão execrável. Bem, eu simplesmente não sabia que ele era assim. Nós pertencíamos à mesma congregação evangélica e participávamos de encontros religiosos onde a fé ardente em Deus parecia nos eximir de qualquer deficiência moral. É claro que eu conhecia seus objetivos políticos e, a bem da verdade, via-os com bons olhos, pensando em como seria bom ao nosso estado que pessoas com verdadeira fé em Deus assumissem o poder.

Durante os anos de 1997 a 1999, o governador desviou milhões de reais que haviam sido repassados para os cofres públicos pelo Banco Mundial para o programa de despoluição da baía de Guanabara. Eu descobri isso bem tarde, um pouco antes do caso estourar na imprensa. Mas o que ninguém ficou sabendo foi que o verdadeiro motivo que levou o governador a cometer o suicídio não foi esse escândalo, e sim o que aconteceu no dia 15 de fevereiro de 1999, em pleno sábado de Carnaval. A viúva (e aí explica-se o seu atual ódio pela memória do falecido), que voltara subitamente de umas férias que passava em Teresópolis, flagrou o marido, na cama de um dos quartos do Palácio Guanabara, com duas mocinhas muito bonitas, estagiárias do gabinete executivo.

Agora vamos à grande revelação, desconhecida da própria viúva. O governador, desesperado com o escândalo público e com o flagrante da esposa, chamou seus assessores mais próximos, entre os quais eu, e explicou o seu plano: iria forjar a própria morte e fugir do país. Mandou que arrumássemos um cadáver de indigente no Instituto Médico Legal e que trabalhássemos para que o acidente de carro fosse explicado como uma espécie de suicídio. Vocês se lembram que os jornais publicaram a carta de despedida do governador, uma imitação tosca da carta de Getúlio após se matar no Palácio do Catete em agosto de 1954. O carro foi lançado de um penhasco da serra de Teresópolis e explodiu contra as pedras. O corpo só foi reconhecido pela aliança de casamento, um anel de ouro, e alguns objetos pessoais que escaparam ao fogo.

O governador deveria estar, portanto, nesse exato momento, curtindo férias em alguma deslumbrante praia da Ásia. Uso o verbo no futuro do pretérito porque, segundo fontes fidedignas me relataram, essa nefasta e triste figura já não faz parte de nosso mundo. Pode-se dizer que foi vítima da fúria de Deus. Hospedado num luxuoso hotel do Sri Lanka, estava tomando uísque com água-de-côco na beira da praia quando notou que o mar recuava rapidamente. Teve tempo de beber ainda outras duas doses (a garrafa estava a seu lado), antes que visse, com horror, a onda gigante se aproximando. Ergueu-se com dificuldade da cadeira - desde sua simulada morte, engordara quase vinte quilos. Deu alguns passos em direção ao hotel, e foi tragado pela força terrível das águas. Seu corpo nunca foi encontrado.

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