O jornal Globo de hoje traz somente matérias que beneficiam Daniel Dantas. A começar pela coluna de Merval Pereira, que pinça trechos dos relatórios do juiz De Sanctis e de Protógenes. Tática desonesta, porque são textos com centenas de páginas, a maioria das quais escrita com zelo técnico e competência profissional. De Sanctis é um dos maiores especialistas em crimes financeiros do país. A admiração e o respeito que goza entre os magistrados ficou mais que provada quando mais de 40o colegas assinaram um documento em seu apoio, e realizaram um ato de desagravo. A quem interessa desprestigiá-lo? Certamente não aos que lutam contra a corrupção. Se há um ou dois parágrafos mais subjetivos nos relatórios, inclusive com acento moralista, isso pode ser explicado pelo sentimento de estarem lutando contra forças poderosissimas, como aliás fica patente agora, com a mídia atacando as instituições que investigam Daniel Dantas. Só há uma matéria no Globo sobre o caso hoje, no caderno de economia e, mais uma vez, batendo nas instituições, não nos criminosos. A matéria é requentada, fala da representação ou sei lá o quê que Protógenes teria registrado no Ministério Público para reclamar contra a falta de recursos e pessoal para tocar a operação Satiagraha. A matéria é omissa porque não diz que o problema foi solucionado: a PF remanejou mais de 50 especialistas para cuidar exclusivamente deste caso. Qualquer falta de recursos, portanto, já teria sido resolvida. Para o Globo, no entanto, o leitor não tem o direito de saber a verdade. A matéria ainda dedica grande espaço para a defesa do senador Heráclito Fortes. Há um tom de chantagem no texto, com ameaças do senador contra o delegado Protógenes.
A matéria traz ainda um box sobre o Protógenes, um texto absurdo, uma perseguição ridícula ao policial em sua primeira aula na Academia, com fotos dele comendo e pagando a conta. O repórter descreve minúncias banais como o fato dele ter pago a conta em dinheiro e irritado-se com o assédio da imprensa. E tudo isso no caderno de Economia. Por estranha opção editorial, a parte de País do Globo, subitamente, virou uma seção paroquial, sobre os candidatos a prefeito no município do Rio.
Enquanto isso, Denise Abreu, aquela que era carrasco e havia virado santa por conta de seus ataques à Dilma Roussef, foi denunciada pelo Ministério Público Federal como uma das responsáveis, embora indiretamente, pelo acidente da Tam no ano passado. A notícia, claro, não ganhou as primeiras páginas dos jornais. Mas devia, pois trata do maior acidente aéreo do país, e envolve uma personagem que ocupou manchetes e editoriais durante semanas.
É realmente curioso o processo de hierarquização das notícias por parte de nossa imprensa. A PF prende Dantas, prova que ele foi um dos principais abastecedores do mensalão, um troço que ocupou o imaginário midiático por quase um ano, sendo chamado por alguns de a maior crise política da história da república - pois bem, agora que o Dantas está indiciado judicialmente, a imprensa perde o interesse pela história. Não vai atrás de informações, não vai atrás da literatura existente sobre o caso. É curioso.
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O excelente blog do Idelber Avelar, professor de literatura nos EUA, mas que vem sempre ao Brasil e acompanha de perto tudo que acontece por aqui, vem acompanhando o caso Dantas com atenção especial. Em post recente, um comentarista de seu blog, jornalista e ex-marido daquela Andrea, da Folha de SP, que foi pega pela PF dizendo que tinha "uma matéria de encomenda para Dantas" e vazou a operação para a imprensa, fez uma afirmação que desmente muitas das teses que rolam na mídia. Ele diz que muitos jornalistas e publicações não vazam operações da PF por razões éticas: não querem colaborar com bandidos de colarinho branco. Ou seja, mesmo que possam lucrar com isso, não o fazem porque estão do lado das instituiçoes no combate ao crime. Ele observa que é muito difícil para a PF manter o sigilo absoluto das investigações porque os jornalistas convivem com delegados e procuradores e acabam sabendo de alguma coisa.
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Essa história do envolvimento da filha do Serra com Dantas está dando o que falar. Pode ser que não haja nada de criminal no caso, mas a imprensa está pagando um enorme mico em blindar desse jeito o governador de SP. Passa a impressão de que ele é um político frágil, que sua popularidade não suportaria nenhuma notícia negativa. Estou começando a achar que é verdade, de que Serra é frágil, e que, se notícias negativas começarem a circular a seu respeito, o seu favoritismo para 2010 pode cair sensivelmente. Esse é mais um dos comportamentos tolos da mídia, que no afã de proteger seus aliados, pratica um paternalismo debilitante, que não lhes permite praticar a luta política, exercício indispensável para o fortalecimento de qualquer personalidade e partido.
Os tucanóides, nervosos com o caso da filha de Serra, voltaram a falar sobre o Lulinha, e a disseminar informações exageradas e distorcidas. Esquecem que o caso Gamecorp foi hiper-explorado. Lula teve que responder a milhares de entrevistas, inclusive em rede nacional, em horario nobre, para a Globo, sobre o tema. A Telemar comprou R$ 5 milhões da Gamecorp, empresa da qual Fábio, filho de Lula, tem 17% de participação. O fato de Fábio ser filho do presidente ajudou? Bem, eu penso nos seguintes termos: se ele fosse filho de Fernandinho Beira Mar talvez a Telemar não quisesse participar da empresa. É claro que o fato de Fábio ser filho do presidente da República lhe dá um status diferenciado. Mas isso é normal. Quem quiser ter status similar, que estimule a seu pai que se candidate e vença eleições presidenciais. Lulinha foi capa da Veja inúmeras vezes. Mas não se encontrou nada de irregular no contrato entre Telemar e Gamecorp. Lembre-se que a Telemar, embora tenha fundos de pensão estatais entre seus acionistas, é uma empresa privada, com direito a contratar quem lhe der na telha, desde o filho do Beira a Mar ao filho de Lula. Ministério Público, mídia, PF, CPI, a vida de Lula tem sido devassada de cabo a rabo, e não se encontra nada de irregular. A essa altura do campeonato, se Lula tivesse algum vezo por práticas ilícitas ou suspeitas (o que não é o caso, na minha opinião), creio que a perseguição implacável que sofre da mídia já o teria feito mudar de idéia e seguir estritamente na linha.
Não concordo com perseguição à família de políticos, mas não custava nada que a mídia procurasse esclarecer a população sobre os laços entre a filha de Serra e Daniel Dantas. Prometemos não prejulgar, só queremos saber. A mídia tem medo de que a simples menção ao referido laço possa causar prejuízo à imagem pública de Serra. Mas não é assim que se fortalece um candidato. Um político que não aguenta chuva não tem futuro. Deixem o Serra se molhar um pouco também. Se ele é tão bom, saberá se defender e dar a volta por cima, como Lula tem feito. Esse partidarismo midiático prejudica profundamente a oposição, porque ilude-a, engana-a, mima-a, debilita-a, e isso é muito nocivo à democracia brasileira. Daí, daqui a alguns anos, a oposição brasileira mingua e desaparece e a mídia acusará o governo de "totalitário". Provavelmente, foi isso que ocorreu em outros países latino-americanos.
22 de julho de 2008
Globo continua tentando queimar Satiagraha
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Não é só O Globo; a mídia em geral não informa nem comenta nada a respeito do conteúdo do relatório policial. A tentativa de desviar a atenção das razões que levaram um juiz autorizar a prisão do grupo ligado ao Daniel Dantas é reveladora, dadas as relações conhecidas dele com a mídia. Certamente 4 anos de investigação devem ter levantado muitas irregularidades do grupo que esses jornalistas querem agora ocultar. Esses mesmos que a qualquer crítica bradam pela liberdade de imprensa.
Na história recente, Daniel Dantas é o personagem que mais se notabilizou como homem de mercado especializado em extrair riqueza dos negócios cujo sucesso depende, decisivamente, menos das leis de mercado que das informações e dos pontos de rede que consegue instalar no sistema de governo, em amarração com a distribuição de benefícios e de prestígio a agentes aliados do mass media.
A operação Satiagraha detonou toda essa estrutura, promovendo danos enormes na imensa rede lacerdista que dá corpo à oposição que se articula, sistematicamente, ao governo Lula. Há, agora, um ponto iluminado e visível, no lugar onde antes se escondia, misteriosa, a resposta para todas as perguntas que indagavam ‘de onde veio esse dinheiro?’
A verdade é que Daniel tenta, tenta, mais nunca consegue lançar sua rede de passarinheiro sobre Lula. Na frustração, cria embaraços, enredos, escândalos, discurso para a mídia e esperança para a oposição. Na prática, alimenta aos que desejam o racha-geral da Nação.
Quanto as denúncias de Protógenes Queiroz, parecem ser apenas enunciação de pretexto. Compreensível, à vista da pressão que o delegado pôs a si mesmo, tomado da ânsia que o gigantismo do esquema criminoso lhe imprimia à mente. A idéia de ‘afastamento imposto’, ruiu diante dos fatos comprovados: primeiro, quando deliberadamente providenciou medida judicial que garantiu seu acesso a curso de aperfeiçoamento que lhe garantirá promoções na carreira policial. A freqüência a esse tipo de curso é incompatível com o efetivo exercício da função policial, ainda mais quando se está no meio do olho do furacão Satiagraha. Depois, quando deixou claro, na reunião com os superiores que não abriria mão de participar do curso e, após retornar, o desejo de não mais continuar no comando da operação.
Restou, no final, apenas a reclamação contra a falta de recursos e pessoal para tocar a operação. Parece escusa, para justificação dos pequenos erros que cometeu na condução do trabalho e na elaboração do relatório. Também compreensível, por dois motivos: a surpresa, diante da avalanche de porrada que recebeu da grande mídia – esta sim, atuando rapidamente numa escancarada operação abafa. Abafa o crime, abafa o criminoso; a mágoa, supondo que a falta de recursos e pessoal era uma sabotagem ou resistência ao sucesso de sua operação. Aqui, um erro tático induzido pelo medo: quando decidiu omitir informações aos núcleos decisórios superiores, o chefe da operação assumiu o risco de ‘esconder’ o volume e a complexidade do trabalho que sua equipe realizava. Quando o discurso não vem justificado pela demonstração prática, fica parecendo capricho ou falsidade. E pelo que agente vê, faz tempo que a polícia vem trabalhando em regime de escassez.
Parabéns pela abundância de juventude, sabedoria e bom-senso, meu caro Miguel.
Passo todo santo dia por aqui !
Adoro a lucidez.
Abraço
é, eu sei fernando, é que eu li o Globo hoje. e ler o globo já é o bastante para manter minha úlcera mental acesa.
caripuna, agradeço pelo comentário cheio de opiniões interessantes. de fato, aquela pergunta que ecoava como uma mantra enervante: de onde vem o dinheiro? agora parece respondida, mas parece que o interesse minguou.
sueli, obrigado pelas palavras. elas são o meu cachê.
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