Um leitor pediu-me opinião sobre o artigo de Elio Gaspari, intitulado Não foi o PT nem o PSDB, foram os dois, no qual o articulista resgata um estudo estatistico do professor Claudio Salm, comparando avanços sociais nos 8 anos do governo FHC com 6 anos do governo Lula. Respondi-lhe que o Eduardo Guimarães já havia tecido comentários satisfatórios sobre o tema. Ele retrucou que o Eduardo não rebateu com números. Mesmo na caixa de comentários do blog Cidadania, observei que o artigo de Gaspari trouxe de fato um pouco de confusão à blogosfera lulista, entendendo blogosfera como esse debate dinâmico e constante entre leitores e blogueiros. Prometi ao leitor, então, dar minha contribuição ao assunto.
Gaspari é um dos colunistas mais inteligentes da grande imprensa e conquistou uma independência invejável. Publica a mesma coluna em diversos jornais do país, e não se furta a fazer críticas duras ao tucanato. Como resultado, Gaspari irrita todo mundo. No entanto, não deixa de ser irônico que os demo-tucanos reproduzam o artigo do colunista em seus sites, desesperados que estão em mostrar que FHC não foi de todo inútil ao Brasil. Antes empenhados em acusar o governo Lula de ser terrível para o desenvolvimento nacional, agora se esforçam em provar que FHC foi tão bom quanto o atual governante.
Respeito o estilo de Gaspari, apesar de também me irritar com suas argumentações, muitas das quais considero exageradas ou mesmo falaciosas, por conta da obrigação, que vejo nele, de estar sempre batendo no cravo e na ferradura.
O artigo mencionado, por exemplo, tem sua lógica. De fato, diversos índices sociais melhoraram na era fernandista. Não se discute a importância do controle inflacionário e da estabilidade monetária. FHC herdou um Estado forte de seu predecessor, Itamar Franco, que não foi um presidente de todo mal, e mesmo que fosse o pior dos governantes, não conseguiria impedir que as milhares de agências estatais subordinadas ao Executivo deixassem de cumprir o seu papel.
Muitas coisas boas que acontecem hoje no Brasil e aconteceu no Brasil de FHC não são méritos da qualidade pessoal dos presidentes e sim do talento de funcionários dedicados, parlamentares honestos e sociedade civil atuante.
FHC não é um monstro. É um cara pusilânime, isso sim. Um presidente deve aprender a jogar o jogo político, cedendo aqui para avançar ali. O que me parece é que FHC apenas cedeu. Tem o mérito de manter a estabilidade econômica, herdada de Itamar Franco, e por isso tem seu lugar na história. No entanto, o brasileiro não é doido quando faz de FHC um dos políticos mais rejeitados do país.
Avalia-se um presidente não apenas por um índice ou outro, mas pelo conjunto de seu trabalho. A deficiência da argumentação de Gaspari está nesse ponto. Ele traz um estudo muito do meia-boca, e daí conclui solenemente que "Nunca antes na história deste país um governante se apropriou das boas realizações alheias", frase que é uma tremenda besteira. Que isso significa? É uma piadinha? Mais uma das milhões que hoje se fazem com a expressão "nunca antes"? Ora, quase todo governante tenta se apropriar das boas realizações alheias. O governo Lula, ao que entendo, não inaugurou isso, e nem concordo que ele age assim. Cansei de ler entrevistas com membros graduados do governo Lula, como o ministro da Fazenda Guido Mantega, ou seu antecessor, Antonio Palocci, derramando-se em elogios à FHC e sua política econômica. O próprio Lula repete incessantemente que um de seus maiores erros políticos, dele e do PT, foi fazer oposição ao plano Real.
Entretanto, o que realmente irrita no texto de Gaspari é a ausência de cientificidade. A base comparativa não é válida. Ele compara 8 anos com 6 anos, o que é um absurdo, pois as políticas estruturantes são as que mais demoram a aparecer e, portanto, tendem a se manifestar com mais clareza nos últimos anos de um governo. Mas o pior não é isso. Não há qualificação. A pesquisa é apenas quantitativa.
FHC não era um Satã instalado no Planalto para fazer o mal à população brasileira. O grande problema de FHC não foi a ausência de políticas públicas, e sim a mesquinhez de suas ações sociais, a brutalidade e frieza com que lidou com movimentos sociais e sindicatos, além do desmonte do Estado, com privatizações açodadas e irresponsáveis de setores estratégicos, como a mineração e a telefonia. A privatização da Vale impediu que o Estado fizesse investimentos para ampliar a industrialização do ferro no Brasil, e a entrega criminosa da telefonia a estrangeiros levou o custo da comunicação telefônica no país a atingir verdadeiros recordes mundiais.
O problema, entenda-se, não foi a privatização em si, mas a maneira como ela foi realizada, sem atender aos interesses nacionais. Não houve preocupação em impedir que as companhias explorassem o preço das ligações telefônicas, sobretudo de celulares. Então o Brasil se tornou uma nação de "não-ligadores", e hoje as próprias empresas telefônicas debocham dos consumidores ao criarem um personagem publicitário, o "ligador", um jovem que se destaca de todos a seu redor porque ele "pode ligar". Uma ligação de celular no Brasil chega a custar quase 2 reais por minuto. Duvido que haja algum país no mundo com uma ligação tão cara.
Além disso, é preciso diferenciar as coisas. O primeiro mandato de FHC foi razoável. O desastre aconteceu no segundo. Até porque os métodos usados pelos tucanos para vencer as eleições de 1998 deveriam botá-los todos na cadeia. Mantiveram a moeda valorizada artificialmente, e para isso queimaram dezenas de bilhões de reais de nossas reservas internacionais. A medida foi criminosa em vários sentidos. A moeda valorizada prejudicou nossas exportações e criou uma bolha que explodiu em fevereiro de 1999, quase levando o país a bancarrota. Outro método criminoso foi a aprovação da reeleição para o próprio presidente, sem ao menos a delicadeza democrática de fazer uma consulta popular.
No segundo mandato de FHC, o desemprego aumentou. A dívida externa explodiu. Todos os índices pioraram terrivelmente. Mesmo o Plano Real aconteceu a um custo terrível. O Real sobrevalorizado derrubou as exportações, fazendo com que o Brasil, um potência em recursos naturais, atravessasse quase todo o período fernandista com enormes déficits cambiais (importava mais que exportava), e a estabilidade foi comprada com um aumento gigantesco da dívida pública, interna e externa. É fácil melhorar índices sociais pegando dinheiro emprestado aqui e no estrangeiro. Eu quero ver melhorá-los pagando a dívida externa e reduzindo a dívida pública. Os governantes devem cuidar para que esses progressos sejam sustentáveis, não apenas soluços efêmeros com vistas à ganhar mais uma eleição e, para usar o vocabulário gaspariano, ganhar mais tempo para tungar a choldra com outros bilhõezinhos da privataria.
Nem falei das ações da Polícia Federal, que vem realizando uma verdadeira limpeza ética no país, investigando governadores, empresários, desembargadores, juízes, prefeitos, parlamentares. O combate à corrupção em alta escala no Brasil iniciou-se somente agora, durante o governo Lula. A Polícia Federal de FHC servia apenas para queimar maconha diante das câmeras do Jornal Nacional.
6 de janeiro de 2010
Iniciando os exercícios
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Alguém sabe onde se acha o estudo original do Claudio Salm? Sei lá se o Gaspari usou corretamente os dados do economista, porque não referência alguma ao texto original.
parabéns, miguel.
demolidor como sempre.
abçs
Fevereiro de 1999, caro Miguel.
Um abraço
ps: 'todo mundo' na blogosfera já comentou a pouca-vergonha do Casoy, menos você. Estranhei. Seria para evitar úlceras?
excelente, Miguel.
Obrigado
:)
Werner
Muito bom. Mas os números do pesquisador do Gaspari foram parciais. Pegou-se apenas aqueles que favoreciam o FHC. Não pegou todos. E, depois, tem tudo isso que você falou. Essa no final, a polícia do FHC queimar maconha, ficou ótima. hahaha.
Para mim tudo é muito claro. Estudo nenhum pode desdizer o que cada brasileiro sente no próprio bolso e no próprio estômago.
Em 2006, enquanto discutíamos entre colegas de trabalho as eleições presidenciais um dos interlocutores, que votava no Alckmim, perguntou ao Edmilson, o zelador, em quem ele votaria. A resposta diz tudo. "No Lula, é claro. Agora eu como carne, antes eu não comia".
O Edmilson é um trabalhador, como os milhões de brasileiros que votarão na Dilma dessa vez, para continuarem a ter trabalho e comer carne.
Matou a pau! Tesão.
Prezado Miguel
Sou leitor mais ou menos recente de seu blog e, quase sempre, admiro seus comentários. Mas este está um horror. Ou melhor, um primor de ambigüidade, de “morde-e-assopra”. Se não, vejamos:
. quanto ao Gaspari: você parece não saber que o ilustre jornalista, apesar de seus esforços em aparentar independência ou, como você diz, “dar uma no cravo, outra na ferradura”, é serrista. Ou você não leu um dos artigos dominicais dele em que praticamente implora para que Serra de decida e saia logo candidato, antes que seja tarde?
Segundo você, “FHC não é monstro”; “FHC não era um Satã instalado no Planalto para fazer o mal à população brasileira”. Mas (vou até enumerar):
1. foi BRUTO e FRIO com os movimentos sociais;
2. DESMONTOU o Estado Brasileiro;
3. privatizou “irresponsavelmente” setores ESTRATÉGICOS do país;
4. entregou criminosamente a telefonia a estrangeiros e levou o custo da comunicação telefônica no Brasil a atingir verdadeiros recordes mundiais.
5. “os métodos usados pelos tucanos para vencer as eleições de 1998 deveriam botá-los todos na cadeia.”
6. “A moeda valorizada prejudicou nossas exportações e criou uma bolha que explodiu em fevereiro de 1999, quase levando o país a bancarrota. Outro método criminoso foi a aprovação da reeleição para o próprio presidente, sem ao menos ter a delideza democrática de fazer uma consulta popular.”
Ah, mas o problema não foram as privatizações em si. Ahan, ahan. O primeiro mandato de FHC foi razoável (???!!!). Não foi nesse mandato que ele quase acabou com o sindicato dos petroleiros? Não foi nesse mandato que ele, devido às privatizações, deixou centenas de milhares de trabalhadores desempregados? Não foi nesse mandato que ele comprou a reeleição?
Começo a acreditar nos defensores da tese de que PT e PSDB diferem muito pouco ou nada.
Pó, Miguel, fala sério!!!
Análise muito boa.
Realmente o segundo mandado de FHC foi um pesadelo e o povo não esqueceu, por isto ele é tão rejeitado. Estão pipocando em toda a mídia artigos neste estilo, dizendo que Lula só continuou FHC. Podem fazem milhões de artigos dizendo isto, nada vai mudar a realidade de quem a viveu: fome, pobreza e desemprego em massa.
Dizem que FHC deu de presente às teles, Daniel Dantas na área, o direito à correção monetária automática.
Mesmo que uma empresa não invista um só centavo nos serviços, a grana no bolso das empresas está garantida, o que desobriga tais empresas a investir e, claro, somente a faturar sem prestar o serviço que deveria prestar.
Talvez por isso inexistam orelhões que funcionem, bem como cidades onde ainda não exista serviços de telefonia móvel, prá que se a grana é garantida de qualquer forma, isto devido a estes contratos da privataria de FHC
Muito se tem alardeado sobre os números das quedas das exportações brasileiras, especialmente dos manufaturados. Seja pelos ventos da crise, ou por outros problemas, seria bom ouvir a sua opinião, especialmente sobre os números mais recentemente divulgados. E sobre as importações? Houve mesmo queda, e como esta queda pode ser interpretada?
Felipe.60,
você tem razão. O artigo foi ambíguo, mas de forma mais ou menos intencional. Valeu pelo comentário. O Gaspari é serrista mesmo, mas ele tem direito à isso. Muita gente era serrista até pouco tempo, como o Nassif. Repetindo, você tem razão.
Abraço,
Miguel
Oi Livio, houve queda nas exportações, mas elas continuam muito altas. A mesma coisa vale para as importações. De fato, houve queda nas exportações de manufaturados. Mas tudo isso foi fruto da crise. Nada mais, e a tendência é a normalização nos próximos meses, como já está ocorrendo. Bem lembrado, vou ver se escrevo sobre isso. Já andei pegando vários dados. Ainda não o fiz porque estou esperando sair os dados oficiais de dezembro, o que deve ocorrer nos próximos dias (geralmente saem por volta do dia 10 do mês seguinte).
Abraço.
Livio, fiz um texto sobre comércio exterior que aborda essa questão dos manufaturados. Está lá na Carta Diária, que é só para quem comprou a assinatura de 50 reais. Mas como foi você que me deu essa sugestão, eu te mando essa edição de graça, se você quiser. Envie um email para oleodiario@gmail.com para eu receber teu email e te mandar.
Abraço,
Miguel
tudo bem que FHC não faça companhia a satã no inferno mas que no purgatório está - está com certeza.
mas pilherias à parte vamos ao comentário. concordo com boa parte dele mas peca quando nao aborda o fim da alca que seria um atrelamento a la nafta - nessa crise todos estariam no olho do redemoinho. seria interesssante um estudo apurado quanto às empresas de capital aberto que o fecharam isto é: canceram seus registros em Bolsa e foram muitas e acrescente o fato da total paralisia no lançamento de novas ações que veio acontecer no governo Lula. Triste ironia do destino. por ultimo outro estudo é quanto ao intestino dos incentivos triutarios/fiscais que os arrematadores da empresas nacionais se privilegiaram utilizando o agio para abater no imposto de renda etc..etc...finalmente: FHC foi e é rejeitado até pelo seu partido que não ousa expo-lo em propagandas eleitorais.
"FHC herdou um Estado forte de seu predecessor, Itamar Franco, que não foi um presidente de todo mal, e mesmo que fosse o pior dos governantes, não conseguiria impedir que as milhares de agências estatais subordinadas ao Executivo deixassem de cumprir o seu papel.
Muitas coisas boas que acontecem hoje no Brasil e aconteceu no Brasil de FHC não são méritos da qualidade pessoal dos presidentes e sim do talento de funcionários dedicados, parlamentares honestos e sociedade civil atuante."
Um amigo do ex-presidente FHC precisa explicar para ele que, ao ver um céu estrelado, por exemplo, apesar de sua retina estar sendo sensibilizada no momento presente, ele vê luzes que saíram das suas origens a milhões de anos-luz atrás.
Discordo. FHC foi colocado na presidencia para fazer o que fez: DOAR O PAIS AOS SEUS FINANCIADORES DA CIA.
EM NUMEROS, A DIFERENÇA MONUMENTAL GOVERNO LULA PARA O DE FHC, O SATANAS E OUTROS GOVERNICHOS:
A maior parte da dívida pública foi feita pelos governos anteriores ao de Lula. Este, na verdade, reduziu a dívida pública de 55,5% do PIB, em 2002, para 36% do PIB em 2008. Assim, o governo Lula está pagando uma dívida que foi feita por governos anteriores. E os gastos com pagamento de juros da dívida pública foram reduzidos de 9,3% do PIB, em 2003, para 5,6% do PIB em 2008. E com a queda significativa da Selic neste ano, tais gastos irão diminuir ainda mais como proporção do PIB.
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