Não interessa que o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, assinado dia 21 de dezembro pelo presidente Lula, seja muito parecido à segunda edição do documento, assinada em maio de 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Não importa que Paulo Sérgio Pinheiro, relator da ONU e ex-membro de FHC, seja um de seus maiores defensores. Não importa que o programa reflita, basicamente, as orientações da ONU. Nada disso importa. A mídia decidiu que se trata de um programa chavista, e agora irá tocar a trombeta do apocalipse bolivariano até o dia das eleições.
A estratégia é muito parecida com o que fizeram os conservadores americanos quando viram que um negro democrata tinha reais chances de chegar ao poder. Reativar o terrorismo ideológico. Não creio que isso tenha influência no grande eleitorado, mas prejudica severamente o candidato junto à setores centristas e moderados da sociedade civil e dos partidos políticos.
O roteiro é conhecidíssimo na América Latina. Sugere-se intenções golpistas no governo. A história se repete, não como farsa ou tragédia, mas como xaropada. E dai vem o contragolpe. No caso do Brasil, será um contragolpe eleitoral. Apavoram-se empresários, militares, classe média, e todo mundo, Regina Duarte à frente, volta a bater às portas da TFP. Todo mundo faz campanha para José Serra. Sem nenhum programa político, desmoralizado no terreno da ética, o PSDB retorna ao planalto como o grande campeão do antichavismo. Aí quando forem procurar o inimigo, quando a sociedade, restabelecida a calma, observar com mais atenção a conjuntura política e constatar que o governo Lula não é chavista, e que Dilma nunca teve intenção de instaurar a ditadura do proletariado, e que, no fundo, a política social dita de "esquerda", priorizando os pobres e expandindo o mercado de consumo, é muito mais benéfica à economia brasileira (e ao capitalismo, portanto) do que o neoliberalismo recessivo dos tucanos, aí será tarde demais.
*
Leio que José Serra pretende lançar em breve a sua plataforma política. Será voltada para a educação. Quero saber como ele vai explicar o fato dos professores de São Paulo serem sistematicamente violentados em seus direitos trabalhistas e sindicais, que São Paulo obtenha as piores notas nos exames nacionais, que os livros didáticos patrocinados pelo governo tucano venham com dois paraguais, sem o Piauí, e outros quitutes bizarros da incompetência editorial. Quero ver como ele vai explicar a agressividade fascista com que a PM paulista espancou professores idosos e estudantes da USP, e a atitude também fascista, arrogante e odiosamente sectária de seu secretário de educação, Paulo Renato, que pretende ser o mentor ideológico de milhares de professores do estado.
*
De qualquer forma, o governo cometeu um erro gigantesco ao lançar agora esse programa de direitos humanos. O fato de ser ingenuidade apenas agrava-o. Com ele, o governo conseguiu dar um enorme trunfo à oposição. Conseguiu uni-la. Dar-lhe coesão. Ademais, é possível que o programa contenha, de fato, um preconceito contra a agricultura comercial, que a esquerda entende, equivocadamente, como inimigos. São adversários que merecem respeito e não inimigos desprezíveis, como os há em outras partes (os amiguinhos de Dantas, por exemplo). Os agricultores comerciais são adversários ideológicos da esquerda, isso é um fato, mas por culpa, em grande parte, da própria esquerda, que não os vê como a emergência de uma classe camponesa, conservadora no DNA, patronal e anti-nacionalista (porque exportadora), que, independente de sua ideologia, deve ser respeitada profundamente pela sociedade civil. Deve-se respeitar o conservadorismo das classes agrícolas. Deixe-os apoiar Serra e a direita. Há uma imensa quantidade de trabalhadores sob sua tutela que poderão votar na esquerda. A economia agrícola tecnificada não é inimiga do interesse nacional. Ao contrário, o advento das máquinas agrícolas e da grande propriedade moderna vem criando no Brasil importantes centros industrais, que produzem e exportam essas máquinas. Esses operários ganham bem, filiam-se a sindicatos e votam... na esquerda. O capitalismo está sempre criando os exércitos liliputianos para combater seus gigantes, desde que a vanguarda do trabalhismo se articule com inteligência, sem sectarismo.
*
O terrorismo antichavista não beneficia Dilma. Nem é interessante que ela, e as forças que a apóiam aceitem a provocação e partam para o confronto. O ano começou com notícias econômicas extraordinariamente positivas. O empresariado brasileiro nunca esteve tão otimista. A bolsa de São Paulo bateu um recorde histórico - com crise e tudo. Todas as grandes multinacionais estão aumentando seus investimentos no Brasil. Onde está o chavismo? O Estado brasileiro ampliou sua participação na economia? Sim, mas o certo é isso mesmo. O Sardenberg vive elogiando a China, e comparando-a ao Brasil, mas omite que o Estado lá é dono de tudo. E que não há mídia enchendo o saco. Não quero a China. Prefiro a mídia enchendo o saco. E não acho que seja uma boa estratégia para Dilma comprar uma briga com a mídia. A mídia não elege, isso é o importante. Mas interfere na articulação de alianças, e isso é perigoso.
10 de janeiro de 2010
Mídia cria assombração chavista para apavorar centro político
Tweet Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no XCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Gostou deste artigo? Então assine nosso Feed.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Miguel, à direita e ao PIG não interessa quem começou isto ou aquilo, quem vetou ou deixou de vetar.
O pessoal do PIG conta com a falta de interesse politico da grande maioria da população, daqueles que dizem que odeiam politica, quando deveriam dizer que odeiam "os politicos", os que saem da urna eletronica sem nem saber em quem votaram. São esses que costumam dar ouvidos aos "fariseus do templo", e trocam seus votos por um sanduiche e um copo de pinga.
Não interessa ao PIG esclarecer nada.Como diria o Chacrinha, eles não estão aqui para esclarecer, e sim para confundir...
Existe no mundo elite mais atrasada que a brasileira?
Nem a do Sudão
O perigo é que a mídia não elege, mas tem muito poder sobre grande parte do eleitorado. Com uma oposição que não tem um projeto coeso, só o que eles querem é um deslize - ou mesmo fabricar uma ameaça - governamental.
Miguel, gostaria de fazer duas sugestões de pauta:
- a confusão na Argentina entre Cristina Kirchner e o presidente do BC de lá. Está sendo noticiado por aqui, pela mídia, como "autoritarismo"...
- a questão da "censura" ao Estadão por conta da história do filho do Sarney... talvez isso já tenha passado um pouco da hora, mas fiquei intrigado com a história...
Abs!
salve, miguel,
embora concordando com o artigo, fica a pergunta no ar: o que fazer?
eu, particularmente, creio que é ir pro pau.
ocupemos as trincheiras da blogosfera e vamos pra luta, né não?
abçs
Carlos
A deixa eles reclamarem do plano, que aliás é ótimo. Pena que venho tarde.
O fato deles poderem reclamar do plano sem medo torna o discurso deles de que o governo caminha pra ditadura do proletáriado incoerente.
Mas quem disse que a coerencia é o forte da direita?
Por outro lado, a mídia angaria votos sim, e muitos. Não matou o Lulismo, mas o pt tá pagando a conta, será dificil transferir todos os votos.
Será difícil eleger a dilma mas não impossível.
Postar um comentário