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Livro didático x língua popular: Tese da velha mídia é motivo de riso para escritores, ao vivo na Globo News
Os escritores Marcelino Freire e Cristovão Tezza participaram nesta semana do programa "Entre aspas", apresentado por Mônica Waldvogel na GloboNews. Com bom humor, os dois escritores rechaçaram a tese da Globo (e da velha mídia), que, a partir de trechos retirados do contexto, ataca o livro "Por uma vida melhor", adotado pelo Ministério da Educação para turmas de jovens e adultos.
Quando a apresentadora fala em "regra errada do português", imediatamente Tezza, professor aposentado da UFPR, a interrompe e a corrige: "Variedades não padrão".
Mônica responde: "Estamos tucanando aqui". Ao que Tezza rebate: "É um conceito linguístico esse. Todas as línguas do mundo funcionam assim, são variedades. [...] A diferença entre dialeto e uma língua é que uma tem exército, e a outra não. É a história das línguas."
Marcelino Freire cita o poeta Sérgio Vaz: "Quando a gente diz nós vai, é porque nós vamos".
Tezza explica:
"Quando você constrói uma gramática escrita, você escolhe formas, passa a escrever essa formas, passa a defendê-las. E elas passam a ser o certo. E aí se começa a estigmatizar o que não está daquela forma. Isso é construção histórica das línguas padrões [...].
O conceito de variedade linguistica é fundamental, não há mal nenhum em mostrar aos alunos, mesmo dos primeiros anos, que a língua é um conjunto de variedades, inclusive para trabalhar com a diferença e a importância da norma culta. O que não precisa é humilhar ninguém para fazer isso.. é um processo esmagador, a escola tem muito poder, o aluno chega lá, só fala a variedade dele, o professor vai olha, você é burro, senta ali no milho… não. Vamos trabalhar de outra forma. É uma questão didática."
"Que conselho vocês dão aos que estão tão preocupados?", questiona a apresentadora, ao final do programa.
É a deixa para Freire arrematar:
"Vão de Adoniram Barbosa: "Arnesto nos convidou / prum samba ele mora no Brás / Nóis fumo, num encontremo ninguém…" [mais risos]
O programa na íntegra (24 minutos) pode ser assistido aqui.
O professor que torna evidente seu preconceito e exclue o aluno quando este fere o padrão lingúístico culto não vai ter atitudes menos preconceituosas e menos excludentes porque um livro autoriza a escrita como se fala. Estou atenta a este debate, lendo e ouvindo o que se publica, e continuo considerando um equívoco se pretender solucionar exclusão e preconceito colocando num livro didático escrita de palavras 'como se fala'. O buraco é mais embaixo. Pessoas e profissionais efetivamente ocupados em tornar nossa sociedade menos excludente deveriam focalizar, na escola e na vida, as relações interpessoais: o que importa não é o "que é dito" mas o "como".
A propósito, no coloquial todos falamos
cometendo ousadias e atrevimentos linguísticos.
Atentamente
Kusum Verônica Toledo
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