19 de maio de 2011
O livro "maldito"
“Não tenho sabença,
pois nunca estudei,
apenas eu sei
o meu nome assiná.
Meu pai, coitadinho,
vivia sem cobre
e o fio do pobre
não pode estudá”
(Patativa do Assaré)
Li o capítulo do livro amaldiçoado pela mídia e por todos que tropeçaram na pegadinha.
Merval Pereira afirma hoje em sua coluna que o livro irá prejudicar a produtividade da economia brasileira!
Esse escândalo, obviamente, tem o objetivo de horrorizar setores da classe média, que até hoje se recuperam do trauma de ter um presidente da república que não falava segundo a "norma culta" da língua.
É interessante como há segmentos da sociedade vulneráveis ao discurso da mídia. A procuradora federal Janice Ascari, provocada pelos jornalistas do Globo, interpretou o fato não como algo que merecia ser debatido pela sociedade e pelos especialistas (o livro foi indicado e aprovado por uma comissão de notáveis acadêmicos), mas como um caso de polícia! E ameaçou acionar o Ministério Público! Mereceu, como era de se esperar, uma grande homenagem do pasquim kamelista, uma foto gigante na página 3, em seu melhor ângulo fotogênico.
Ora, o que Janice Ascari entende de pedagogia, linguística, ensino de português? Com que poder ela vem ameaçar uma comissão de acadêmicos que estuda o tema há décadas, uma autora que foi professora da rede estadual por mais tempo que ela tem de vida, e um ministério cujos funcionários estudam o assunto sistematicamente, frequentando periodicamente seminários aqui e no exterior?
O livro não ensina o adolescente a falar errado! Ao contrário, é uma abordagem inteligente para mostrar ao estudante que a língua que aprendeu de seus pais pobres, e que foi a única que ouviu em toda parte antes de entrar na escola, não é para se jogar no lixo. É uma língua viva, popular, mas que também tem regras. Com isso, evita-se que o estudante despreze o seu próprio patrimônio linguístico. No Nordeste, temos centenas de poetas de grande talento que produzem literatura de incrível beleza usando a vertente "popular" da língua. É "errado" o que eles fazem? A poesia de Patativa do Assaré e de Luiz Gonzaga estão cheias de desvios da norma culta. Estão "erradas"?
O escândalo da mídia nada mais é do que explorar o preconceito da classe média, emergente ou tradicional, em relação à sintaxe popular.
Leiam o livro! Ele não ensina o estudante a falar errado. Ele não contemporiza. Trata-se simplesmente de uma interpretação carinhosa, pedagógica, acerca do uso popular da fala. É importantíssimo fazer isso!
Saliente-se que os livros didáticos de português há anos, desde o tempo de FHC, tem capítulos dedicados à fala popular, mais ou menos nos mesmos termos. Não se trata, portanto, de uma nova ideologia do "governo do PT", como sugerem neo-sabichões que dão a tudo um viés partidário.
Só agora, por um oportunismo barato (com fins políticos), a mídia resolveu escandalizar.
O professor precisa dar uma explicação ao jovem porque o povo fala de um jeito "diferente", e seria uma péssima didática se ele se restringisse a dizer que o povo fala "errado". Não é isso que aprendemos na faculdade de letras, quando aprendemos linguística! Na faculdade, aprendemos justamente isso, que não existe o falar "errado". Aliás, em linguística se vai ainda mais longe: afirma-se que sequer há uma gramática "certa" ou "errada", e sim uma gramática "normativa", ou seja, voltada para o aprendizado da língua escrita. Se um estudante universitário, que em tese já superou eventuais traumas decorrentes do uso, por seus pais e amigos, de uso de um português "popular", "não-culto", aprende que não existe falar "errado", porque cargas d'água seria certo traumatizar o adolescente dizendo a ele que tudo que ele aprendeu de seus pais e ambiente é "errado"?
Na verdade, existe sim um falar "errado" em linguística. É a fala que não atinge seu objetivo, que não consegue se fazer entender, não consegue estabelecer a comunicação. Esse é único erro, o erro fundamental, de uma fala: não se comunicar, confundir.
Repito, leiam o livro e confiram. Não se ensina a falar errado. Apenas se procura incorporar, ao ensino do português, o uso popular da língua. É uma maneira inteligente de interessar o jovem, de atingir positivamente a sua auto-estima.
O livro mostra que mesmo o uso "popular" da língua segue regras sintáticas similares à da norma culta. Em geral, o uso popular simplifica a língua. "Os peixe", por exemplo. A norma culta comete a redundância de repetir o plural. A norma popular entende que basta apontar o plural no artigo. Essa é a evolução da língua.
Naturalmente, temos aqui uma luta constante entre as tradições, cujos interesses são representados por instituições como a Academia Brasileira de Letras, e a evolução do idioma, que não pára. O objetivo do livro, e de todos os linguistas, não é soltar as rédeas do ensino da língua. É importante que tenhamos máxima uniformidade linguística. Que haja um ensino rigoroso do português normativo. Que todos os brasileiros dominem o português com máxima perfeição.
A evolução da língua acontece ao longo dos séculos, temperada no fogo desta luta entra a tradição e a força popular.
Para ensinar um jovem a falar o português culto, porém, em primeiro lugar temos que lhes mostrar que a língua segue uma lógica. As normas sintáticas têm uma lógica. O livro mostra que mesmo o português "popular" falado nas ruas também pode ser sistematizado sintaticamente. E que ele não é exatamente "errado". Ele é, sim, inadequado. O livro enfatiza a necessidade de usarmos a norma culta para nos dirigirmos a uma autoridade, como, por exemplo, numa entrevista de emprego. Isso é o suficiente para dar a entender ao jovem, com a delicadeza que o tema merece, que ele tem de aprender a falar de forma o mais culta possível, para que suas chances profissionais sejam as maiores possíveis!
Ao mesmo tempo, o livro mostra ao estudante que ele não deve deixar de respeitar e estimar seus pais apenas porque estes usam o português de forma "não culta", além de sinalizar que ele (o estudante) não deve sair por aí corrigindo, esnobando e depreciando as pessoas que não usam a norma culta da língua. Muitas vezes, um parente mais velho do aluno, um avô ou avó, detêm conhecimentos morais que serão muito importantes para o desenvolvimento da personalidade daquele adolescente. Ele não deverá desprezá-los apenas porque o avô não usa a norma "culta" da língua. Se o professor souber aplicar eficazmente o que ensina o livro em questão, o aluno compreenderá que seus parentes usam uma "vertente" popular da língua, mas que isso não invalida a legimitidade de seu discuso e de seus ensinamentos. Ao mesmo tempo, o aluno entenderá que precisa aprender a norma culta para arranjar um bom emprego e para ascencer socialmente. Está tudo ali no livro, muito bem explicadinho.
Claro que o livro não é perfeito. Os especialistas já encontraram erros até na obra de Cervantes. A autora pode modificar alguma coisa na edição do ano que vem. Ou não. O que é injusto é dizer que o livro ensina o jovem a falar errado, ou então afirmar, como fez Janice Ascari (que eu tantas vezes chamei brincando de "heroína" da blogosfera, mas que também, como qualquer um de nós, é sujeita a erros) que se trata de "um crime contra nossos jovens". Crime, a meu ver, é desrespeitar a classe científica que estuda o assunto, e que aprovou esse livro, e tratar o tema como um caso de polícia e não como um tema importante a ser debatido, tranquila e democraticamente, pela sociedade brasileira!
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A arrogância "intelectual", espera que os livros didáticos resolvem problemas da gramática, da linguística, da filosofia, da história, da física, etc que nem a gramática, a linguística, filosofia, a história e a física, na condição de ciências acadêmicas, conseguem resolver.
O que separa o pobre do resto é a lingua. A lingua é como uma mordaça que impede o pobre de se expressar. Os que conseguem tem algo especial pois vencem as barreiras da insegurança, do medo, da vergonha. O medo das elites é que sujam novos Lulas, sem medo de ser feliz.
Bem lembrado, Bernardo. Para se tornar desenvolto numa língua, e expressar sentimentos, é preciso falar sem medo, e para isso é preciso a desculpabilizar a fala espontânea não-culta de percentual muito alto entre nossos jovens. Eles aprenderão a falar segundo a norma culta ao longo do tempo, mas sem que a repressão e a culpa lhes tolham a espontaneidade, a poesia natural, que vem da língua que se aprendeu em casa, e nem todo mundo tem pais que falam segundo a gramática normativa portuguesa de Celso Cunha.
E as revistinhas do Chico Bento?
A proposito,os racionais "falam" errado pra caramba e arrebentam na mensagem!!!
Os gramáticos tradicionais e aqueles que o seguem são criacionistas linuísticos. Ou seja, ignoram o fato de que a língua é uma coisa viva, que muda, que evolou, que se transforma. Para esses Napoleões Mendes de Almeida da vida a língua foi criada por alguma entidade divina e dada aos homens. E, divina que é, não pode ser mudada.
Bando de idiotas metidos a sabichões.
É por essas e outras que eu sou contra a necessidade de diploma para a prática do jornalismo.
O preconceito linguístico me faz lembrar o personagem Fabiano de Vidas Secas. Ele pensa, sabe o que é certo e o que é errado, mas tem medo de falar diante do soldado amarelo. Graciliano Ramos nos anos 1930 já tinha percebido como se humilha os menos afortunados pela maneira de falar. Grande velho Graça. Tá fazendo falta.
A Turma da Mônica fala errado, e é exibido na Globo. Meu neto aprende a pronúncia da turma, mas o que fica são as lições de ética e moral.
Também, há um 'lobby' das editoras que foram reprovadas pelo M.E.
Acentuo que a grita é mais pelo interesse editorial na venda de livros ao MEC.
A editora Globo, do sitema pernicioso esse, não quer ficar fora http://globolivros.globo.com/busca_catalogo.asp
"Tô" com P.P.P.
Incrível a linguagem popular dos "diferenciados" não poder ser objeto de debate e nem mesmo ser citada em livros ditáticos
Eu heim
No internetês as pessoas costumam usar o termo "na onde' no lugar de "aonde"
Você está na onde
E acho mais bonito o "na onde"
post perfeito, Miguel.
Valeu!
Requiém para os caça-Haddad
Diálogo 1
Duas amigas* trabalham no Conversa Afiada, um dos mais importantes blogues políticos de conteúdo democrático da blogosfera, ao fim do expediente se preparam para deixar o trabalho:
Zabete – Isa, vamo passar lá no sujinho pra tomar uma gelada?
Isa – Dá não amiga. Tô dura! Durinha da silva.
Zabete – ‘Xa comigo. Hoje eu pago a sua.
Isa – Já é!
Diálogo 2
Dois importantes jornalistas** de uma das mais importantes rede de televisão do país estão prestes a deixar o trabalho depois de uma intensa atividade sob um calor de 39ºC. Um editor, outro renomado âncora:
Editor Ali-ba-bá – Nobre colega, o senhor me acompanharia ao sofisticado Le bundô para degustarmos uma gelada cerveja?
Âncora Will Simpson – Lamento meu nobre amigo. Neste momento estou sem recursos. Deixemos para um outro dia.
Editor Ali-ba-bá – Qual nada! Hoje as despesas serão por minha conta. Vamos?
Âncora Will Simpson – Neste caso aceito. Obrigado por me convidar.
Exercícios de interpretação do texto
Questão 1
Releia os diálogos e assinale a resposta coerente com as seguintes situações:
( ) no diálogo 1 os personagens se mostram indiferentes sem nenhuma relação de amizade e, por isso, usam uma linguagem sem respeito aos padrões da norma culta.
( ) no diálogo 2 os personagens são amissíssimos. O uso da norma culta se faz obrigatória neste caso.
( ) no diálogo 1 os personagens usam uma linguagem corriqueira, entre amigos que compartilham angústias, perspectivas, prazer, mas que se entendem perfeitamente.
( ) no diálogo 2 os personagens usam a mesma linguagem, tanto para as questões corriqueiras do dia-a-dia quanto para as questões formais. A relação de amizade entre eles não influencia no modo de falar.
Questão 2
Considerando a norma culta da Língua Portuguesa (Brasileira?) assinale a resposta correta.
( ) No diálogo 1 a conversação não é correta porque não respeita a norma culta.
( ) No diálogo 2 a conversação é correta e a escola deveria exigir que as pessoas falassem assim em qualquer situação.
( ) No diálogo 1 a conversação está para os dias atuais e o diálogo 2, embora correto, não é usado nas relações informais.
Questão 3
Assinale a resposta de acordo com a percepção real do cotidiano.
( ) No diálogo 1 os personagens usam uma linguagem informal, corriqueira, sem obediência às normas cultas, e perfeitamente APROPRIADA para a ocasião. Já no diálogo 2 os personagens usam uma linguagem formal, arcaíca, obediente às normas cultas, mas INAPROPRIADA para a ocasião.
( ) No diálogo 1 os personagens falam ERRADO, sem obediência às normas cultas, já no diálogo 2 os personagens falam CORRETAMENTE e em obediência às normas cultas. Portanto, a velha mídia tá certa fazer o papel de caça-Haddad e a autora do livro que ensina a falar errado deve ser julgada segundo a santa inquisição.
* Os personagens dessa novela é criação do autor desse texto. Qualquer semelhança com pessoas reais terá sido uma intencional coincidência.
** Os personagens dessa novela é criação do autor desse texto. Qualquer semelhança com pessoas reais terá sido mera coincidência.
que arrogância, num pais com linguagem mesclada de italiano, espanhol, alemão, etc., alguém querer determinar o que é certo e o que é errado no falar! erico verissimo,jorge amado, guimarães rosa, todos eles , fora nascidos e criados em ambiente, em que o português falado diferia do português escrito... a elite sempre tentando fazer o povo - como se ela não fosse "do povo" - pensar que ela - a elite é mais culta ! grande bobagem! certo é todo o modo de falar que comunique o que se queira dizer... o resto é besteira... clelia santanna palegre rs
Miguel, seu texto é simplesmente fantástico!
um abraço
Adilson
Isso vale também para as artes plásticas, onde há o desenho formal, que segue regras, e o desenho "torto"
Gosto mais do desenho "torto" por ser este mais verdadeiro
Quem gosta de academia é mofo, claro que tem que se escrever certo, isso é óbvio, o errado é esta campanha boba da zelite branca brasileira,
Estes zé povinho não se emenda
spin
Este país nunca gastou um centavo com escola para o Patativa. Esse nunca defendeu que a pessoa iria crescer na vida só precisando do seu próprio peculiar como meio de expressão. Já com a autora foram milhões com escola e muito mais essa ganha agora, para ter valiosos bens sociais. Visitei o perfil de alguns dos senhores e nada há que já tenham comprado livro do Patativa e nem recomendam que outros comprem. Porquanto, são apenas um bando de hipócritas querendo desgraça para quem nunca deixou de tê-la.
Exigir respeito por Patativa para alguns dos senhores é muito. Posto que, nunca tiveram outro compromisso que não fosse com a laia de poder que seguem.
Este comentário foi removido pelo autor.
miguel,
o que a janice, o kamel e assemelhados fazem é política.
e a mídia que os repercutem, idem.
não tem nada a ver com cultura ou ensino.
é um direito deles. apenas acho que deveriam faze-lo no local e sob o rótulo apropriado.
que se filiem a algum partido. ou então façam o seu discurso no "millenium".
abraço.
emerson57
Miguel esta pensando um maneira de sermos mais efetivos no combate aos PIGs. Primeiro vamos reunir todos o blogueiros e leitores para uma grande "vaquinha". Vamos pedir a Dilma um concessao de TV aberta. Vamos ter o nosso propria canal de TV aberta. Vamos passar os conteudos dos blogs e outros muitos interressante que prende as massas (comedia principalmente). E principalmente eduque o povo contra os pigs.
Acho que todos os alunos devem aprender o português formal, a forma correta de se falar e grafar as palavras. Depois disso estudar as variantes e formas regionais e coloquiais. Só para exemplificar o caso, Pablo Picasso antes de pintar cubismo pintava na forma clássica. Depois de muito estudo e entendimento é que ele tornou-se hábil na "desconstrução" da imagem.
Nossos alunos devem aprender o português formal porque serão ainda mais prejudicados no futuro na hora de prestar um concurso público, por exemplo, onde o modo formal de escrita é o que vale. Não devemos menosprezar as formas populares da língua, pois a mesma é viva e sofre constantes mudanças. Mas não ensinar o formal é prejudicar essas crianças com o hálibe de estar preservando suas raízes. O maior interesse nisso é manter o povo burro para garantir votos. Porque quem não pensa se contenta com as migalhas que são oferecidas.
Professor Valdir
valdir, didática é coisa séria. o livro em questão não é para nível de alfabetização, mas para adolescentes que já tiveram milhões de aulas sobre português formal.
anonimo das 1.54 AM
sério que você revisou todo o nosso histórico na internet, de cada um de nós? ué, eu cito patativa do assaré e você vem me acusar de não... citar patativa?
fala sério!
Valeu, Rildo, muito bom o seu comentário :)
Passamos 8 anos com um Presidente que se orgulhava de nao ter estudado e nao falar direito. Jah fomos comparados com Japao e Coreia do Sul no passado. Perdemos as duas comparacoes. Em um mundo com economias cada vez mais dependentes de conhecimento, nohs ainda estamos as voltas com estes populismos que fazem elogio a ignorancia.
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