27 de agosto de 2011

Ecos de Berlusconi

5 comentarios


(Uma das estátuas na porta do Duomo, catedral de Milan)

Os caras de óculos raiban, ipod grudado no ouvido e bermudas jeans da bennetton, que circulam de patins nas áreas pedonais de los angeles, poderão continuar gozando uma boa vida por mais uma década. É assim, ao menos, que eu imagino que vivam os roteiristas de holliwood. Seja como for, a guerra na Líbia abre um novo filão para o cinema americano. O imperialismo 2.0, como todo mundo tem escrito por aí, produz filmes freneticamente, incluindo narrativas de protesto e crítica ao sistema. Aqueles ranzinzas de Frankfurt nunca foram tão atuais: o capitalismo moderno é tão seguro de si que pode se dar ao luxo de ser liberal. Isso me lembra uma história de Suetônio sobre Julio César: certa feita, enquanto César andava de sua casa até o Senado, um homem seguiu-o xingando-o pesadamente por todo percursso, e fez o mesmo quando César retornou a casa, já noite. O então cônsul, antes de entrar, pede a um amigo para conduzir o homem em segurança até o lar deste.

Acabo de ler um post e assistir a uma entrevista de Pepe Escobar e já posso visualizar belíssimos filmes de espionagem, política e guerra que serão feitos nos próximos anos, e entendo igualmente que por mais críticos que esses filmes possam ser, esfregando-nos no rosto o aspecto mais podre dos serviços secretos (incluindo aí alianças com membros da Al Qaeda), eles continuarão funcionando como propaganda do império.

*

Pode-se dizer a mesma coisa do que acontece no Brasil. Quem será capaz de escrever as histórias de nosso tempo? Não falo de filmes alternativos com audiência de poucos milhares; refiro-me às super produções que impactam massivamente a sociedade. Até hoje, por exemplo, nenhum desses filmes sobre o golpe de Estado de 1964, por mais que apresentem uma versão aparentemente esquerdista da história, jamais deram destaque à grande liderança política exercida pelos barões da comunicação.

Na verdade, é uma situação bastante opressiva e triste. Para a indústria cultural brasileira, desafiar a família Marinho, por exemplo, é algo similar a ser adversário dos Sforza durante a Itália renascentista. Naquele tempo, os artistas e intelectuais não tinham escolha. É lamentável que vivamos um totalitarismo parecido num regime democrático, na segunda década do século XXI!

*

Por outro lado, é preciso haver o confronto. Mesmo que a história não tenha nos legado quase nada sobre os homens que perderam a vida lutando contra os impérios, sabemos que eles existiram - porque os impérios, por fim, cederam à terrível e crescente pressão dos povos.

Nesse ponto, eu tenho uma visão algo mística (talvez um pouco ridícula), hegeliana: vejo como que um grandioso espírito do mundo conduzindo os homens (e mulheres também, claro), fazendo-os atravessar épocas de guerra e tempos de paz, ambos igualmente - e diabolicamente - importantes para a consolidação do modo de vida que teremos no futuro.

Esta visão me ajuda a evitar o ódio, e a não me deixar convencer inocentemente por nenhuma teoria política mirabolante acerca de como o mundo deveria ser ou não. Eu não sei como o mundo deveria ser, nem acho que seja possivel sabê-lo. As circunstâncias mudam, e transformam também as possibilidades que se abrem. Não é uma visão pessimista, nem seu contrário. E, no entanto, acredito que possamos detectar, através da filosofia, os movimentos de mudança e anteciparmo-nos a eles, adaptando nossa maneira de viver e de se organizar socialmente.

*

Admito por fim que errei feiamente em minha interpretação inicial acerca dos acontecimentos na Líbia. Eu sempre fui contra a guerra, mas houve um momento em que eu me pus contra Kadafi de uma maneira ingênua. Meu consolo é que até os bambas do jornalismo de guerra, como o próprio Pepe Escobar, caíram na armadilha. Escobar escreveu vários artigos em que descreve os maus feitos de Kadafi, eu também bati o martelo em cima dos pontos negativos da ditadura líbia. Mas eu esqueci um ponto fundamental: nada é pior do que a guerra, onde os instintos mais assassinos vem à tôna.

Hoje temos dúvidas inclusive se as primeiras revoltas líbias foram mesmo uma sequência natural de manifestações vistas na primavera árabe. Teria havido intromissão, desde aquele primeiro momento, dos serviços secretos americanos, na forma de insuflamento e propaganda?

Mais que nunca, ficou claro que as informações de que dispomos são precárias e manipuladas.

*

O negócio da faxina continua rendendo no Brasil. Parece que o governo havia alimentando algumas ilusões acerca do controle da narrativa. A mídia gostou da brincadeira de derrubar ministros e deve prosseguir na ofensiva. Até aí tudo bem. É bom sentir-se poderoso. Nada como derrubar um ministro para economizar o Viagra. O interessante é que o governo também parece estar gostando, de maneira que criou-se uma relação sado-masoquista. Taí uma coisa que eu sei. A secretaria de imprensa da presidente é ultra-conservadora, em termos de uso de novas ferramentas e políticas para novas mídias. Isso não vai dar certo, claro, e seguramente o governo terá de modernizar essa parte, caso não queira ficar refém de uma pauta histericamente oposicionista durante todo o período.

*

Aqui na Itália, onde permaneço por mais uns dias, temos a seguinte situação: a televisão aberta tem seis canais: os três privados pertencem a Berlusconi. Os três públicos estão sob sua influência, porque ele é o primeiro ministro. O controle da mídia é o segredo do cara.





22 de agosto de 2011

Reflexões de um progressista que ainda acredita no futuro

9 comentarios


(Valerio de Filippis)

Ontem conversei muito sobre política com uns italianos, e depois, pensando no que ouvi, fiz diversas comparações ao que acontece no Brasil. Aliás, tudo que eu vejo, escuto ou leio, eu comparo à terra dos sabiás que por lá defecam e gorjeiam. A questão do domínio, por Berlusconi, de canais populares de televisão, times de futebol, e empresas do show business, aguçou-me a consciência de quanto é perigoso misturar política e poder midiático. A nossa sorte é que a família Marinho ainda não pariu nenhum líder político. Mas temos que aprovar leis que impeçam a promiscuidade entre as forças políticas e os gigantes da mídia. Nesse ponto, o governo e os partidos fizeram um recuo este ano. Nada impede, porém, de pensarmos que seja um recuo estratégico. A luta contra os impérios midiáticos é algo muito mais complexo do que alguns imaginam; ela se dá em todas as democracias do mundo. É uma luta, aliás, que põe em cheque alguns princípios fundamentais da teoria democrática. Menciona-se muito as mudanças levadas a cabo em nossos vizinhos latino-americanos. Temos aí, de fato, um laboratório excepcional para que os cientistas politicos possam elaborar teses. Mas o Brasil tem uma situação bem mais complicada. Temos uma sociedade mais cosmopolita, mais industrializada (apesar do discurso da "desindustrialização", que provei ser falso), muito mais contraditória. Um processo de regulamentação da mídia precisa ser bem melhor calculado no Brasil do que em outros países.

Agora eu deixo bem claro a minha opinião: precisa haver uma regulamentação sim, e de preferência o mais rápido possível. Não vou, porém, cagar regras sobre como a classe política encaminhará essa luta. Também acho que é presunçoso de nossa parte acharmos que existe qualquer tipo de consenso sobre os objetivos. Há uma tendência crescente, nas redes sociais, a estabelecer controles sobre a expressão que me parecem totalmente esdrúxulos, ou mesmo fúteis. Lembro-me de um grande escândalo que se fez no Twitter porque uma repórter de uma revista feminina publicou uma matéria sobre "como conquistar um gringo". Acusou-se de ser uma matéria que estimulava o turismo sexual. Ora, isso é moralismo. Ou machismo às avessas. Eu li a matéria: um texto bobinho, inocente; talvez de mau gosto, mas totalmente inofensivo.

Se alguém publicasse uma matéria sobre como seduzir as lindas suecas que visitam o Brasil, ninguém protestaria. Ou seriam protestos bem menores. Outros querem controlar as novelas, estabelecer cotas para tudo, etc. Sou a favor das cotas para negros e pobres nas universidades, mas só para isso, e com data para acabar, não para programas de televisão. Acho um absurdo terrível que haja tão poucos negros na TV brasileira. Uma vez fiquei estupefato ao assistir uma novela do SBT que simplesmente não trazia nenhum ator negro, nem sequer moreno. O índice de melanina da televisão nacional certamente está bem abaixo do aconselhável. Acho que podíamos fazer campanhas no sentido de melhorar isso. Sou a favor de campanhas de esclarecimento, esse tipo de coisa. Cotas compulsórias, acho que seriam contraproducentes, uma agressão, uma admissão de fraqueza, além de uma violência à liberdade.

Na verdade, eu também penso na liberdade de expressão, de opinião, nessas coisas todas. Não vou deixar essas bandeiras para os garotos do instituto millenium. Tenho igualmente minhas pendências com os entraves do politicamente correto. Minhas críticas, no entanto, são colocadas de uma maneira completamente diversa. Por exemplo, por que todos esses almofadinhas que protestam contra o politicamente correto não fazem piadinhas com os barões da mídia?

Hoje dei um passeio pelos blogs políticos e observei que o vazio deixado pelo fim do mandato de Lula ainda não foi preenchido. Talvez não o seja jamais. E o desdobramento dos debates deflagrados com os escândalos de corrupção gerou uma guerra pela destruição X manutenção do mito do presidente operário. A mídia brasileira optou por uma estratégia bastante maquiavélica, desde o início, que é trabalhar a imagem positiva de Dilma estabelecendo sempre uma oposição a tudo de negativo (segundo a mídia) que havia no governo Lula. Com isso, constrange duplamente a militância: primeiro porque, acostumada a ser um contraponto à oposição midiática ao governo, de repente vê seu maior inimigo elogiando a presidenta; segundo porque esse elogio vem acompanhado de um esforço para desconstruir o legado lulista.

A estratégia do Planalto de evitar o confronto com a mídia e dialogar amigavelmente com as forças de oposição, especialmente com Fernando Henrique Cardoso, causa irritação em muitos blogueiros progressistas, acostumados a uma rotina de guerra. Com isso, alguns ficam realmente agressivos e irritados, com tudo e todos. O movimento dividiu-se em três: uma ala mais "independente", flertando já com uma oposição à esquerda, parece ter se tornado majoritária entre os grandes e seus exércitos de leitores e comentaristas; uma parcela importante dos blogueiros pequenos, todavia, se mantém bastante fiel ao governismo, por razões orgânicas; uma terceira ala simplesmente afastou-se do movimento, justamente para fugir a esse divisionismo cada vez mais radical e sectário.

Eu me encaixo no terceiro grupo (embora esse texto aqui me traga, de certa forma, ao movimento, que em última instância é apenas um grupo de debate), até por achar que a blogosfera política está se tornando autofágica, ou seja, está começando a devorar a si mesma. Se nos distraímos, alguém nos arremessa um estereótipo hediondo; geralmente algo bem degradante, como "dizer amém a tudo que faz o governo"; ou pior: "puxa-saquismo", mostrando que a acusação anterior de "chapa-branca" não é mais suficientemente brutal. Por fim, parece que decidiram converter, definitivamente, a palavra "pragmático" num sinônimo de imbecil.

Então resolvi me afastar desse debate antes que perdesse a compostura, como já fiz algumas vezes. Mas agora estou mais autoconfiante. Já falei de poesia, cinema, já provei um pouco a mim mesmo que não dependo (intelectualmente falando) dessas querelas mesquinhas para existir como blogueiro; então posso voltar a interferir na discussão. Com toda a humildade, já que, assim como Veríssimo, considero-me o homem mais humilde do mundo.

Muita gente parece alimentar grandes certezas sobre o que seria a melhor comunicação oficial, outros entendem profundamente de marketing político; alguns até arriscam ler a mente dos proprietários da mídia para nos informar quais são seus planos secretos.

Vamos encaminhar uma questão concreta. A faxina ética que Dilma vem promovendo nos ministérios, por exemplo. É bom ou ruim? Neste ponto, deflagrou-se uma série de surtos esquizofrênicos na blogosfera, cujas primeiras manifestações aconteceram por ocasião do caso Palocci. Os que defendiam a sua saída a todo custo, mesmo que não houvesse nenhuma acusação objetiva contra o ministro, de repente passam a lamentar a decisão da presidente de demitir funcionários (incluindo ministros) sobre os quais pesam graves acusações, concretíssimas, de corrupção.

É claro que o fato de muitas dessas acusações terem sido publicadas inicialmente na revista Veja causa um constrangimento enorme na militância de esquerda. É como se o governo cubano ficasse sabendo de uma falcatrua de um funcionário através da Fox. O problema nasce, todavia, de uma postura maniqueísta, que não é saudável e nunca dá certo. Assim como os blogueiros não são santos (no sentido de nunca publicarem uma inverdade), a grande mídia também publica denúncias verdadeiras. Não me refiro a nenhum caso em particular. Adoto somente uma postura filosófica. Até o diabo diz a verdade às vezes, se lhe convir. E até mesmo Jesus torcia aqui e ali um raciocínio para não provocar constrangimento entre seus apóstolos.

A faxina, no entanto, é sã, mesmo que isso provoque uma crise passageira junto o Congresso Nacional. Quer dizer, politicamente é arriscado, mas outra atitude também comportaria riscos. Digamos que Dilma não tivessse feito nada no Ministério dos Transportes. Acreditam realmente que as denúncias cairiam no esquecimento? Ou a mídia produziria uma bola de neve, juntando um escândalo em outro, criando uma espiral interminável de denúncias, até tornar irrespirável a atmosfera política no país?

Além do mais, não podemos afirmar que Dilma demitiu tal ou qual funcionário apenas em função de uma denúncia na mídia. Talvez a mídia realmente tenha "furado" investigações já em curso dentro dos aparelhos de controle do governo, mas pode ser igualmente (o que me parece bem plausível) que a presidente, em virtude da alta posição que ocupa, tenha informações que nem o público nem a mídia possuem.

Como cidadão brasileiro, eu quero mais é que a faxina ética se aprofunde no país. Desde que os direitos de defesa de todos os personagens sejam respeitados, para mim é um processo extremamente salutar, porque é uma realidade inegável que a praga da corrupção contaminou quase todas as esferas da administração pública. Não me interessa se a mídia ganha prestígio com isso; se ganha, é porque - infelizmente - merece; nossos adversários também fazem gol; também procuro não pensar muito se um grupo ou outro de parlamentares está insatisfeito. Essas crises entre Executivo e Parlamento só duram até a liberação de verbas, ou até as próximas eleições.

Em relação às políticas do governo, eu darei dois ou três anos para Dilma melhorar a educação e saúde no país. Não espero nenhum milagre, até porque entendo que vivemos numa federação em que as políticas federais devem ser integradas a iniciativas de estados e municípios. Conto apenas com uma melhora que tenha relevância e aponte para um processo contínuo. Também aguardo o prosseguimento das grandes obras de infra-estrutura. De resto, não me sinto tão inteligente (ou vidente) para ministrar aulas de política a Dilma Rousseff e seus assessores. Não pretendo "dizer amém" ao que faz o governo; eu simplesmente tenho outras coisas com que me preocupar e para fazer uma crítica consistente, eu preciso de um mínimo de embasamento.

Um ponto em que bato o martelo, todavia, é a fragilidade das políticas públicas em relação à banda larga nacional. É ruim, e não vem de hoje. Mas como não posso fazer nada quanto a isso a não ser reclamar por aqui, não me resta senão esperar para ver se melhora em dois ou três anos.

De resto, acompanho a realidade social e econômica do país, leio meus livros e trabalho para ganhar a vida. Me perdoem se pareço resignado; não quero sê-lo. Igualmente me sinto desconfortável quando me chamam de "moderado". Não queria que me rotulassem de nada. Prezo muito, da mesma forma, o conceito de "revolucionário" para atribuí-lo facilmente a qualquer indivíduo metido a politizado. Estudei e estudo as revoluções e a história das civilizações, e vi quanto os verdadeiros revolucionários tiveram que lutar contra os voluntaristas, os radicais, os fanáticos, os sectários, os oportunistas. Também vi como as revoluções mais lindas degeneraram em massacres covardes, em banhos de sangue que engolfaram seus próprios lutadores, como foi o caso da francesa. A gente tem que aprender com esse tipo de coisa, para isso serve a história.

Resumo: continuo emprestando meu apoio total à Dilma Rousseff, independemente se tenho críticas pontuais a seu governo. Em relação ao problema da mídia, acho que a esquerda vai crescer bastante em 2012, e tudo que a Dilma vem fazendo, em termos de bom relacionamento com os medios, e mesmo sua luta implacável contra a corrupção, inscreve-se numa estratégia de capturar o eleitorado de centro-direita do Sudeste. A colunista da Folha, Cantanhede, ao que parece, foi a única a alertar o PSDB para esse "perigo"; a blogosfera, por sua vez, esnobou a sugestão como se fosse algo inteligente demais para a presidenta. Acredito que o próprio PT, ao recuar na questão da mídia, também pensa na conquista do Sudeste.

Uma pá de gente acredita que esses recuos podem transformar o PT num partido social-democrata europeu, como se isso fosse um xingamento. Esquecem que os social-democratas tiveram o poder por mais de trinta anos em vários países e promoveram profundas reformas sociais e políticas. Eles sofrem um desgaste natural hoje, mas há uma conjuntura muito específica por lá, que envolve o descontrole nos fluxos de imigração, um forte endividamento público, o envelhecimento da população, a perda de competitividade das indústrias européias em relação à Ásia, e a escassez de recursos naturais, sobretudo combustíveis. Não são problemas propriamente de raíz ideológica, embora a discussão ideológica seja, naturalmente, a única maneira de encaminhar soluções à crise.

Se o PT se converter num partido social-democrata europeu, portanto, em termos de longevidade no poder, aceitação social e políticas públicas, acho que será um avanço para o Brasil. Ainda temos muita pobreza, muita dívida social a ser sanada, antes que a população brasileira se canse desse papo de distribuição de renda, programas sociais, educação e saúde públicas. A esquerda brasileira ainda tem bastante munição para queimar, tantas eleições a vencer. Muitas águas correrão por esse rio, e as transformações que não vemos hoje, poderão eventualmente acontecer em breve.

Carducci, cinema e a guerrilha anti-berlusconi

Seja o primeiro a comentar!


(Egodesintegration, de Valerio de Filippis, pintor italiano contemporâneo)

Carducci é um dos poetas mais ensinados nas escolas italianas. Os literatos do país, no entanto, consideram-no excessivamente monumental. É acusado de ser acadêmico, um pouco artificial ou "forçado". Mas é respeitado por todos como um dos maiores poetas do chamado "resorgimento", ou seja, os anos de intensos conflitos sociais e políticos (com ampla participação da intelectualidade) que levaram à unificação da Itália, em 1861. Quer dizer, Carducci veio um pouco depois, e escreve para uma Itália já unida, mas seus poemas capturam os últimos vestígios desse movimento, já num ambiente de grande desilusão com os rumos políticos do país.

Na verdade, o artificialismo de Carducci é deliberado, porque ele se considerava um anti-romântico, cujos representantes no país ele combatia. Mas também é anti-clerical, progressista e republicano, posicionando-se desde sempre como adversário do agressivo conservadorismo aristocrático que assombrava toda a Europa desde o fim do Renascimento. De origem humilde, e tendo que ganhar a vida como professor, Carducci soube lutar contra os aristocratas usando suas próprias armas: a erudição, o domínio da cultura clássica e uma incomparável virtuose poética.

Estou estudando a história e a obra de Carducci porque me interesso pela poesia e pelo idioma italiano, que considero quiçá a mais musical das línguas latinas, talvez pelo fato de ter sido a que mais conservou a antiga melodia de nossa querida "nona", o latim.

Por uma felicidade, retorno - fisicamente - à Itália, de onde escrevo essas linhas, acompanhando minha mulher, que é júri de cinema num delicioso festival de curta-metragens em Piacenza.

A região da Emilia-Romagna, onde fica Piacenza e cuja capital é Bolonha, tornou-se uma espécie de fortaleza contra o pensamento berlusquiano, possivelmente porque uma das poucas universidades que escaparam à impiedosa tesoura governamental encontra-se aí, de maneira que sua ideologia em prol do investimento público (em oposição às ideias neoliberais da região da Lombardia, de Milão e Forza Italia, partido de extrema direita que é um dos sustentáculos de Berlusconi) espraia-se pelos arredores.

Piacenza, situando-se na fronteira com a Lombardia, é uma área de guerra cultural, portanto, e uma parte de seus habitantes há anos constroem muros para barrar os influxos berlusquianos que chegam de Milão. Lendo um poema de Carducci sobre o espírito de luta e resistência dos franceses que, ao fim do século XVIII, moravam nos limites do país com Áustria e Alemanha (cujas monarquias tentavam obrigar a França a engolir seus ímpetos revolucionários e restituir o poder a seus antigos donos), eu comparo esse espírito à abnegação sonhadora dos organizadores do 10º Concorto, o evento de que lhes falei. Trabalham todos voluntariamente para realizar um dos festivais de curta-metragem mais interessantes do país. Iniciativas como essa pipocam em toda Itália, e são sempre lideradas por intelectuais anti-berlusquianos; apesar da massacrante desilusão em que vivem os italianos progressistas de hoje, em virtude da opressiva situação política, eles continuam fazendo seu trabalho de militância cultural, através do qual disseminam aqueles antigos valores que estão por trás de todas as grandes transformações sociais e políticas que algum dia viveram as sociedades, européias ou não.

Mas eu falava de Carducci. Um rapaz com que conversava há pouco no saguão do hotel indicou-me um poema dele que foge a seu estilo grandioso. Quem poderá culpá-lo, todavia, por abandonar a frieza acadêmica (fria, pomposa, mas tecnicamente admirável) para expressar, num poema mais íntimo, a dor excruciante e irreparável da morte de seu filhinho querido, cujo nome, Dante, nos confirma o amor sincero que reserva à poesia italiana?

O poema é inspirado num antiquíssimo canto fúnebre grego (língua que Carducci ensinava), onde o autor ressalta o contraste entre uma bela romãzeira (melograno), que volta a florir todos os anos, e a sua própria existência, cujas flores parece que jamais retornarão, após a perda de um ente tão amado.

Transcrevo o original em italiano; em seguida, uma tradução de minha lavra.

Pianto Antico

L'albero a cui tendevi
La pargoletta mano,
Il verde melograno
Da' bei vermigli fior,

Nel muto orto solingo
Rinverdi tutto or ora
E giugno lo ristora
Di luce e di calor.

Tu fior de la mia pianta
Percossa e inaridita
Tu de 'inutil vita
Estremo unico fior,

Sei ne la terra fredda,
Sei ne la terra negra;
Né il sol piú ti rallegra
Né ti risveglia amor.

Giugno 1871


Lamento antigo

Árvore a qual tocava
a pequenina mão,
a verde romãzeira
das belas rubras flores,

no jardim agora mudo
viçosa estava há pouco;
recupera em junho tudo,
não terá mais dissabores.

Tu, flor da minha planta
machucada e ressequida,
Tu, da inútil vida
Derradeira única flor,

Jaz agora em terra fria,
Jaz agora em terra negra;
Nem o sol mais te alegra
Nem te desperta o amor.

Junho, 1871
Giosue Carducci
(tradução: Miguel do Rosário)

*

Aproveito a oportunidade e partilho com vocês as indicações que recebi desse amigo, um cineasta bastante culto, acerca dos nomes mais representativos da poesia italiana moderna:

Giacomo Leopardi - Segundo meu amigo, é o maior; muito distante, em qualidade e profundidade, de todos os outros.
Ungaretti
Montale
Hugo Foscolo
Dino Campana


Meu amigo também me sugeriu estudar a poesia de D'Annunzio, para entender a existência de Berlusconi.

Por fim, indicou-me alguns escritores em prosa:
- O anti-fascista Emilio Galda.
- Nicola Lagioia, uma escritora cujos livros mostram muito da Itália dos anos 2000.
- E confirmou-me a qualidade de Roberto Saviano, sobretudo sua obra-prima Gomorra, já muito famosa no Brasil.

20 de agosto de 2011

Ultranascimentos

3 comentarios



janelas bizantinas
pelas quais saltava
como um sírio (não um círio)
em fogo

mas avistava
ao longo do canal
sem gôndolas
os fantasmas que assombravam
bonsucesso

tudo isso há muito tempo
lá em caxias
num motelzinho barato
adjacente à boca de fumo

onde se vendiam
tickets de ida e volta ao inferno
ao preço muito menor
que uma edição popular de dante

àquela altura, porém,
não tinha mais importância:
saltávamos das pontes
como quem recita
um poema ruim

como quem vende
livros xerocados
na porta da biblioteca nacional

enquanto outros ofereciam
a preços módicos
seu mau humor na internet

nem a cerveja, de qualquer forma,
nem a tristeza,
nem as feridas auto-inflingidas
poderiam te redimir

oh, tu,
esperança arruinada
dos esgotos em si bemol
dos ratos que ouvem blues
das prostitutas
que não gorjeiam

fodam-se as palmeiras,
e todas as merdas
que cantarolam
e espirram
por lá

de agora em diante,
as glórias mortas dos partigianos
cujas estátuas nos espreitam
desconfiadas
nos jardins públicos
de veneza?
crato?
caxias?

*

estenda a toalha
no varal do banheiro
vomite delicadamente
no lugar apropriado

leia os jornais, acesse os blogs,
aprimore sua indignação
comporte-se

há olhos postos em você.

seja bom, revoltado, justo,

há um prêmio ao fim da trilha
uma embalagem bonita
dentro da qual encontrará
um cocô de sabiá

15 de agosto de 2011

O discreto progressismo de Holliwood

10 comentarios

(Naomi Watts e Valerie Plume, atriz e ex-agente da CIA, trocando figurinhas).


Fiz uma promessa toda pomposa aqui de escrever sobre outros temas que não política e o máximo que fiz foram dois posts em que me exponho como um boêmio falastrão. O terceiro post, com um vídeo caseiro do youtube para a música Melô do Bêbado, clássico do funk dos anos 90, também não ajuda muito a produzir uma imagem séria deste que vos fala. É que eu tenho mesmo essa implicância quase autodestrutiva contra a sisudez, que eu não sei porque associo à picaretagem. Na verdade, eu sou um humorista frustrado. Se tivesse mais talento, ganharia dinheiro fazendo stand up, mas como não tenho, restrinjo-me a escrever posts de política, posar de escritor in potential e fazer minha mulher rir com palhaçadas não-profissionais. E vou levando a vida e assistindo muitos filmes, que isso é o que importa.

Hoje à tarde assisti Árvore da Vida, de Terence Malick, um filme muito bonito, embora ficasse melhor com uma edição que lhe cortasse uns 20 ou 30 minutos. É um roteiro bem ousado, beirando o pretensioso, com efeitos especiais tão maravilhosamente trabalhados que intimidam qualquer mortal, sobretudo alguém proveniente de um país cujo cinema ainda é tão pobre nessa área. A história gira em três eixos, ou núcleos: o primeiro, com Brad Pitt, mostra as alegrias e tristezas de uma família média americana dos anos 50; o segundo é uma sequência de efeitos especiais que descrevem, em imagens, a origem da vida; o terceiro, que é um núcleo menor, tem cenas com Sean Penn, nos dias de hoje. Um mexidão interessante: um dramalhão familiar bem morno; cenas de science-fiction; e um final meio previsível que me lembrou o filme Nosso Lar (que aliás eu nem assisti, mas me lembrou mesmo assim).

As cenas do núcleo de ficção-científica são espetaculares. Vale a pena assistir só por causa delas. Aconselho apenas a fazer um bom lanche, seguido de um café espresso, antes de entrar na sala, porque o filme estende-se por uns 30 minutos além da nossa paciência média para sessões de cinema.

Eu vim aqui, porém, falar de outro filme, que eu assisti em casa, no DVD. É Jogo de Poder, de Doug Liman, o mesmo diretor da trilogia Bourne, que eu gosto muito. Considerando o número de vezes que os filmes de Liman estrelados por Matt Demon foram exibidos em horários nobres de canais abertos e fechados, eles também devem agradar a maioria dos brasileiros.

O cinema de Liman tem as virtudes preferidas do povão (eu incluído): muita ação, heróis invencíveis, tomadas aéreas espetaculares e histórias de alta espionagem internacional. Os personagens falam rápido e a câmera jamais descansa. Neste filme, porém, Liman adota um estilo mais comedido. Os heróis são pessoas reais, porque o filme é inspirado em fatos reais. É a história de uma agente especial da CIA que teve sua identidade revelada por membros do governo de George W. Bush (ou seja, sua carreira foi destruída, porque agentes secretos não podem ser conhecidos) porque ela e seu marido, um ex-diplomata que trabalhara por muitos anos na África, sabiam que o Iraque não possuía armas de destruição em massa.

O filme baseia-se no livro de Joe Wilson, o marido, que liderou uma luta feroz contra o massacre à sua reputação e à da esposa promovido pela mídia conservadora americana. A simples existência desse filme, dirigido por um dos maiores nomes do cinema mundial, estrelado por Sean Penn e Naomi Watts, significa a vitória de Wilson e Valerie Plumer, a agente traída, sobre a turma do Dick Cheney, o vice-presidente de Bush, um dos políticos mais pérfidos que jamais pisou a Casa Branca. Nenhum cineasta que presta jamais fará um filme mostrando "o lado bom" de Cheney. A história, juíza implacável, definiu seu lugar no panteão dos personagens: o de vilão.

Aliás, a turma que resolveu crucificar Obama pelos recuos políticos que ele está sendo obrigado a dar, em vista da força dos republicanos e de seus braços na mídia, deveria lembrar-se da fábrica de mentiras do governo Bush, cuja administração forjou deliberadamente histórias falsas sobre o Iraque, para justificar a guerra. Objetivo: transferir alguns trilhões de dólares do bolso de 300 milhões de contribuintes para as contas bancárias de meia dúzia de barões da indústria bélica.

Esse filme me fez pensar numa teoria que eu namoro há tempos: o cinema americano tornou-se o último refúgio, dentro da mídia grande, de um pensamento político progressista. Claro que esse "progressismo" inclui, quase sempre, todas aquelas patriotadas sobre a superioridade dos valores americanos, da democracia americana, etc.

Entretanto, obras como Jogo de Poder, Syriana, Boa noite e Boa sorte, só para citar alguns recentes, representam o esforço, por parte da indústria do cinema, de produzir uma cinema crítico ao próprio imperialismo.

É interessante notar que esses filmes mais "progressistas",com pegada política, trazem sempre os mesmos atores: Sean Penn, Matt Damon, George Clooney.

Jogo do Poder é uma condenação dura contra as mentiras de Bush e seus acólitos, uma denúncia de um dos mais terríveis crimes da humanidade, e que mereceria ser investigado pelo Tribunal Internacional, se é que já não está sendo. O debate político franco, que não encontra espaço nos jornais, floresce na indústria do audiovisual. Não de toda a indústria, evidentemente, mas de uma parte importante dela. Filmes que discutem abertamente a manipulação da opinião pública por parte dos gigantes da mídia.

Essa tradição "progressista" de Holliwood vem desde os anos 50, ao menos. Em A Montanha dos Sete Abutres, de Billy Wilder, já temos uma denúncia contundente aos desmandos arbitrários e falta de ética da mídia privada norte-americana.

Entrevista de Nelson Rodrigues para Otto Lara Resende

Seja o primeiro a comentar!

Viva a internet. Essa entrevista é uma jóia. Muito engraçada. Peço que encarem suas declarações sobre a esquerda e sua auto-declaração como reacionário com o mesmo humor com que encaramos suas palavras acerca do jovem, do beijo na boca, etc. Ao mesmo tempo, há uma verdade profundamente irônica, sutil, ou mesmo estética, nos pensamentos de Nelson, cuja grandeza está muito além do que os almofadinhas dos Jardins poderão jamais alcançar. A esquerda tem de reverenciar Nelson Rodrigues, e dar a outra face a cada tapa que o dramaturgo lhe aplica, porque vem de uma pessoa essencialmente boa, calculada e francamente ingênua, e avassaladoramente genial.

Parte 1/3



Parte 2/3



Parte 3/3

13 de agosto de 2011

É a saúde, estúpido!

16 comentarios

A última pesquisa CNI/Ibope mostra uma forte erosão da popularidade da presidente. O percentual de insatisfeitos subiu de de 12% para 25%, e o de aprovação caiu de 73% para 67%.

Não é o caso, porém, de alarmismo. Poucos presidentes no mundo detêm índices de aprovação semelhantes. FHC raras vezes gozou de tanta popularidade quanto Dilma tem agora. Além disso, Dilma tomou medidas duras e impopulares neste início de governo. Cortou gastos, aumentou juros, suspendeu novas contratações. Medidas que quase todo governo deixa para adotar em seu primeiro ano, até para que possa afrouxar um pouco nos anos seguintes.



Em primeiro lugar, devemos fazer uma análise sem emoção, objetiva. Colegas blogueiros e alguns comentaristas estão repercutindo todo tipo de boato apocalíptico. Eu não sei se o Dirceu disse que Dilma estaria cometendo "erros políticos primários" e que nesse ritmo talvez nem concluísse seu mandato. O que eu sei é que Dilma substituiu Dirceu na Casa Civil e conseguiu, enfim, fazer o governo Lula deslanchar. Sei que Dirceu era o possível candidato à presidência, o homem forte de Lula, e de repente sua carreira virou fumaça e Dilma teve a sua chance - e foi ela que se tornou presidenta. Sei que foi Dirceu quem esteve a frente do escândalo do mensalão, que revelou, aquilo sim, uma sucessão lamentável de "erros primários" que traumatizaram o país e quase provocaram o impeachment do presidente. Até o momento, portanto, quem não concluiu seu mandato foi Dirceu, não Dilma. Quem quase não chega ao fim de seu governo por conta de "erros primários" foi Lula, e justamente por culpa (em parte, ao menos) de seu então ministro da Casa Civil.

Enfim, devemos evitar ilações apressadas, como atribuir a queda de popularidade à ida de Dilma à festa de 90 anos da Folha ou à sua postura cordial para com o príncipe da oposição, Fernando Henrique Cardoso. Uma coisa não tem nada a ver com a outra.

Eu agora tenho uma posição bastante crítica em relação às políticas de banda larga do Planalto, mas continuo achando que Dilma agiu com sabedoria ao procurar distender a tensão eleitoral e tentar estabelecer um diálogo sereno com as forças de oposição. 44 milhões de brasileiros votaram em José Serra, e a presidenta tinha obrigação de não apenas fazer declarações vazias sobre "estender a mão" a todos os brasileiros, incluindo os que não votaram nela. Ela tinha que fazer isso na prática, e nada mais efetivo do que participar de um evento na Folha, órgão que se notabilizou por sua postura fortemente oposicionista contra a candidata e contra o mentor dela, o ex-presidente Lula. As gentilezas feitas a FHC conseguiram, por sua vez, neutralizar de maneira formidável os ataques hidrófobos de nossos arremedos de membros do Tea Party.

Também acho que é bobagem essa postura draconiana e intransigente de exigir que o governo Dilma seja uma "continuidade" absoluta do governo anterior. Não se pode confundir uma linguagem eleitoral com a realidade cambiante do horizonte político. Nem se Lula fosse eleito para um terceiro mandato poderíamos ter uma continuidade absoluta. Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Querer continuidade à todo custo é irracional

As causas da erosão da popularidade de Dilma são muito mais concretas do que essas polêmicas sobre se foi correto ou não ir à tertúlia da Folha. O povo não está nem aí para essas picuinhas da blogosfera. Os números do Ibope mostram que o declínio na aprovação da presidente é a forma pela qual a sociedade cobra melhores políticas de saúde pública, dentre outras demandas similares (educação, combate ao desemprego, etc). Além do mau humor inevitável que todo cidadão sente em relação a seus governantes, passada a embriaguez eleitoral. O percentual de pessoas que desaprovam as políticas públicas de saúde cresceu de 53% em março para 69% em agosto.



O aumento de matérias negativas na imprensa também influenciou. Cresceu de 7% para 25% o número de pessoas que consideraram "desfavoráveis" as notícias do governo na mídia. Vale lembrar que não estamos falando aqui dos jornais da classe média (Globo, Folha e Estadão), mas do noticiário em geral, que engloba rádio, tv e jornais populares.



A popularidade da presidente, por segmentação de renda, apresenta especificidades interessantes. A mais notável é que, na contramão da média, a imagem do governo apresentou melhoras pontuais entre as faixas de renda mais altas. Na pesquisa Ibope de março de 2011, exatamente zero por cento das famílias com renda superior a 10 salários mínimos consideravam o governo "ótimo". Hoje, este percentual é de 7%. Entretanto, também entre os mais ricos, subiu de 0 para 12% o percentual de "ruim".

Notemos ainda que entre os mais pobrinhos (até 1 salário), o percentual dos que acham o governo Dilma "ótimo" cresceu de 9% para 11%; mas também cresceu de 2% para 8% os que o acham ruim.

De maneira geral, nota-se crescimento principalmente da nota "regular", o que é muito saudável, pois pressiona o governo a trabalhar mais para melhorar sua avaliação.



(Clique nas tabelas para vê-las por inteiro).

Os dados mostram uma evolução até certo ponto natural num governo que ainda não teve tempo de se desvencilhar dos problemas típicos de um começo de mandato. A lua de mel da população para com um governo recém-eleito, que ela ainda não conhecia, terminou. Como também encerra-se a transferência de popularidade de uma figura de contornos quase míticos para uma mulher cuja personalidade ainda é um mistério para a maioria dos brasileiros.

Os números da aprovação pessoal da presidente segmentados por faixa de renda também trazem dados  negativos para Dilma:


Note mais uma vez como diminuiu o número de pessoas que disseram "não saber" ou "não responderam" à pergunta.

A partir do momento em que a população percebe que os serviços públicos de saúde permanecem de péssima qualidade, não há como segurar a maré: o desencanto sobe como uma onda inevitável, estourando na praia da impopularidade. A sociedade brasileira está mais exigente. Não bastam programas sociais para aliviar o descontentamento secular do povo.

De qualquer forma, não é sensato querer que um governo mantenha índices de popularidade eternamente nos píncaros. Sarkozy, Piñera e Obama venderiam a alma para exibirem o nível de aprovação que Dilma tem hoje, e que possivelmente é superior ou similar ao de Hugo Chávez, Evo Morales e Cristina Kirchnner.

As complexidades da sociedade brasileira, com setores exigindo demandas fortemente antagônicas entre si, tendem a se agravar na medida em que o país se desenvolve. A tendência não é as coisas ficarem mais fáceis para Dilma, e sim complicarem-se. É gente puxando de um lado, gente puxando de outro. Por exemplo, se o governo concedesse, de uma só canetada, todos os aumentos que o funcionalismo público exige (e em alguns casos, com a mais absoluta razão), o país quebraria, e aí ninguém teria aumento, nem no setor público nem no privado. Pior, além de não ter aumento, perderiam o emprego.

Devemos, por isso mesmo, focar nossa atenção nos dados primários da economia, porque, num ambiente sem mudanças bruscas na orientação ideológica do governo, são estes que irão determinar variações concretas, não-sazonais, na avaliação das autoridades e tendências eventuais à alternância de poder. Falei em mudanças na orientação ideológica porque lembrei do Chile, onde a eleição de Piñera levou ao poder um grupo ainda identificado com o pinochetismo e defensor de políticas neoliberais, pressionando as forças políticas organizadas a adotarem uma postura de enfrentamento, a montar piquetes na porta da república, para que o governo não lhes roube seus já combalidos direitos trabalhistas e sociais, para mostrar ao governo e a toda sociedade chilena, que desejam ver esses direitos ampliados - e estão dispostas a lutar por isso.

No Brasil, temos um governo de orientação ideológica similar ao anterior. As acusações de conservadorismo de alguns setores à Dilma repetem rigorosamente a agenda de pressões corporativas, justas ou não, que vimos no início da era Lula. No começo de qualquer governo, os agrupamentos (sindicatos, movimentos sociais, associações estudantis) fazem barulho, agitam, organizam manifestos, com objetivo de se auto-afirmarem como instâncias políticas influentes. É um processo às vezes doloroso, mas bonito e necessário, que faz nascer uma dialética sangrenta e obscura, a luta entre as exigências de justiça social e os limites do regime democrático. E onde nem sempre os mais "bonzinhos" tem razão. Tomar uma decisão sábia não é partir o bebê ao meio.

O resultado destes embates só pode ser corretamente ponderado através de avaliações objetivas da situação econômica e social. Ou seja, mais do que a oscilação volátil da popularidade da presidente, o que vai fazer a diferença nas próximas eleições e no futuro do país é o trabalho e a competência do governo em controlar a inflação, aprimorar os serviços, fazer as obras de infra-estrutura, combater a pobreza, e tudo isso sem prejudicar o equilíbrio das contas públicas; enfim, governar de maneira efetivamente progressista, mesclando humanismo social, engenhosidade econômica e, naturalmente, inteligência política.

Fontes para esse post:
1) Pesquisa CNI Ibope de agosto/2011.
2) Pesquisa CNI Ibope de março/2011.

PS:

O Conversa Afiada traz dados que reforçam os argumentos desse post. Como o gráfico abaixo, por exemplo. Repare que Dilma está à frente inclusive do Lula 1.


12 de agosto de 2011

Pérolas do youtube

10 comentarios

Melô do bêbado

Secretária de Piñera ameaça de morte líder estudantil

2 comentarios


Acabo de ler no Vermelho (e confirmei a notícia em sites chilenos) que uma alta executiva do Ministério da Cultura do governo de Sebastian Piñera, postou em seu Twitter a seguinte mensagem: "Se mata a la perra y se acaba la leva". Mata-se a cadela e acabou-se a confusão. Tatiana Acuña Selles (é o nome da moça) citou ninguém menos que Pinochet. Trata-se de uma famosa frase do ditador em referência a Salvador Allende.  No caso de Acuña, ela a usou para se referir à Camila Vallejo, uma das líderes estudantis responsáveis pelas recentes manifestações em prol de uma melhor política para a educação pública. Devemos ter em mente esse tipo de declaração para nos lembrarmos bem o que significa ter um governo de direita. Ao conservadorismo latino-americano (no resto do mundo também, mas fiquemos por aqui), com sua recusa ao diálogo, com seu preconceito profundo contra o próprio diálogo, não resta outra saída que não a brutalização do adversário.

Se um ministro de Hugo Chávez falasse algo do gênero, provavelmente diversos jornais do Brasil e de outros países estampariam uma chamada na primeira página: "funcionário chavista ameaça de morte líder estudantil".

O mínimo que devemos fazer é rechaçar veementemente esse tipo de ameaça fascista à atmosfera de liberdade democrática que vivemos hoje na América Latina. O simbolismo por trás dessa declaração gera timidez e opressão ideológica, além de fomentar a violência. Como diria o Casoy, isso é um absurdo!


10 de agosto de 2011

Análise do Datafolha & notas críticas

7 comentarios

(Sísifo, por Tiziano)


Já andei lendo por aí muitos comentários irônicos sobre o fato da Folha não ter dado quase nenhum destaque à sua última pesquisa sobre a popularidade do governo. Eu já escrevi alguma coisa para a Carta Diária. Aqui no blog, gostaria apenas de fazer as seguintes observações, sobre os números segmentados por faixa de renda:

  1. Entre os mais pobres (até 5 salários), houve estabilidade. É ainda o segmento onde o governo tem mais apoio. Pode-se, no entanto, de fato, apontar o crescimento de 6% para 10% entre os que acham o governo ruim ou péssimo, mas eu acho que isso é uma oscilação normal considerando a queda no número de indecisos. Alguns colegas também estão comparando o desempenho de Dilma com os números dionisíacos de Lula ao fim de seu mandato. São dois governos diferentes, apesar de Dilma ser uma sequência da gestão anterior, e o povo sabe disso. 
  2. Entre a faixa média (2 a 5 salários), o desempenho foi bom. O índice de bom/ótimo cresceu de 43% para 45% e o regular caiu 2 pontos. 14% acham o governo ruim/péssimo, com estabilidade desde junho.
  3. Entre os mais ricos, houve forte queda entre os que acham o governo Dilma ruim/péssimo, de 20% para 12%, e melhora nas avaliações positivas. Esse é um dado extremamente importante, porque atinge em cheio o que a grande mídia gosta de chamar de "opinião pública". Por razões óbvias, os mais ricos formam um núcleo poderoso e influente de opinião política, sobretudo por seu peso junto aos meios empresariais e departamentos de jornalismo e marketing da mídia corporativa.
  4. O que mais me impressionou, nestes números, foi não ter percebido, ou não ter dado muita atenção, a forte piora na avaliação do governo na pesquisa de junho.
  5. Observe também que os brasileiros agora já tem todos opinião formada sobre o governo. Isso eu havia notado na pesquisa anterior. O percentual de pessoas que dizem não ter opinião caiu para 1% em junho e agora se mantém estável em 2%.




*

Se me perguntassem, porém, qual a minha avaliação do governo, eu hesitaria bastante em responder, e talvez respondesse "não sei". Porque ainda não entendi o que o governo pretende fazer em relação à banda larga. Os serviços continuam muito ruins e caros, e o plano nacional de banda larga passou longe, muito longe, de empolgar o país. Dilma não parece ter se dado conta da importância estratégica de uma política para internet mais generosa, mais ousada, mais condizente com a urgente e desesperada necessidade do povo brasileiro de se educar e se preparar para o mercado de trabalho. Nesse ponto, ao menos, estou achando o governo bem ruinzinho...

*

PS: Acaba de sair uma pesquisa CNI/Ibope, que mostra queda de 6 pontos percentuais na aprovação da presidente, de março até agora.

Molho persa

10 comentarios


(Cristo, por Delacroix. Obs: não tem nada a ver com o post,
mas é que achei muito bonita essa imagem)

A volta de Amorim ao governo federal desfaz alguns mal entendidos que haviam assolado a diplomacia brasileira. Companheiros mais afoitos partiram para cima da política externa com olhos injetados, confundindo as bolas: o Brasil tinha apoiado o programa nuclear do Irã, mas isso jamais significou que se tornara um aliado incondicional dos persas. Não faria sentido nenhum, por nenhum cálculo geopolítico ou moral, o Brasil ser "amiguinho do Irã". As palavras são de Celso Amorim, em entrevistas publicadas hoje no Globo e na Folha:

Folha - Uma das mais fortes críticas que oficiais militares fazem ao sr. é justamente a ligação com o Irã.

Nós nunca ficamos amiguinhos do Irã, e o Irã jamais foi uma prioridade da nossa política externa.  (...)

Creio que, se Amorim acreditasse que Dilma houvesse destruído tudo o que ele fez em política externa, não aceitaria um cargo tão importante em seu governo. Da mesma forma, entendo que se Dilma fosse adversária das posições de Amorim durante a gestão dele no Ministério das Relações Exteriores, não o teria chamado para assumir a pasta da Defesa.

Além disso, agora sabemos que Nelson Jobim havia sido imposto por Lula. A presidenta sempre quis Amorim no lugar dele. Bem, isso é o que tenho lido, e devemos ter prudência em relação a esse tipo de fofoca. Voltemos às declarações de Amorim em entrevista hoje para o jornal Globo:

Globo: Este ano, o senhor escreveu um artigo criticando o voto do governo Dilma sobre a decisão da ONU de enviar um relator de direitos humanos ao Irã. O que mudou agora?

Amorim: Não estava no governo. Agora que voltei, sou solidário às posições do governo.

Claro, a gente dá um desconto. Amorim não é bobo de fazer qualquer declaração que desautorize o governo em sua primeira entrevista. Mesmo assim, é um diplomata de primeira grandeza e saberia muito bem escapar pela tangente se tivesse uma opinião dura sobre o episódio. Isso confirma a tese que defendi aqui, de que as palavras de Amorim foram vítimas de proselitismo ideológico. Por culpa também um pouco dele. O ex-chanceler sentira-se humilhado pela maneira como a imprensa tratou a suposta mudança na orientação da política externa. Na verdade, não houve mudança significativa, mas sim um ajuste às novas circunstâncias, como deve ser. O compromisso da política externa brasileira é com a soberania brasileira, não com o Irã. A gente apoia o Irã quando é o caso de apoiar. E não apoia quando é o caso de não apoiar. Isso é independência. O artigo de Amorim na Carta Capital era mais uma defesa de sua atuação à frente da chancelaria do que um ataque ao alinhamento do governo à decisão da maioria da ONU (incluindo Argentina e vários colegas nossos) de enviar um relator especial de direitos humanos ao Irã.

Sabemos que há instrumentalização geopolítica da ONU e isso é revoltante. Mas na diplomacia, assim como nas artes marciais, pode-se usar a força do fortes contra eles mesmos. O pau que bate no Irã pode bater, daqui a pouco, em outro país. Desde que amparado em razões sólidas de direitos humanos, e que a discussão se dê no fórum adequado, que é a Comissão de Direitos Humanos da ONU, então está tudo bem. O que não pode é discutir direitos humanos na Assembléia Geral nem se condenar injustamente no Conselho de Segurança, porque essas são as instâncias que produzem guerras e sanções econômicas que afetam gravemente os povos envolvidos. Na verdade, as sanções econômicas contra o Irã é que são um atentado aos direitos humanos.

Em relação à Síria, eu acho que a diplomacia brasileira poderia ser mais dura. Entendo, porém, que estão todos muito apreensivos com a possibilidade de eclodir uma outra guerra civil na região. Além do mais, a gente nunca sabe se os serviços secretos americanos estão envolvidos, o que não seria nenhuma surpresa, visto que o regime sírio há tempos é um adversário dos ianques. Enfim, por via das dúvidas, melhor mesmo não se meter.

O banho de sangue que tomou conta da Líbia nos revela que a ONU perdeu a mão naquele país. Num primeiro momento, a ONU teve apoio da Liga Árabe, de intelectuais e ativistas de direitos humanos do mundo inteiro. Todo mundo queria ajudar o povo líbio a reivindicar democracia e liberdade. A confusão foi grande, porque Kadaffi tinha prestígio junto a setores da esquerda, em virtude de suas posições independentistas. Alguns mencionaram a boa posição da Líbia no ranking da ONU para qualidade de vida. Mas Kadaffi é um ditador e o regime líbia é uma ditadura odiosa, e o apoio dos meus colegas de esquerda a um tirano é lamentável, sobretudo num momento em que as populações árabes se manifestam de maneira tão vigorosa por mais liberdades civis e políticas. Infelizmente, o fato da Líbia ser um grande produtor de petróleo fez Europa e EUA virem com demasiada sede ao pote, revelando - aos próprios líbios e a todos nós - antes um anseio imperialista do que o desejo de proteger civis.

6 de agosto de 2011

O pêndulo dos aflitos, ou quando tudo começou

7 comentarios

(Narciso, por Caravaggio)

Em julho de 2008, entrei numa aula de box e a consequência foi abandonar o emprego. Eu estava em boa forma física na época, correndo várias vezes por semana no aterro do flamengo, pedalando minha bicicleta até a Urca ou Ipanema, fazendo longas caminhadas. Senti-me preparado, portanto, para vôos mais altos e aceitei a sugestão do zelador do meu prédio de praticar box numa academia vagabunda e semi-clandestina da rua do riachuelo. Na Lapa, a profissão de zelador tem um excelente status e aquele porteiro, Cláudio, era um sujeito bem original: além de seus conhecimentos avançados em box (pouco depois ingressaria na federação nacional e se tornaria professor), era também um pintor de talento, recebendo encomendas de médicos e terreiros de umbanda. Um quadro seu foi misteriosamente roubado de um consultório, o que me levou a comentar que seus trabalhos havia se tornado objeto de cobiça das grandes quadrilhas internacionais.

Não foi uma boa idéia. Voltei do box com fortes dores no braço, que só aumentaram no dia seguinte, deixando-me praticamente aleijado por dois meses. Resultado, comuniquei a empresa para a qual eu prestava serviços que não podia mais continuar.

Eu desejava fazer isso há tempos. Nada como ficar aleijado temporariamente, sem nenhuma proteção trabalhista, para ganhar coragem! Na verdade, porém, minha decisão fora tomada (ainda de forma meio inconsciente), algumas semanas antes, ao assistir uma peça do Bortolotto, intitulada "Efeito Urtigão", num teatro da Tijuca. Alguma coisa naquela história me tocou profundamente: a coragem e a renúncia, sobretudo.

Então veja como são as coisas: uma peça de teatro e uma aula de box fizeram-me abandonar o emprego e dedicar-me exclusivamente ao blog. Quer dizer, eu estava aleijado ainda, e nem escrever podia. Mesmo assim, organizei uma festa lá em casa: a festa do desempregado, com cerveja grátis para todo mundo, música boa e amigas bonitas. No apezinho de quarto e sala acotovelaram-se dezenas de amigos e desconhecidos, dançando ao som das músicas que alguém selecionava no youtube.

Sem poder escrever, dediquei-me às artes plásticas. Um dia publico aqui os trabalhos que fiz naquele período. E fiquei um tanto nervoso em relação às minhas finanças. Nunca trabalhara em nada que não fosse relacionado à sentar a bunda diante de um computador. Dessa vez, porém, com o braço direito ainda meio aleijado, resolvi fazer algo diferente. Como rapaz bom e humilde que sou, decidi começar de baixo: vender cerveja na Lapa.

Bem, resumo da história: foi um fracasso. Eu e meu irmão caçula (que veio me dar uma força) não vendemos quase nada, e acabamos por beber boa parte da cerveja. Ser ambulante na Lapa não era tão fácil como eu imaginava. Os pontos estavam todos tomados, alguns há uns quinze anos, e as áreas principais eram restritas aos membros da Associação.

Algumas semanas depois, felizmente, meu braço melhorou e pude voltar a escrever. Estava sem emprego e sentindo-me maravilhosamente livre com todo aquele tempo disponível. Voltei a postar no blog, a publicar em revistas, e criei a Carta Diária. Assim teve inicio uma fase diferente do Óleo do Diabo.

Entretanto, repassando o histórico dos últimos anos, vejo que essa história de "fases" do blog é uma viadagem recorrente. No fundo, não tem fase nenhuma, apenas o desenvolvimento natural de ansiedades, sonhos e frustrações. Tento me consolar, às vezes, dizendo que, ao menos, eu me arrisco.

De qualquer forma, quero sugerir aqui uma bela crônica do Mirisola, insistir para que vocês assistam ao filme Ilusões Óticas no cinema, e fazer uma propaganda da minha Carta Diária.

5 de agosto de 2011

Notas antipreguiça

11 comentarios

(Eugene Delacroix)

A substituição de Nelson Jobim por Celso Amorim balançou minha decisão de não escrever sobre política por uns tempos. O fato incendiou a blogosfera, que odiava Jobim (com razão) e ama Amorim, com mais razão ainda, pois foi um dos melhores chanceleres da nossa história, e um dos melhores do mundo, segundo a prestigiada revista Foreign Policy, especializada em política internacional.

Jobim, na verdade, "pediu para sair", após uma sequência de declarações estapafúrdias, desrespeitosas, provocadoras. Diferentemente do grande Vargas, porém, Jobim não sai da vida nem entra na história. Ele sai do governo para engrossar as fileiras da oposição.

Quando a presidenta formou seu ministério e fiquei sabendo da permanência de Jobim, eu cogitei que a decisão servia a nova estratégia do governo de suavizar um pouco a imagem de anti-americano. O Brasil havia saído de um confortável superávit comercial com os EUA para um pesado déficit. Ou seja, durante a era Lula, as exportações brasileiras para os EUA estagnaram-se - e as exportações deles para nosotros explodiram, e conhecendo a mentalidade fanática dos americanos, é possível que a política externa independente do governo tenha contribuído para esse quadro negativo.

A solução, naturalmente, não é baixar a guarda nem mudar a nossa nova postura de altivez diplomática. Mas Lula não recebeu e abraçou George Bush em 2003, no ano seguinte à invasão ao Iraque, por amor aos ianques nem interessa ao povo brasileiro esnobar o mercado americano por proselitismo ideológico.

A soberania e altivez política dos novos tempos incluem pôr de lado nossos complexos de inferioridade e sermos tão pragmáticos quanto os americanos e os chineses. O Brasil vê uma luz no fim do túnel, mas o túnel é muito comprido, e possivelmente ainda temos uns vinte anos pela frente de luta árdua para chegarmos perto dos EUA e Europa em termos de justiça social, avanços tecnológicos, educação pública e qualidade de vida, mesmo eles vivendo hoje uma crise. Talvez mais de vinte anos...

Não gosto da frase "pragmatismo tem limite". Acho que não tem sentido lógico, e reflete na verdade esse iberismo romântico e retrógrado que tão mal fez aos países latinos e a seus povos. É um lugar comum idiota. Não é que pragmatismo tenha limite, mas sim que ele não significa bater a cabeça contra a parede. Muito pelo contrário. A afirmação parte do pressuposto, algo trêmulo e inseguro, de que o pragmatismo é uma virtude pró-conservadora. Nada a ver. Não há nada mais pragmático do que a luta de classes, e se há condições históricas para a deflagração de um processo revolucionário, então o mais pragmático é fazer a revolução.

Dilma chamar Celso Amorim para o ministério da Defesa, por exemplo, foi pragmático.

Entrar numa reunião de sindicalistas e pedir desculpas pelo erro - grosseiro - de não ter criado um canal de diálogo entre governo e centrais sindicais para discutir o pacote de incentivos à indústria nacional, foi... pragmático.

Por outro lado, há uma série de coisas aparentemente bizarras que, no entanto, revelam-se pragmáticas ao longo da história. Bob Marley era um sonhador que fumava dois quilos de maconha por mês e escrevia canções. Hoje o seu nome vale mais do que o PIB da Jamaica. O que é mesmo ser pragmático?

Eu tenho a impressão, além disso, que o pós-modernismo (o supra-sumo do antipragmatismo ocioso e reacionário) não passou de uma revolução charlatã. Todos aqueles filósofos franceses e americanos, estruturalistas ou pós-estruturalistas ou coisa que o valha, a começar por Deleuze, são uns charlatães sem caráter (embora com um talento incrível para engambelar os outros) e deram início a uma tradição de charlatanismo nas universidades que tomou proporções épicas. Foi como um anti-renascimento. Uma volta à escolástica.

O que me trouxe grande alívio, e fez-me recuperar o humor e a auto-estima, foi saber que Immanuel Kant criou a filosofia moderna após confessar, a si mesmo e aos outros, que simplesmente não conseguia entender a ladainha dos pensadores da idade média.

Estou tentando estudar ciência política e desasnar-me. Há questões que me intrigam. Por exemplo: quais são os limites entre um texto de análise política e outro que visa fazer pressão política? Se um texto analítico, mesmo sem aparentar fazer nenhuma pressão, gera consequências mais positivas (no sentido progressista, ou revolucionário, se quiser), ele não também é um documento de pressão política? E mais eficiente, certo?

Qual o valor moral de um ato bem intencionado que gera danos ao bem comum? Em outras palavras: um blogueiro supostamente revolucionário que só escreve asneiras, clichês irritantes, embora repleto de boas intenções, tem valor revolucionário real?

Enfim, resolvi fazer - por diversão (olha que blasé me tornei!) - uma prova para um curso de mestrado em  ciência política. Não sei se vai dar tempo para ler aqueles livros todos: Weber, Faoro, etc. Já comecei contudo a ler um livrinho do qual sempre ouvi falar, Coronelismo, Enxada e Voto, do Victor Nunes Leal. É um pouco chato e repetitivo tanto jurisdiquês sobre a luta dos municípios brasileiros por mais autonomia política. Mas é um aula e tanto de história.

Terminei de ler um clássico, A Cultura do Renascimento na Itália, estou na metade do Antigo Regime e Revolução Francesa, do Tocqueville e avancei bastante num calhamaço do Jacques Le Goff, A Civilização do Ocidente Medieval.

Digo isso para lhes mostrar que o blogueiro está mais ativo do que nunca, mesmo que não escreva tanto, e também por vaidade, pois em se tratando de livros, sou um vaidoso convicto e satisfeito. Gosto de falar dos livros que leio, discuti-los, analisá-los, comparar suas teorias aos tempos de hoje. E observando as vicissitudes e tragédias da história, antiga e contemporânea, com todo seu rol de tiranos sádicos e truculentos, não posso deixar de olhar para nossa democracia com invencível ternura.

No entanto, meu otimismo babão quase trincou semana passada, quando levei minha esposa a uma reunião de trabalho em Bonsucesso, numa gráfica. Saímos da Avenida Brasil, entramos por algumas ruas principais da zona norte e daí viramos à direita, passando por uma pequena, feia e semi-destruída passagem subterrânea chamada Buraco do Lacerda. Daí em diante, vi-me num filme do pós-guerra alemão. Escombros e lixos diante das casas. Calçadas em ruínas. Edifícios e sobrados caindo aos pedaços.  Hordas de crianças viciadas em crack vagando nas ruas. Algumas com olhar assassino, segurando pedras. Na rua da gráfica, vimos uma cena dantesca. Dez garotos sentados no meio-fio, vestindo farrapos, sujos, olhos vidrados, fumando crack.

Eu conheço bem a cidade inteira, periferia, favelas, zona norte e oeste. Mesmo assim aquilo me impressionou terrivelmente . O Rio de Janeiro vive uma crise urbana e social muito grave! Como pode?  Uma das cidades mais ricas da América Latina, hoje capital do estado que mais produz petróleo no país, abrigar bairros completamente abandonados pelo poder público? O que me espanta mais é que não são regiões economicamente falidas. São bairros economicamente vivos, com empresas, pequenas e médias indústrias, gráficas, lojas, supermercados, e densamente povoados.

Acho que essa situação apenas irá se resolver quando tivermos um prefeito que adote decisões realmente revolucionárias. Talvez realizar uma divisão autêntica da cidade em zonas administrativas e dar dinheiro e poder para o administrador de cada zona fazer as mudanças e reformas necessários. Provavelmente, minha ideia é um tanto utópica e ingênua, afinal é sempre fácil falar e fazer revoluções no teclado de um notebook.

Seja como for, eu até que estou satisfeito com os governos locais da cidade. Pelo menos, se compararmos ao que tínhamos antes, Garotinho e César Maia, já temos um avanço e tanto. O Eduardo Paes, tirando a sua decisão destrambelhada de começar o governo fazendo um "choque de ordem" que não passou de uma perseguição covarde aos vendedores ambulantes, até que está fazendo um governo razoável, sobretudo em virtude de seu bom relacionamento com as instâncias estadual e federal. Tudo dando certo, o centro histórico do Rio passará por uma transformação incrível. Os cariocas, como bons cosmopolitas, mesclam esperança, cinismo, desconfiança, fé e desencanto. Todos reclamam da ladroagem no governo; aguardam, resignados, sarcásticos, os desvios de verba pública que as obras da Copa e Olimpíadas irão provocar; mas estão otimistas. Os bares continuam cheios e a maioria evita conversar sobre política - com exceção de algumas observações óbvias sobre escândalos de corrupção.

Em suma, tudo que eu não quero é ver a blogosfera converter-se numa caixinha de reclamações e achar que essa é a melhor maneira de fazer política. Por outro lado, não pretendo, em absoluto, desvalorizar a importância dos movimentos sociais e seu modus operandis, que é justamente... protestar. Procuro fugir também do partidarismo e, por incrível que pareça (depois de tudo que escrevi aqui contra a teoria da imparcialidade), ser... imparcial. Por exemplo, é importante que a esquerda tenha a humildade de agradecer ao governador Sérgio Cabral por ter tido a coragem que quase nenhum político petista teve: propor, defender e festejar a aprovação do casamento gay, mesmo com todos os riscos eleitorais que isso implica num estado fortemente evangélico como o Rio de Janeiro.

Quanto à Dilma, evitarei falar dela por enquanto. Deixemo-la apanhar, aprender, errar, corrigir-se. O importante, para mim, é analisar o processo político como um todo, sem esquecer o principal: as transformações econômicas e sociais. O desemprego atingiu seu patamar mais baixo na história, e isso seguramente se reflete no estado de espírito do país, inoculando confiança e auto-estima na população, que se sente mais estimulada para estudar, especializar-se, crescer profissionalmente.

Sou da opinião que o tempo, agora, é de esperar menos do governo e trabalhar duro (sendo que, às vezes, passar uma tarde na praia, lendo um livro, é também "trabalhar duro"). Sou a favor de um Estado forte e tenho uma série de ideias socialistas sobre a participação do setor público na sociedade, mas entendo igualmente que o governo é uma instituição totalmente inútil sem a criatividade, o empreendedorismo e o empenho profissional de seus cidadãos.

4 de agosto de 2011

Ilusões óticas mostra maturidade do cinema chileno

2 comentarios


Uma das características que mais me chama a atenção no cinema feito na Argentina e no Chile é o seu grau de maturidade, sobretudo no quesito narrativa/roteiro. O cinema brasileiro parece sofrer de um complexo inexplicável de juvenilismo. Há uma busca irritante, quase desesperada, por ser engraçadinho, por um lado, e manter um espírito infanto-juventil mesmo nas obras mais acabadas. Falta, sobretudo, roteiros, e roteiros adultos, com histórias que envolvam relacionamentos, política, dilemas profissionais.

Este filme, do chileno Cristian Jiménez, traz mais um exemplo da maturidade do cinema chileno. Com um humor seco e elegante, o diretor apresenta histórias de um grupo de funcionários de uma empresa de cirurgias plásticas que são demitidos.

A película estreou no Rio de Janeiro, na Estação Sesc Botafogo (14h, 17h40, 19h40 e 21h50) e Estação Sesc Barra Point (15h40, 19h40, 21h40). Até o dia 19, estreará também em várias outras cidades brasileiras.


Ilusões Óticas from Tucumán Filmes on Vimeo.

Além da qualidade do filme, outro motivo para assiti-lo é prestigiar a estréia da distribuidora Tucuman Filmes, de Priscila Miranda, que promete trazer ao Brasil títulos independentes de qualidade.

Clique na imagem abaixo para ampliar.