Não comento tudo o que acontece por razões óbvias: é muita coisa e eu sou um só. Prefiro concentrar-me em poucos assuntos e aprofundá-los. Mesmo assim, os temas que não abordo ficam girando em torno de mim como nuvens de poeira. De vez em quando sinto necessidade de comentá-los rapidamente, para espaná-los para longe. Dois assuntos estão atrapalhando-me, neste exato momento, a manter uma concentração mais limpa sobre outras coisas: 1) o caso Eletronet; 2) o salariômetro do Serra. Comento-os:
1) Mico da Folha e do Globo. O Jornal Nacional repercutiu matéria usando como suporte o "segundo a Folha", mesmo que a reportagem não apresentasse nenhuma solidez. Ao cabo, a blogosfera desmascarou a história. O Nassif acompanhou de perto o negócio. Para quem não o entendeu muito bem, tentarei explicar por aqui:
Lá atrás, o governo FHC privatizou a Eletronet, uma empresa que possuía um importante patrimônio de fibras óticas, que são fiações ligando cidades e estados, que podem ser usadas na montagem de um sistema de internet banda larga. Pouco depois, a Eletronet, já privada, entrou em falência. Todo aquele cabedal de fibras óticas ficou largado ao vento, ocioso.
Há alguns anos o governo tenta recuperar para si as fibras óticas cuja posse era disputada juridicamente entre a Eletrobrás (governo federal) e a Eletronet. No entretempo, a Eletronet, com dívidas de até 800 milhões de reais, tornou-se joguete de especuladores, como o empresário Nelson Santos. Ele comprou ações da empresa por 1 real. Porque 1 real? É um preço simbólico. Como é uma empresa fortemente endividada, em concordata, na teoria ninguém quer comprá-la, porque isso acarreta em ligar-se à uma massa falida; mas na prática sempre há agentes interessados, por diversas razões: por exemplo, apostando em reviravoltas jurídicas que possam trazer dinheiro à empresa. É isso mesmo, uma aposta pesada, que pode resultar em lucro de milhões de reais. Sabe-se hoje que o tal Nelson Santos, que contratou consultoria de José Dirceu para avaliar a situação desta empresa e, possivelmente, buscar alguma influência junto ao governo, pensava num lucro de até 200 milhões de reais. Em caso de não obter o que se consegue, também não se perde muita coisa (às vezes), porque essas empresas conseguem arrastar suas dívidas por décadas, ainda mais se tratando de sócios minoritários recém-ingressos.
A Folha trouxe uma reportagem, assinada por Marcio Aith, em tom de denúncia, segundo a qual Nelson Santos teria contratado Dirceu por 620 mil reais (num serviço legal, com nota fiscal e tudo) para que o ex-deputado exercesse influência junto ao governo para que este comprasse a rede de fibra ótica pertencente à Eletronet. Com isso, anunciou a Folha bombasticamente, o empresário, que investira 1 real na empresa (além dos 600 paus pro Dirceu), poderia ganhar até 200 milhões. A denúncia, porém, não se sustentou por 24 horas. A Advogacia Geral da União e a Casa Civil rebateram-na imediatamente, afirmando que os sócios da empresa (entre eles, Nelson Santos) não receberiam um tostão do governo. As fibras óticas foram recuperadas para a União através de uma batalha judicial.
O Jornal Nacional deu a matéria, mas foi obrigado a apresentar o outro lado, do governo, e ficou tudo parecendo (como o era, de fato) não uma reportagem sobre um caso real, mas o registro sobre uma tentativa torpe do jornal em atingir a ministra Dilma, candidata à presidência da República, com base em fontes altamente suspeitas, como o empresário Nelson Santos.
O jornalista Luis Nassif entrou em cena, fazendo uma denúncia ainda mais forte. Houve lobby sim, mas da Folha. A fonte da reportagem sempre fora o empresário Nelson Santos, parte interessada, que tentou melar o Programa Nacional de Banda Larga, um projeto que entusiasma o universo web e que é fundamental para o país avançar na era digital. Nassif vai mais longe. A Folha também é parte interessada, porque proprietária do UOL, que presta serviço de provedor de banda larga, um serviço condenado e obsoleto, que provavelmente deixará de existir após a implantação do PNBD e da popularização da banda larga no Brasil, porque a banda larga é uma tecnologia que não precisa de provedor. É necessário somente uma linha, fornecida por uma empresa, pública ou privada, mas não um provedor. Como telefone. Não preciso de provedor para usar telefone, apenas de uma empresa que instale meu aparelho. Os especialistas me desculpem se simplifiquei demais e falei bobagem.
Nos dias seguintes, com a denúncia esvaziada, a Folha e o Globo voltam ao assunto por outros flancos, num ataque destrambelhado e inseguro. O Globo tentou dar ares de escândalo ao fato do governo ter respondido pronta e rapidamente às denúncias. Tentou-se converter a competência comunicacional da ministra Dilma num erro. A Folha retoma o tema apresentando um resmungo de Nelson Santos, o lado perdedor da história, que não ganhou o dinheiro que esperava, como uma contestação muito válida à versão apresentada pelas autoridades, por sua vez amparadas em decisões judiciais claras e, sobretudo, pelo interesse nacional, porque a implantação do Programa Nacional de Banda Larga será - repito - deveras importante para o desenvolvimento tecnológico do país. Se isso traz dividendos à candidatura Dilma, melhor ainda. Esse é o sentido de uma democracia eleitoral: governantes governam bem e recebem votos por isso.
Estamos ainda nesse pé. A Folha volta hoje com uma matéria manca, ingênua, uma mordidinha banguela, chorosa, no sapato da ministra. Diz que Dilma aconselhou a OI a não comprar a Eletronet, porque estaria adquirindo um mico, já que o governo não recuaria em sua intenção de recuperar judicialmente a rede de fibra ótica, que é, ao que parece, a única coisa realmente de valor que possuía a empresa. Ótimo. Dilma foi sincera. O processo não corria em segredo. Por mais críticas que se tenha à OI, ela é uma empresa autêntica, dona de concessões públicas, uma empresa estratégica para o sistema de comunicação no Brasil e o dever do governo é ser transparente e franco em suas relações com o mercado.
Quanto à Dirceu - cuja participação no processo foi acompanhada pela musiquinha de terror tocada pela mídia, mantida a estratégia de tratar o ex-deputado como um criminoso -acumulou mais uma cicatriz no lombo curtido. Não boto a mão por Dirceu nem por ninguém. A indignação da blogosfera não emergiu para defender Dirceu, e sim para impedir uma injustiça e uma falcatrua, que era atrasar ou impedir o lançamento do Programa Nacional de Banda Larga e com isso ajudar Nelson Santos a obter dinheiro fácil.
A história é cheia de nuances e jogadas de contra-informação. Acompanhar a jogatina de empresários malandros conluiados com jornalistas não é para qualquer um. O que se pede, somente, a quem se posiciona criticamente em relação ao governo, é que também mantenha um pé atrás em relação à mídia. O governo é amplamente vigiado por instâncias investigativas, e não se pode negar que estas vem trabalhando duro. O Arruda que o diga. Empresas privadas e mídia, por outro lado, não precisam apresentar relatórios a nenhum Tribunal de Contas. Apenas à Justiça e, a partir de um tempo para cá, à combativa e atenta blogosfera brasileira.
*
2) Salariômetro. Não, me recuso a me estender sobre uma coisa tão ridícula. Comentemos laconicamente. Governo Serra lançou um site com um medidor de salários. Através do qual você lança um emprego e vê o salário médio. É uma coisa que teria sentido ser feita por uma empresa privada qualquer com interesse em marketing na web. Não um governo de Estado. A sociedade brasileira espera que o governo paulista invista sua energia e tempo em coisas mais úteis e importantes à economia e ao bem estar da nação. Pois não é que o governo Serra levou tão à sério o tal site do salariômetro que organizou uma cerimônia de lançamento com a presença do governador e tudo? O caso é triste porque é óbvio que um medidor de salários desse tipo é sempre falho. É evidente que, para a mesma profissão, existem diversos níveis de renda, a depender do tamanho da empresa, do grau de responsabilidade do funcionário, do tipo de especialização. Os salários podem oscilar quase infinitamente. Enfim é um projeto que, numa era onde há cada vez mais necessidade, por parte de empregados, de versatilidade e multiplicidade de talentos, já nasce obsoleto. Em vez de investir na redução de congestionamentos e prevenção de enchentes, o governo Serra gasta seu tempo lançando sites apócrifos.
26 de fevereiro de 2010
Espanando a poeira
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