17 de novembro de 2010
Fugindo do tédio
(Outra foto da Resende).
Tento ler os jornais, mas não vou muito longe. Os assuntos parecem repetir-se. A mesma guerrinha de sempre. Ontem, papeei com um amigo sobre os assuntos do dia, sobretudo o surto de racismo & regionalismo observado no período pós-eleitoral. Esta semana, parei de ler uma coluna no segundo parágrafo, quando o autor afirmou não suportar aeroportos porque pareciam uma extensão do churrasco na laje. Se fosse uma piada, tudo bem. Não era. O cara falava à sério.
São atitudes que merecem um desprezo profundo. O que fazer? São lamentáveis e tristes, em alguns casos até trágicas (como o espancamento de gays em São Paulo); marginais, porém. Não creio (ou não quero crer) que refletem nova força racista emergindo na sociedade.
Uma amiga namora um rapaz que conseguiu convites para assistir ao GP de Fórmula I em São Paulo. Ela contou-me, há poucos dias, que ela e o namorado foram várias vezes agredidos, verbalmente e com chuva de objetos, por grupos de jovens. Gratuitamente. Ela relatou, impressionada, que o ingresso custava R$ 600 e os rapazes tinham todos aparência de estudarem em bons colégios e terem uma vida confortável. Esse é o jovem paulistano que estuda em colégio particular e votou em Serra.
Quer dizer, ainda existe, claro, racismo e preconceito na sociedade brasileira. Só mesmo o Ali Kamel - talvez por ter atravessado a juventude protagonizando filmes eróticos, em vez de estudar - que não vê. Mas não acredito que tenha aumentado em relação ao período anterior (ao contrário do que vemos nos EUA e Europa, onde há, de fato, recrudescimento do racismo e xenofobia).
Há, por outro lado, como vemos nesse patético artigo do Pondé, que prefiro nem linkar, uma irritação com a derrota sofrida pelo partido da mídia e das elites. Natural. A maneira como essa irritação tem sido externada, porém, serve apenas para ilustrar porque perderam. E desmoraliza ainda mais o conservadorismo brasileiro, que assume ares melancolicamente terceiromundistas.
O que não podemos fazer, entretanto, é subestimar o poder midiático de construir consensos. Essa é uma das principais lições do grande Noam Chomsky. Quando se põe humoristas, chargistas, colunistas, historiadores, âncoras de tv, todos para afirmar a mesma cosia, é muito difícil, mesmo para um intelectual, fugir da rede armada para capturar as consciências.
Porque uma coisa é o talento, outra a consciência política. É tristemente comum, não só no Brasil e não só hoje, vermos pessoas extremamente talentosas mas desprovidas completamente de senso político. Heidegger, um dos maiores filósofos da modernidade, destacando-se inclusive com um pensamento do tipo progressista, apoiou o nazismo.
E pensando bem, não adianta culpar ninguém.
Por isso gosto tanto do Hegel, porque um dos pontos importantes de sua filosofia da história é não julgar açodadamente nenhum indivíduo ou grupo, visto que os mesmos muitas vezes sequer tem consciência do papel que representam.
Essa menina, por exemplo, Mayara Petruso. Uma boba, que de repente viu-se no meio de um furacão, condenada pela OAB, servindo de bode expiatório num processo onde os verdadeiros culpados eram os meios de comunicação. Claro, ela é maior de idade e responsável por seus atos... mas isso é uma interpretação fria das coisas.
Enfim, a gente dá umas voltas por aí e acaba sempre, ao final do rolé, batendo a cabeça contra a mídia, que se torna como que a origem de todos os males... Afinal, os governos, mesmo os mais ruins, sempre podem ser derrotados nas urnas, ou mediados por um legislativo crítico. A imprensa tornou-se o único poder público que ainda é hereditário e livre das amarras republicanas. Sem contar que há uma contradição gritante no processo de redemocratização: os profissionais que se sentiram prejudicados pela ditadura tem recebido polpudas indenizações e pensões do Estado brasileiro (que tem mais é que pagar mesmo), e ao mesmo tempo toda a sociedade, que também foi vítima, não recebe nada; pior, os jornais que açularam o golpe e que beneficiaram-se enormemente dele (de várias formas, inclusive pelo fechamento de seus concorrentes), sequer pediram desculpas pelo que fizeram. Não pediram desculpas e este ano ainda repetiram os mesmos bordões usados contra João Goulart em 1964.
A história é um todo orgânico, e os contrastes existentes numa sociedade são a própria vida desta sociedade, são eles que a fazem avançar. Marx usaria essa fórmula para viajar em suas teorias de revolução (que se revelaram, apesar de tudo, acertadas; as revoluções aconteceram; falar que o comunismo morreu é simplesmente ignorar a China). Há uma força histórica (o Espírito da história) que ultrapassa a compreensão humana e mesmo as tragédias e vicissitudes são assimiladas por ela, e convertidas posteriormente em etapas para o autoconhecimento do mundo. Pessoas e países ignoram o seu próprio papel na história.
"A crítica subjetiva que apenas visa o particular e seus defeitos, sem aí reconhecer a Razão Universal, é coisa fácil; ela autoriza todas as fanfarronadas de exibicionismo, na medida em que ela confere, com ares de generosidade, a segurança da devoção ao bem geral", diz Hegel, em A razão na história.
As pessoas condenam o bolchevismo, o código florestal, o nordestino pobre, a Katia Abreu, muito seguras de que estão dando uma grande contribuição à sociedade. E talvez estejam mesmo, mas não da forma que elas pensam. Vide o caso Mayara: ela contribuiu para trazer luz ao racismo que existe concretamente em São Paulo e outras partes do Brasil, ligado à política, mas que ficava enrustido. A emoção da derrota, enfurecendo a cobra, fê-la cometer um erro: mostrar-se. Só assim podemos decepar sua cabeça. Ela fez um bem, e deveria, ao invés de ser crucificada, receber um tratamento, na mesma filosofia com que tratamos os viciados em crack. Taí, o mundo midiático se tornou uma grande crackolândia...
A natureza busca o equilíbrio, o qual se dá através da luta. A postura golpista da mídia brasileira ajudou a construir uma enorme massa crítica, ou seja, acendeu um alerta que ainda é tímido no mundo: numa sociedade globalizada, o poder midiático multiplicou-se e atingiu um patamar inédito, incontrolável, perigoso. O princípio do poder numa democracia emana do povo, e somente do povo; se há um setor corporativo que lida diretamente com o poder, como é a mídia, mas à diferença dos outros poderes, não é regulado democraticamente, temos um problema. Ah, pode-se dizer que o mercado faz o papel de povo, porque as pessoas decidem se assistem ou não determinado canal de TV, ou lêem ou não determinado jornal. Certo. Mas se pensarmos assim, imporemos a lei do mais forte. Com um agravante: sabemos muito bem qual foi a academia onde as empresas brasileiras de comunicação formaram seus músculos. Na academia militar...
Como eu dizia, no entanto, a natureza procura o equilíbiro e cumpre ao Estado proteger essa tendência. Por isso, as verbas de publicidade estatal, hoje, representam um forte fator de injustiça. Ou não dá para ninguém, ou dá para todo mundo. A partir do momento em que eu, como blogueiro, assumo um papel de mediador e uma função de importância pública, não entendo e não quero aceitar que a revista Veja e, por conseguinte, os colunistas e os blogueiros da Veja, recebam ajuda do contribuinte brasileiro (e logo de mim mesmo!) e eu continue a ver navios.
Aos poucos vou desenferrujando e voltando a escrever...
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# Escrito por
Miguel do Rosário
#
quarta-feira, novembro 17, 2010
# Etichette: Crônicas, Filosofia, Política
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