A entrevista de Lula aos blogueiros abalou psicologicamente a mídia, tanto na casa grande (editorias) como na senzala (redação). Ficaram doidinhos da silva. Não entenderam nada. Uns criticaram o fato de serem "chapas-brancas". O Globo deu na capa: "foi a primeira entrevista a favor". Ué, então os repórteres fazem entrevista "contra"? Tudo foi novo, original, estranho. O pasquim kamelista centrou fogo especificamente no Cloaca News, sabe-se lá porque. O Cloaca é um blog singelo, humilde, com uma ironia agreste e poética, repleto de misticismo; magnético, direto, silencioso, fulminante, como aquele matador interpretado por Javier Bardem do filme dos irmãos Cohen... Na blogosfera, no entanto, os fracos tem sua vez.
Houve um pouquinho de ciumeira entre os próprios blogueiros, e inclusive me pediram para falar disso, mas acho bobeira. Normal também. Minha mulher tá trabalhando em São Paulo e quando eu falei com ela da novidade, sua primeira reação foi negativa: "por que VOCÊ não está lá?". Aí expliquei-lhe calmamente que isso não importava, era como se eu estivesse, o grupo que foi era a minha galera, muitos dos quais conheci pessoalmente, que reproduzem meus textos, e, sobretudo, autênticos soldados dessa duríssima batalha contra os desmandos midiáticos que travamos há anos. Normal porque minha mulher me vê mergulhado nessa luta, empenhando todos meus recursos intelectuais e físicos, recusando-me a procurar emprego ou qualquer outro trabalho, para fazer o que eu gosto tanto de fazer, que é escrever e dar combate ao golpismo odioso das famiglias que dominam a comunicação de massa no Brasil, trabalhando (eu) com um espírito quase missionário, quase messiânico, quase louco, normal que ela fique ansiosa por ver resultados concretos para MIM. Mas não é assim que funciona, expliquei-lhe, a nossa luta é coletiva.
Tanto foi diferente que pela primeira vez os próprios "entrevistadores" foram entrevistados. Com todo respeito aos jornalistas, os blogueiros ocupam uma posição bem mais interessante. Eles tem opinião própria. Eles são donos de seus blogs. Cada blogueiro é o Cidadão Kane de seu próprio espaço na internet. Num jornal, temos uma legião de repórteres submissos, calados e obedientes e dois ou três colunistas-estrela, que ganham dez vezes mais, e que supostamente tem direito à própria opinião mas que, agora isso é claro como cachaça, apenas fazem o papel de porta-vozes dos proprietários. O blogueiro, o verdadeiro blogueiro, dono de seu blog, não o que trabalha para a Veja e O Globo, é uma figura original no campo da comunicação.
Só ontem à noite consegui, finalmente, assistir com calma as duas horas de vídeo e constatei, orgulhoso, que os blogueiros entrevistaram o presidente de igual para igual, sem o ar superior e agressivo dos medalhões do jornalismo e sem o nervosismo cabisbaixo da arraia-miúda das redações. Eles estavam ali com nomes próprios, não apenas como representantes de um filhinho de papai que passa os finais de semana em Nova York, mas como intelectuais! Como homens! Ah, por falar nisso, acusou-se a ausência de mulheres. Os organizadores alegaram a falta de sorte de todas as mulheres convidadas não terem podido ir. E o fato foi minimizado pela participação virtual da indefectível Maria Frô, também conhecida por Conceição Oliveira. De qualquer forma, esse é o tipo de iniciativa que não se faz pensando em cotas de gênero, do tipo, ah vamos levar tantas mulheres, negros e índios. Mas mudemos de assunto antes que eu seja trucidado por minhas leitoras. Há que se pensar sim nas mulheres, e mais particularmente agora, com a chegada de Dilma Rousseff. Já pensando numa eventual entrevista de Dilma com a blogosfera, falou-se em levar uma turma só de mulheres. Pode ser, mas aí também não seria cristalizar o que foi acusado como erro nessa entrevista com Lula, de não haver diversidade de gêneros? Bem, sei lá.
Houve um pouco de confusão também, entre a blogosfera, sobre se foi uma iniciativa dos Blogueiros Progressistas, com letra maiúscula, ou do Renato Rovai. Ora, Rovai é um dos idealizadores do Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, um evento cujo objetivo justamente era dar visibilidade política à blogosfera de esquerda. E conseguiu! Rovai e outros estavam ali como representantes da Blogosfera Progressista (com maiúscula), além de representarem naturalmente - e sobretudo - as suas próprias biografias. Na verdade, a peça-chave de toda a organização da blogosfera progressista é o jornalista e blogueiro Altamiro Borges, um talentoso articulador político, que faz as coisas acontecerem. Miro é o contato com as centrais sindicais, a única fonte de financiamento segura com a qual a blogosfera de esquerda pode contar. Não é a tôa que os jornalões procuram demonizar tanto o sindicalismo. Serra, durante a campanha, andou repetindo até o bordão dos golpistas de 64, acusando a existência de uma "república sindical", uma expressão idiota e preconceituosa contra toda a classe trabalhadora, visto que apenas o sindicato permite ao trabalhador participar da vida política nacional. Os banqueiros e donos da mídia patrocinam regiamente os institutos milleniums da vida. As centrais, por sua vez, no mundo inteiro, patrocinam as esquerdas. Cumpre a esquerda desmontar o discurso pseudomoralista que continuamente procura constrangê-la, intimidá-la, impedindo-a de crescer, florescer, organizar-se também fora do âmbito partidário, de se institucionalizar e se fortalecer para enfrentar a guerra contra a direita mafiosa que (infelizmente) ainda domina o mundo.
Voltando à entrevista, gostei muito do conteúdo em si. Falou-se dos temas mais candentes para a blogosfera. Discordei de Lula no ponto em que ele diz que não quer o Estado dominando a banda larga. Esse é um dos poucos pontos onde eu mantenho uma visão bastante radical, mas com embasamento. Se o sinal da TV aberta é público e dominado pelo Estado, o sinal da banda larga, que é muito mais importante, também deveria ficar sob o controle democrático do Estado brasileiro, e deveria ser gratuito. Tenho uma ideia quase explodindo minha cabeça sobre isso, sobre a economia que traria ao Estado, como poderia ajudar o Brasil a dar o salto qualitativo na educação e na formação profissional que o sistema convencional não dá conta. E na Saúde também, visto que a banda larga pública e gratuita abriria novos horizontes na relação do Estado com as pessoas doentes (ou seja, todos nós, visto que não existe pessoa 100% saudável), permitindo algumas consultas médicas online. Seria uma revolução!
Mas houve um momento na entrevista que merecemos dar atenção especial e partiu do nosso incansável Eduardo Guimarães, um Dom Quixote com juízo. Acho que nem o Eduardo esperava a reação do presidente. O blogueiro, provocativo, mencionou a sigla PIG, sem sequer se dar ao trabalho de explicá-la. Coube ao secretário de Imprensa dizer que significava Partido da Imprensa Golpista, fazendo Lula sorrir discretamente, olhando para o papel, talvez analisando o perfil do Edu traçado por um de seus assessores. O que estaria escrito ali? Blogueiro entusiástico, dotado de grande capacidade de liderança, capaz de mobilizar milhares de pessoas em manifestações públicas. O Eduardo é como que o Charlie Parker da blogosfera. Já havia um movimento grande, mas foi ele que botou fogo em tudo. Como dizia Dizzy Gilespie sobre seu amigo Bird: foi ele quem trouxe a... pirotecnia.
Pois então, Eduardo mencionou o aspecto mais grave do golpismo midiático, trazendo à lembrança um exemplo trágico: quando se tentou criar pânico na população por conta da febre amarela, na contramão de tudo que os especialistas diziam. Eduardo lembrou que a mídia provocou uma onda de terror que levou as pessoas a se vacinarem sem necessidade, fazendo com que, pela primeira vez na história do mundo, mais ou tanta gente morresse da doença quanto dos efeitos colaterais da vacina. Pior, quando o ministro veio à público tentar esclarecer a população, disseram para NÃO acreditar nele. Colunistas escreveram editoriais desacreditando o governo. Uma coluna na Folha chegou a cometer a irresponsabilidade e a infâmia de fazer proselitismo político em cima da pandemia, convocando as pessoas a se vacinarem, não importa o que o governo dissesse. Aquilo provocou uma correria tão ansiosa da população em busca da vacina, que houve gente que entrou três vezes na fila (lembrou Eduardo ao presidente).
Recordo-me muito bem disso. Minha mãe estava na Bahia, com sua irmã, e ligou-me entre orgulhosa e aliviada para dizer que havia "se vacinado". Ora, minha mãe tem saúde frágil e toma vários remédios. Poderia muito bem ter tido uma reação negativa... Ela não precisava ter tomado aquela vacina, mas apavorou-se com o que lia nos jornais.
Eduardo mencionou passar aquela pauta, de proteger a população da sanha irresponsável de meia dúzia de donos de jornais, que enquanto bebericam champagne no Caribe mandam seus capangas espalhar pânico no Brasil, à Dilma Rousseff. A surpresa veio da resposta de Lula, que não apenas complementou a intervenção de Eduardo com outros exemplos de irresponsabilidade midiática envolvendo questões de saúde pública, como disse que iria tomar providências em relação àquilo ainda em seu mandato! Não passou a bola para Dilma não. Lula comprou a briga!
Todos os blogueiros fizeram perguntas, o presidente estendeu a entrevista por quase o dobro do tempo inicialmente previsto, e houve ainda um outro momento importantíssimo sobre o qual eu queria falar. Espontaneamente, sem que ninguém houvesse perguntado, Lula falou do Irã, de Ahmadinejad, e de política externa. Era justamente a pergunta que eu queria fazer e que publiquei aqui no blog!
Lula contou mais uma vez sobre o momento em que, durante uma de suas primeiras reuniões internacionais, estando sentado ao lado de Amorim, viu Bush irromper na sala. Todos se levantaram e Amorim fez o gesto de se erguer também. Lula segurou-o na cadeira e disse: vou me levantar por quê? Ninguém se levantou quando eu entrei! Resultado: Bush veio diretamente falar com Lula e cumprimentou-o especialmente. Lula sabe das coisas: ninguém gosta de puxa-saquismo e subserviência. Aquele gesto de se levantar era desnecessário, a menos que houvessem levantado para todos! Os críticos da diplomacia brasileira tentam há anos pespegar o selo de antiamericanismo na política externa do governo, mas ficam desmoralizados quando vêem Lula manter um diálogo amistoso com a Casa Branca, tanto na era Bush como na Obama. Na eleição presidencial americana de 2008, os jornalões, sentindo a onda obamista se erguer também no Brasil, tentaram ridiculamente vender a ideia de que Lula apoiava os republicanos. Quanta besteira! Nossos colunistas tentaram se desvincular da imagem de diretistas emprestando um apoio canino e jacú a Obama. Pois bem, Obama ganhou e falou que Lula era "o cara"! Entraram em parafuso e hoje todos, com exceção de Caetano, que é "artista", fazem beicinho para o negão.
Ainda nessa parte da entrevista, Lula procurou desmistificar a campanha de satanização do Irã e seu presidente. Contou mais uma vez sobre o diálogo que manteve com Ahmadinejad sobre a questão do holocausto. Perguntou-lhe se realmente acreditava que não teria havido holocausto: "se o senhor pensa isso, é o único no mundo". O presidente do Irã respondeu que não era isso que pensava, sua implicância era contra o pensamento de que somente judeus morreram na II Guerra, quando na verdade, tivemos 70 milhões de mortos. É incrível que jamais nenhuma mídia tenha procurado fazer a pergunta certa a Ahmadinejad. Se o objetivo é demonizá-lo, não interessa esclarecer seus pontos de vista sobre essas questões delicadas, e com isso, de confusão em confusão, cria-se uma atmosfera extremamente envenenada entre as autoridades islâmicas e o mundo ocidental, para lucro da indústria bélica, que assim melhor convence as opiniões públicas e os governos de seus países a assinarem cheques mais polpudos...
Enfim, foi uma grande entrevista, de grandes blogueiros com um grande presidente. A imprensa golpista ficou se mordendo porque pela primeira vez foi obrigada a se recolher a sua insignificância. O Brasil sabe muito bem o que eles fizeram, ontem, hoje e o que pensam fazer amanhã. São previsíveis, nocivos e totalmente descompromissados com o bem estar da população. A história é linda e sábia! Os blogueiros surgiram como anticorpos para os vírus midiáticos... Lembrando Dylan, the times they are a-changin'. Os tempos estão mudando, Mr.Pig!