31 de julho de 2011

Motel Solano Trindade

Curiosa vida. Numa hora Solano Trindade recita poemas no Vermelhinho, aquele boteco em frente à ABI, diante de figuraças como o Barão de Itararé, o próprio, banha, cachaça, piadas; eis que, sessenta anos depois, um blogueiro bêbado pratica desatinos idiotas num motel sombrio de Duque de Caxias. Tipo se levantar à noite, sonâmbulo, e mijar num canto do quarto, qual um exu mal ajambrado e babaca.

Eu tenho dívidas, confesso. Malditos livros sobre a idade média, filmes antigos, oitocentos posts sobre política, alguns condomínios atrasados. Ambições mesquinhas. Vaidade. Fernando Pessoa escrevia cartas comerciais para ganhar dinheiro. Eu tenho raiva dos poetas vendendo livrinhos xerocados na porta da Biblioteca Nacional. Gosta de poesia, me perguntam. Não, eu respondo.

Eu não gosto de poesia, seus putos.

Mas fui à Caxias dirigindo meu carro velho, um pouco nervosamente por estar há mais de dez anos sem pegar estrada, e além disso, não sei se o Haiti é aqui, mas a Faixa de Gaza (ali na Leopoldo Bulhões), com certeza, é.

Cheguei depois da exibição do filme, mas a tempo para a festa no vão do Sesc, um trambolhão gigantesco desenhado por Oscar Niemeyer, encravado esquisitamente no caótico centro de Caxias. A tempo, enfim, de curtir música boa, beber cervejas a quatro reais no botequim do outro lado da rua, encontrar meu velho amigo Renato que apareceu do nada, e ter amnsésia depois de torrar uma pequena fortuna.

Assisti ao filme em casa, no dia seguinte, um belo documentário sobre o inesquecível poeta Solano Trindade, amigo dos comunas da década de 40, rival e parceiro de Abdias Nascimento, uma espécie de Luther King pinguço, macumbeiro e mulherengo. Um poeta.

E eu não gosto de poesia.

Porque a poesia não existe, seus putos.

O que existe é o poeta, dizia Dante Milano.

Solano participou de treze filmes, entre eles alguns clássicos do cinema nacional, como A Hora e a Vez de Augusto Matraga. Pesquisava manifestações folclóricas e produzia espetáculos que marcaram muitas gerações. Suas festas, em Caxias ou em Embu, São Paulo, duravam três dias. Como diria outro negão, anos depois, Solano era o cara.

A minha diversão durou apenas até duas e pouca da manhã. Dormi num motel perto do centro, minha mulher com medo que algum psicopata arrombasse a porta de madrugada e nos matasse (a porta, aliás, estava mesmo arrombada).

As ruas cheias de craqueiros alucinados. Caxias, a quarta economia do país, e o melhor hotel está cheio de mosquitos. Godi, Fiorenza, poi che se' sì grande, che per mare e per terra batti l'ali, e per lo 'nferno tuo nome si spande!

Goza, Caxias, pois que és tão grande, que por mar e terra bate asas, e até no inferno teu nome se expande!

E todos com receio do senhor Zito, com tantos capangas e nenhuma capa preta. Nada disso. A Lurdinha, dessa vez, está na mão do povo! Quer dizer, do HB, o que é quase a mesma coisa.

Então lá estava o blogueiro na festa de nove anos do cineclube Mate com Angu, coroada com um filme sobre Solano Trindade. Aindo prefiro Dante Alighieri, mas Solano é coisa nossa. Ele, o prefeito-mafioso, um bom café da manhã num motel vagabundo. E as lembranças, algo nebulosas, culpadas, magníficas, de uma grande farra entre camaradas.


(Equipe de produção de O Vento Forte do Levante, um honesto
e competente documentário sobre o poeta Solano Trindade).

11 comentarios

Anônimo disse...

Você escreve bem prá caralho, cara. Sobre qualquer assunto. Babo te lendo. Melhor blogueiro/escritor/poeta desse Brasil. Sim, quarta economia(nem sabia desse dado) e craqueiros rodeando a rodoviária, perto do teatro catacúmbico catastrófico do Niemeyer. Queria ter estado lá. Um abraço a seco, bem dry, pelo post. Cláudio Pereira.

Vera Pereira disse...

Auguri por sua volta ao que realmente importa na vida. Não quer dizer que outras coisas não importem. Prazer em revê-lo. Vera

Anônimo disse...

Não oostei da linguagem. Estranhei não encontrar a qualidade a que estava acostumado. Cuidado com os bajuladores.

Anônimo disse...

Anônimo 4:00, a qualidade é a mesma, mudou o conteúdo, não há como um escritor ou pintor etc etc mudar a própria linguagem, se muda estamos diante de algo falso

spin

Anônimo disse...

salve, miguel,

o caminho é esse.
mais do que "mutatis mutandis", o óleo tá saindo é da mesmice.
bravo!
carlos-fort-ce

André de Oliveira disse...

É muito interessante para nós de Caxias lermos essas impressões diferentes de nossos olhos. Parabéns !!!

André de Oliveira.

Obs: vou reproduzir no meu blog. www.blogdoandredeoliveira.blogspot.com

Rogério Floripa disse...

Texto do caralho.


Documentário - A Sociedade do Espetáculo
Ressalta o aspecto de espetacularização dos feitos, em qualquer sociedade,seja ela neoliberal ou socialista.
http://fwd4.me/07qO

Jose Medida disse...

Gostei de saber que finalmente fizeram um filme pra contar a história deste grande cara que foi o Solano Lopes.

Jose Medida disse...

Solano Trindade!!!
De onde foi que eu tirei o Lopes???
Depois eu descubro!!!

Anônimo disse...

Você precisa voltar aos velhos tempos de política.
Pelo menos temporariamente.

Nós precisamos defender a liberdade da internet.

Para votar acesse: http://www.avaaz.org/po/save_brazils_internet/

Contra a PL 84/99, conhecido como PL Azeredo.

Por uma internet sem restrições e com proteção aos dados pessoais.

URGENTE. Divulgue.

Unknown disse...

Olá. Achei interessante o texto, uma visão bem particular do processo. Algumas retificações: O pelotis onde rolou a festa não é do SESC e sim do Centro Cultural Osacar Niemeyer e a galera da foto representa o Cineclube Mate Com Angu e não a equipe de produção do documentário.
ventofortedolevante.blogspot.com
Abraço

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