30 de janeiro de 2007
Curto-circuito de filmes
Todas as sessões têm filas na entrada.
O Festival Internacional de Curta-Metragem de Clermond-Ferrand continua "bombando", com salas cheias em todas as sessões. Ontem assisti uma sequência muito boa de cinco curtas, do Irã, Suécia, Dinamarca, Argentina e Alemanha.
Meu destaque vai para o argentino El Loro.
O curta argentino de 25 minutos, dirigido por Pablo Solarz, começa com um jantar entre amigos, durante o qual o amigo do protagonista lhe propōe emprestar o capital necessário para abrir uma loja de animais domésticos. O personagem agradece a oferta mas, sob o olhar perplexo de sua esposa, gentilmente recusa, alegando que especializou-se em animais de grande porte, deixando entrever que, para ele, seria uma espécie de humilhação cuidar de cãezinhos e gatos.
A esposa levanta-se da mesa e, lá de dentro, o chama para conversar. E dá-lhe um educado mas definitivo ultimato para aceitar a oferta ou nunca mais ver nem ela nem as duas filhas. O casal atravessa, obviamente, uma grave crise financeira. O texto é divertido: a mulher segura energicamente a cabeça do marido, forçando-o a encarar seu reflexo no espelho. Olha bem sua cara de babaca, diz ela, depois volte para a sala e diga que aceita o dinheiro. O bom senso feminino prevalece.
Na cena seguinte, ele já está à frente da veterinária. Um homem entra na loja, trazendo um papagaio, cujo problema, diz o cliente, seria depressão. O protagonista não aparenta, de forma nenhuma, estar à vontade em sua nova função, irritando-se facilmente com o sentimento que os clientes dedicam a seus animais de estimação.
O papagaio é idoso, tem 36 anos, e o veterinário pede que o homem o deixe lá para observação.
Entra um outro cliente na loja, um homem com desordem mental grave, que lhe provoca uma gesticulação desengonçada, aleatória, absurda, e dificuldade na fala - mas que, por fim, consegue se comunicar perfeitamente e, como se verá mais adiante, possui inteligência normal e um talento raro para lidar com animais.
Este cliente traz, dentro de uma caixa, um gato para ser castrado.
Na cena seguinte, o veterinário recebe uma chamada telefônica para atender um freguês em sua casa e pede para o homem com desordem mental que ele saia da loja, deixando o gato no interior, descansando da cirurgia realizada. O homem se recusa, dizendo que o gato, ao acordar, não vai entender nada.
Depois de breve discussão, o veterinário aceita que o homem fique na loja.
Quando ele volta, tem uma agradável surpresa. Em sua ausência, o homem vendeu um cachorrinho e anotou o endereço de um cliente que pediu um atendimento em casa.
Ele sai outra vez e quando retorna, outra surpresa: o homem vendeu um segundo cachorrinho e cuidou do papagaio deprimido, que voltou a falar.
Eles conversam, o homem conta que era contador, mas, devido a sua desordem mental, foi obrigado a tomar remédios que deixam seu pensamento mais lento, impedindo-o de trabalhar. É sustentado pela ex-esposa.
O homem se despede e, quando esta prestes a ir embora... o veterinário pergunta se ele não gostaria de trabalhar com ele. É uma cena bonita, onde o veterinário parece descobrir algo novo em seu trabalho. O homem aceita, feliz da vida, e, logo depois, está telefonando para a ex-mulher, contando a novidade e dizendo que não necessita mais de auxílio financeiro.
O formato do filme é bem tradicional, sem jogos de câmera originais e, no entanto, é um filme cativante, sensível, interessante, humano, ancorado num excelente roteiro e no desempenho maduro dos atores.
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Alguns dados sobre o Festival de Curtas de Clermond-Ferrand. Foi criado em 1978, por um grupo de estudantes da Universidade de Clermond-Ferrand, como um evento de exibição de curtas franceses. Em 1981, é criada uma Associação, cuja finalidade principal é a organização do Festival. Em 1988, o Festival se torna internacional, recebendo trabalhos de todo mundo. Em 2006, o Festival exibiu mais de 200 filmes - cerca de 2% do total de filmes recebidos, e teve a participação de mais de 2800 profissionais de cinema. A cidade, com 150 mil habitantes, comparece em peso ao Festival.
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