18 de setembro de 2009

Anotações sobre cinema e literatura & um comentário sobre Clovis Rossi


(Décadence avec élégance na Riachuelo)


Ontem descobri um livro legal sobre cinema, intitulado Revisão Crítica do Cinema Brasileiro, com artigos de Glauber Rocha. Para quem não sabe, Glauber fez crítica antes de fazer filmes, e boas críticas, muito bem informadas, eruditas, ao mesmo tempo passionais, engajadas, combativas, as mesmas qualidades que, mais tarde, ele aplicaria à película.

Segundo Rocha, o filme que fê-lo abandonar o ceticismo e o libertou, ele e toda sua geração, do "complexo de inferioridade", mostrando "que era possível fazer cinema com dignidade" no Brasil, foi Rio 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, lançado em 1955. Nelson tinha 30 anos, Glauber 17. Este filme pode ser considerado, portanto, um dos marcos inaugurais do Cinema Novo. Foi feito com poucos recursos, filmando cenas do subúrbio carioca, sem uso de figuração.

Em artigos para o Jornal do Brasil, Glauber diz que Nelson "é a mais fértil, madura e corajosa mentalidade do cinema brasileiro, um dos intelectuais mais sérios de sua geração, consciente de seu papel histórico".

Mas houve um cineasta, antes de Nelson, que também influenciou muito a geração de Glauber. Foi Humberto Mauro, sobretudo com seu primeiro filme falado, Ganga Bruta, de 1933, cujas qualidades técnicas e estéticas Glauber põe ao lado dos melhores autores europeus da época. O fotógrafo desse filme, Edgar Brasil, também havia trabalhado para o lendário Mario Peixoto, em seu longa-metragem mais famoso, Limite, de 1930. Glauber afirma que Edgar Brasil foi para Humberto Mauro o mesmo que Tissé foi para Eisenstein; Kaufman para Dziga Vertov e Jean Vigo; Gregg Toland para Orson Welles e William Wyler; e Raoul Coutard para a Nouvelle Vague.

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Nelson Pereira dos Santos fez o corte e a montagem do primeiro filme de Glauber, Barravento, que ganhou o Festival Internacional de Cinema da Tchecoslováquia em 1963. A Tchecoslováquia, país socialista, tinha um vasto programa de bolsas de estudos para estudantes da América Latina, e realizava um importante festival de cinema, cujos prêmios, priorizando filmes independentes do terceiro mundo, ajudaram muito no desenvolvimento da arte cinematográfica nessas partes menos favorecidas do planeta.

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Além dos filmes de Nelson, os primeiros filmes do Cinema Novo foram Arraial do Cabo, de Paulo Cesar Saraceni, e Aruanda, de Linduarte Noronha e Rucker Vieira.

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Recado para mim mesmo: Assistir ao filme Linha Geral, de Eisenstein. Ler alguma coisa do famoso teórico de cinema André Bazin.

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Terminei de ler Recordações do Escrivão Isaías Caminha. O final do livro é bastante afobado, com alguns lances meio inverossímeis. O revoltado Caminha tem uma ascenção fulminante, e se torna amigo do odioso dono do jornal. As últimas cenas são extremamente mal desenvolvidas, apressadas, o que talvez se explica pela inexperiência de Lima, que tinha apenas 27 ou 28 anos quando escreveu o romance. O livro tem alguns trechos interessantes, descritas com uma desenvoltura e franqueza que o colocam como um dos primeiros romancistas (pré-) modernos da literatura brasileira. Mas sua técnica ressente-se da pouca experiência do escritor, cujo desenvolvimento foi atrapalhado pela pobreza, pelo alcoolismo, pela esquizofrenia (problema às vezes omitido por biógrafos de orelha), e pelo complexo de inferioridade gerado pelo racismo da época, pois Lima era mulato escuro, filho de ex-escravo. Provavelmente sua instabilidade psicológica tenha nascido da baixa auto-estima associada à sensibilidade exacerbada de artista erudito. Ressente-se, sobretudo, de sua morte precoce, aos 41 anos. É sempre bom lembrar que o próximo grande mestre que iria aparecer nas letras nacionais, o alagoano Graciliano Ramos, estreou na literatura já quarentão.

Os cumes mais altos de Lima Barreto talvez tenham sido atingidos em alguns de seus contos, como o Homem que sabia Javanês, e nas suas crônicas para publicações independentes.

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Eu não ia falar de política hoje, mas aí lembrei de uma coisa. Voltei a ler os jornais de São Paulo, disponíveis num centro cultural aqui perto. E hoje topei com uma preciosidade da mais absoluta estupidez de Clovis Rossi. Este é um caso patológico curioso. Colunista conceituado por quase todos, depois que a Folha iniciou sua campanha hidrofóbica contra Lula, Rossi, como bom cão amestrado, diariamente tenta aplicar uma mordida no presidente operário ou adjacências. Acontece que, de tanto morder, acabou perdendo os dentes. Ontem escreveu uma coluna totalmente senil, intitulada "Quem me defende da internet livre", onde ele lapida essa pedra preciosa:

Não falta a praga dos blogs. Todo blogueiro parece achar que eu não consigo começar o dia (ou terminá-lo) sem ler o seu imperdível blog. É claro que, em época de campanha eleitoral, só pode aumentar a quantidade.

Ler aqui o post do Rodrigo Vianna reproduzindo esse texto de Rossi e comentando-o.

Será que o grupo Folha está tão decadente que não pode mandar um técnico de informática explicar ao sr.Rossi que basta ele dar delete nos emails indesejáveis, ou bloqueá-los? Além do mais, é desonesto, porque certamente os emails que recebe de blogueiros (eu nunca mandei email para ele) devem representar menos de 1% do que chega em sua caixa postal.

Mas hoje (sexta-feira 18/09/2009) Rossi consegue realmente se superar. Comentando o fato de Obama ter cancelado o programa de escudo anti-mísseis da Europa Oriental, um plano de Bush, que vinha causando muita tensão com a Rússia, e optado pelo desenvolvimento de sensores ultra-modernos, capazes de detectar mísseis de longo alcance, o genial Clovis Róssi, pergunta-se se não seria melhor o Brasil, em vez de adquirir caças e submarinos, importar essa tecnologia dos EUA.

Ler aqui o texto do Rossi, reproduzido pelo Nassif, acrescido de comentários irônicos e arrasadores.

Ah, meu Deus, mais uma vez, perdoe-os. Eles não sabem o que dizem. Em primeiro lugar, os EUA não transferem tecnologia militar avançada. Em segundo, não se defende um país com sensores. Imaginem que algum país ou grupo terrorista ataque a Amazônia, ou ocorra um cataclisma natural qualquer, como um ataque de gafanhotos gigantes, o governo irá enviar o que para defender nossa soberania? Vai mandar um sensor para lá? Que homem burro, sô! Os EUA tem sensores, mas tem a maior frota mundial de caças e submarinos. Valha-me Nossa Senhora da Aparecida!

A gente sabe muito bem de onde nasce tamanha estupidez. Da arrogância, da histeria ideológica, da falta do que falar e, principalmente, da neurose jornalística gerada pela obsessão em perseguir o presidente Lula.

3 comentarios

jozahfa disse...

Chamá-lo de anta é ofender o totem brasileiro. Aliás, comparar esses traíras aos animais é desmerecer os nobres quadrúpedes e bípedes que tanto nos servem. São simplesmente canalhas mesmo.

Ines Ferreira disse...

Miguel,

Falando em burrice, hoje no O Globo na manchete de 1ª página vinha uma um artigo falando sobre pesquisa do IBGE que mostra avanços e retrocessos/estacionamentos (poucos) no Brasil, aí os caras fazem um quadro resumo, colocando uma mãozinha com o polegar para cima onde evoluiu, e outra com a palma da mão (como um guarda-de-trânsito) onde estacionou ou retrocedeu. E pasme, eles colocaram junto aos índices que pioraram, o trabalho infantil que CAIU de 4,8 milhões em 2007 para 4,4 milhões em 2008.É muita burrice!

Voltaire disse...

Esse cachorrinho sempre pautado não merece ganhar o renomado prêmio "Carlos Lacerda " do ano ? ELE MERECE! ELE MERECE !!!

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