23 de setembro de 2009

Solidariedade a Eduardo Guimarães


(A luta de Jacó com o anjo, de Eugene Delacroix.)

Eu costumo falar muito de história por aqui, citando gregos, romanos, procurando resgatar as raízes ocidentais do que chamamos cidadania. Mas nada me ensinou tanto como o exemplo do blogueiro Eduardo Guimarães, com sua generosidade, seu talento e sua coragem. Nem precisava saber nada de história para aprender o significado de cidadania, bastava conhecer o combativo blog do Eduardo, o que mostra como a humanidade renasce, inteira, quase do zero, a cada geração, trazendo, nos lugares mais recônditos e mais sagrados do espírito, os conhecimentos necessários para esta eterna e maravilhosa reinvenção da espécie.

Mas a nossa vida, justamente pela posse de uma consciência tão aguda sobre a existência, o amor e a liberdade, flerta com a dor e a perplexidade de uma forma que nos levaria à loucura senão tivéssemos inventado deuses para nos confortar. A nossa racionalidade soçobra perante a tragédia, e há também um motivo forte para isso - é que existe uma forma de inteligência muito acima da razão. Possuímos uma intuição mais poderosa que qualquer racionalidade, e o pensamento em Deus é uma forma de disciplinarmos essa intuição e a aplicarmos à vida. Não por outra razão, a maioria dos filósofos sempre trabalhou com a idéia de Deus.

Esse post é uma tentativa canhestra de expressar minha mais profunda solidariedade a Eduardo, que vive o momento mais difícil na existência de um homem, que é o temor de perder um filho, ou filha. Quero igualmente participar, com minha fé nesta inteligência superior, presente em nós mesmos, fonte de infinita força, capaz de salvar vidas e vencer a morte, na corrente de orações em prol da menina Victoria, filha de Eduardo, que está lutando para superar uma crise de pneumonia, conforme o aflito pai nos relata.

Eu nunca passei por nada similar. A única experiência próxima a essa dor foi quando meu pai sofreu um infarte e passou algumas semanas numa UTI. Mas não quero falar sobre isso agora. Lembro disso apenas porque, na época, escrevi um poema, dentro do ônibus que me levava ao hospital onde ele se encontrava. Desafortunadamente, perdi esse texto, mas recordo-me que era inspirado num belíssimo poema de Dylan Thomas, o qual, portanto, reproduzo abaixo, dedicando-o à menina Victória, a seu corajoso pai, Eduardo Guimarães, e a toda sua família.

É um poema de luta, que o poeta escreveu para seu pai amado. Uma declaração de guerra à morte. Eu acho bonito porque a nossa vida é mesmo uma eterna luta. A menina Victória está lutando; do jeito dela, demonstra uma coragem incomparável, única. Esse tipo de luta, tão humana, está presente nos milhões de seres humanos que lutam encarniçadamente contra a morte, todos os dias. Nem sempre vencendo, mas quase sempre dando mostras de uma dignidade e uma valentia que poucos "saudáveis" possuem.

Prezado Eduardo, sinta-se abraçado e amparado por todos os leitores deste blog, e tenha certeza de que torcemos fervorosamente pela recuperação de sua filha.

Cordialmente.

Abaixo o poema, na tradução de Ivan Junqueira.

NÃO ENTRES NESSA NOITE ACOLHEDORA COM DOÇURA

Tradução: Ivan Junqueira

Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Pois a velhice deveria arder e delirar ao fim do dia;
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

Embora os sábios, ao morrer, saibam que a treva lhes perdura,
Porque suas palavras não garfaram a centelha esguia,
Eles não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os bons que, após o último aceno, choram pela alvura
Com que seus frágeis atos bailariam numa verde baía
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

Os loucos que abraçaram e louvaram o sol na etérea altura
E aprendem, tarde demais, como o afligiram em sua travessia
Não entram nessa noite acolhedora com doçura.

Os graves, em seu fim, ao ver com um olhar que os transfigura
Quanto a retina cega, qual fugaz meteoro, se alegraria,
Odeiam, odeiam a luz cujo esplendor já não fulgura.

E a ti, meu pai, te imploro agora, lá na cúpula obscura,
Que me abençoes e maldigas com a tua lágrima bravia.
Não entres nessa noite acolhedora com doçura,
Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura.

*


Aconselho àqueles que entendem inglês a ler o original, neste link, que traz ainda o áudio do próprio poeta recitando o texto.

6 comentarios

DITADO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Obrigado, Miguel. Abraço, Eduardo Guimarães

Unknown disse...

Olá Equipe de Oleo do Diabo, boa tarde!


Somos a Assessoria de imprensa digital da campanha fotográfica África em Nós, criada pela Secretaria da Cultura de São Paulo, com a curadoria do fotógrafo Walter Firmo.

Estamos entrando em contato, pois seu blog foi altamente recomendado pela nossa equipe. Ficaremos grato ao retornar este e-mail para nós africaemnosoficial@gmail.com

Desde já, os nossos agradecimentos.



Assessoria África em Nós | http://www.africaemnos.com.br

Anônimo disse...

Muito bom seu texto e o poema. Nora Cúneo

Adriano Matos disse...

Belo poema e, na minha opinião, ainda mais em língua portuguesa.

No entanto, não concordo com a tradução da frase "Rage, rage against the dying of the light" por "Odeia, odeia a luz cujo esplendor já não fulgura".

Faz parecer que é se deve odiar a própria luz, ao invés do apagar das luzes.

Saudações.

reginacarioca disse...

miguel,eu guardei o papelzinho de caderno onde vc escreveu o seu poema pra seu pai no hospital. Ele ficou muito comovido. Estava muito bonito e sincero. Está comigo. Vou mandá-lo via nternet tá? Era sobre a mulher de branco que vc pedia para que seu pai não a recebesse. E ele assim fez. Salvou-se milagrosamente pois seu caso foi dado como perdido. beijos mãe

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