2 de setembro de 2009

O júbilo indescritível dos paulistanos

(continuo minha série de fotografias das adjacências da Lapa e Cruz Vermelha)

Depois de adiar por tantas vezes a minha volta, desta vez tenho o prazer de comunicar a ANTECIPAÇÃO dela. Já terminei meu trampo e posso, portanto, retornar a meu ofício mais querido. Meu projeto agora é dedicar-me integralmente ao blog.

Vamos ao que interessa. Voltei às minhas pesquisas. Hoje fucei o Estadão da primeira semana de abril de 1964. Sei que muitos de vocês estão cansados de saber que os jornalões apoiaram entusiasticamente o golpe de Estado no Brasil. Mesmo assim, nunca é demais estudarmos em detalhes COMO eles agiram.

Como historiador amador, convenci-me plenamente que o engajamento das famílias Frias, Mesquita e Marinho, resultou determinante para desatar o episódio que fez o Brasil sofrer um retrocesso político e moral trágico, do qual até hoje não nos recuperamos.

Recuperar a história é o primeiro passo para desenvolvermos no Brasil uma consciência política mais avançada. Hoje vejo que os livros de história que estudei no segundo grau são falhos porque omitem o papel da mídia na desconstrução das instituições democráticas nacionais. A partir do momento em que esta própria mídia (ou empresas associadas a ela) vem produzindo livros didáticos e vendendo-os em grande escala para o Estado, esta omissão ganha ares de golpismo ideológico.

Vamos lá.

*

O papel do Estadão no golpe militar é atestado por um de seus principais artífices, Carlos Lacerda, então governador do Estado do Rio. No dia 3 de abril de 1964, o próprio Estadão afirmava, com orgulho, que:

(...) Carlos Lacerda declarou que um dos fatores decisivos para o êxito do movimento militar anti-comunista no Brasil foi o apoio enérgico e total dado a esse movimento pelo diretor do Estado de São Paulo, Julio Mesquita Filho.

A declaração tem o agravante de ter sido feita ao proprietário de "La Prensa", jornal de dr.Alberto Gainza Paz, com o objetivo de insuflar um movimento golpista similar na Argentina.

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E vejam como São Paulo sempre foi uma cidade defensora dos ideais democráticos.

Manchete da página 6 do Estado de São Paulo do dia 2 de abril de 1964:

Empolgou SP a vitória das armas libertadoras

Na tarde de ontem, a população paulistana, embora acompanhando atentamente os acontecimentos, entregava-se, na mais perfeita ordem, às suas atividades normais. Súbito, uma faísca galvanizou a Capital: às 16:30, espalharam-se como rastilho de pólvora, as notícias de que o Rio de Janeiro caira às mãos do Exército libertador e de que o sr.João Goulart deixara, deposto, a antiga Capital federal. Foi indescritível o júbilo que se apossou da população: um clamor imenso subiu das ruas.

Manchete da página seguinte (pág.7) do mesmo dia. A matéria é continuação da página anterior.

Indescritível entusiasmo galvanizou a população paulistana

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Outro exemplo magnífico dos valores democráticos e apreço pela liberdade de expressão presentes no espírito dos editores do jornal Estado de São Paulo. Leiam esse trecho, em matéria do dia 2 ou 3 de abril:

Ocupadas as Rádios Nacional e Mayrink da Veiga

(...) emissoras foram ocupadas por fuzileiros navais (...) [porque davam] notícias favoráveis ao governo federal.

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Manchetão na capa do jornal Estado de São Paulo, sexta-feira 3 de abril de 1964:

Democratas dominam toda a nação

Os "democratas", vocês sabem muito bem quem são.

No dia anterior, a manchete havia sido:

São Paulo e Minas levantam-se pela Lei

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A argumentação ideológica e jurídica usada pelos golpistas de 1964 para derrubar o governo é a mesma usada hoje em Honduras. O processo é assustadoramente idêntico. A mídia, com ajuda de algumas lideranças histéricas, produz uma massa de teleguiados imbecis, que passam a papagaiar tudo que lêem. A oposição política do presidente da república, de posse de alguns governos de província, coopta a alta oficialidade militar, oferecendo-lhe poder político. O presidente é deposto e o presidente do congresso assume a vaga. Honduras de hoje é o Brasil de 1964.

E o que é mais assustador. Hoje, 2009, temos novamente dois governadores de SP e MG em mãos de partidos da oposição conservadora, aliados à mídia, com apoio de intelectuais desequilibrados, com psicose anti-trabalhista. Quer dizer, seria assustador, se a conjuntura política global e as novas realidades tecnológicas, não tivessem amolecido os dentes desse tigre.

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Os jornais da época também passam a defender algumas medidas que somente genuínos amantes da democracia poderiam pensar: a realização de "limpezas" e "expurgos" em todo o país, eliminando de todas as empresas públicas e universidades elementos suspeitos de ter idéias "subversivas".

(...)[o novo governo precisa tomar] medidas drásticas de saneamento, sobretudo nas esferas oficiais, sindicais e mesmo nas esferas universitárias (...).

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Esse post é dedicado àqueles que acham horrorosa a expressão PIG, Partido da Imprensa Golpista.

4 comentarios

Anônimo disse...

"Hoje vejo que os livros de história que estudei no segundo grau são falhos porque omitem o papel da mídia na desconstrução das instituições democráticas nacionais."

Pois é, a Venezuela saiu na frente:

"A nova Lei de Educação, recém-aprovada na Venezuela, foi apresentada por corporações de mídia brasileiras como “mais um passo rumo à ditadura chavista”. Na melhor das hipóteses, foi chamada de “lei polêmica”.
http://www.fazendomedia.com/?p=571

Miguel do Rosário disse...

Não posso opinar sobre os livros de história da Venezuela. Os países latino-americanos tem uma excelente tradição universitária. Eles são bons de história. Com Chávez ou sem Chávez. Mas possivelmente a omissão do papel das mídias no histórico de golpes do continente ocorre em toda a parte.

André Egg disse...

A história do golpe é pouco conhecida, por vários fatores.

Um deles é expresso pela nomenclatura que damos, chamando o período 64-85 de "ditadura militar", o que é incorreto. Também é incorreto falar em "golpe militar", como você está descobrindo nas fontes de época.

A participação civil era muito maior que a militar.

João Goulart também não quis enfrentar esta oposição, pois para isso teria que seguir um rumo muito mais radical do que estava disposto.

Acha parecido com a situação atual? Tem muita diferença. Agora temos uma certa estabilidade política, que não existia em 64.

E temos agora um presidente com apoio popular em regiões mais pobres, que faz toda a diferença.

O governo Castelo Branco era uma grande aliança conservadora. A sucessão dele é que foi um verdadeiro "golpe militar".

L-A. Pandini disse...

Miguel, dos tempos em que a Abril fazia coisas boas, tenho a coleção "Nosso Século", lançada em 1980. Quando a vi pela primeira vez, tinha uns 16 anos (época das Diretas Já) e começava a ter consciência política.

Um dos capítulos tem fac-similes de primeiras páginas de diversos jornais sobre o golpe. E essa manchete do Estadão ("Democratas dominam toda a nação") chamou minha atenção de imediato. "Democratas dominam" mostra bem a contradição entre discurso, prática e intenções dessa mídia golpista.

Comento pouco por aqui, mas sou leitor atento de seu blog. É um dos meus preferidos. Abraços! (LAP)

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