9 de dezembro de 2009

Sobre xadrez, futebol e perigosas comemorações

É engraçado essa história de vício. Eu, por exemplo, não consigo largar essa porcaria de xadrez. O pior é que eu nem sou bom nisso. Perco sistematicamente, até para um garoto mexicano de 12 anos, e mesmo assim continuo jogando. Meu braço já voltou a doer mas não adianta. Lá vou eu jogar de novo.

Alguém poderia dizer que é melhor isso do que encher a cara de cerveja no boteco. Mas quer saber o que é realmente engraçado? É fazer as duas coisas! Beber cerveja até altas horas, voltar pra casa e entrar... no site de xadrez. Se já perco de cabeça fria, imagina o vexame que não passo depois de tomar uns gorós! Desastre. Vergonha. Perco a rainha em três ou quatro lances. É um pouco triste também.

Todos temos melancólicas idiossincrasias. Pelo menos tenho meu trabalho, meu blog, minha imaginação. Hoje terminei um trabalho tão emocionante! Um artigo sobre uma empresa portuária! Bem, estou brincando. Esse artigo me renderá 850 reais, que serão fundamentais daqui até o Natal. Ando sem muita inspiração e a única maneira de voltar ao ritmo de antes é dando a cara a tapa e mandar ver, sem pensar muito. Minha mente só pega no tranco em movimento.

Gostaria de escrever sobre a vitória do Flamengo, domingo último. Acho que nunca escrevi nada sobre futebol, é incrível. Aqui em casa, há um boicote brutal contra qualquer tipo de esporte. Minha mulher odeia mortalmente futebol, não sei porque. Deve ser algum trauma, sei lá. E, eu, como bom homem moderno, ou seja, como um bundão obediente e submisso, e também porque, verdade seja dita, nunca fui muito ligado em futebol, aceitei na boa e não vejo nenhum jogo.

Mas desta vez não dava. Final de campeonato. Mesmo sem acompanhar os jogos, sentia a eletricidade no ar. Todos meu amigos e conhecidos gostam de futebol, claro. Eu sou um ET. Liguei para um amigo e perguntei onde ele assistiria o jogo. Ele me disse que um amigo nosso em comum o havia convidado para assistir num caxangão em Laranjeiras. Auto convidei-me. Minha mulher tentou sabotar, claro, mas aí bati pé, fiz escândalo. Briguei. Sei fazer o que eu quero quando eu realmente quero fazer alguma coisa. Sei também que se a gente deixar a mulher nos fazer de gato e sapato, a gente vira, de fato, um gato e sapato. Mais sapato do que gato, e ela acaba se cansando de namorar um sapato e vai procurar um gato em outra parte. Enfim, saímos - ela veio atrás de mim -, nos encontramos com meu chapa e fomos à Laranjeiras.

Emoção. O Flamengo tinha que ganhar. Havia no ar um enorme clima de já ganhou. No ônibus, a gente teve uma conversa do tipo:

- Cara, eu tenho um pouco de receio. O Flamengo sempre amarela quando a tensão é grande.

Eu falei isso - homem de pouca fé que sou.

Mas chegamos a conclusão de que desta vez não. O Grêmio entraria com um time de reserva! Contei que havia visto na TV um grupo de torcedores do Grêmio torcendo pelo Flamengo. Eles queriam que o Flamengo ganhasse porque, em caso contrário, o Internacional, o time inimigo lá deles, poderia ser campeão.

Entramos na casa. Maior astral. Só gente boa e garotas bonitas. Antes passamos no Largo do Machado, para encontrar o amigo que conhecia o dono da casa. Aproveitamos e compramos 24 latinhas de skol nas Sendas. Pegamos um táxi e fomos.

Era uma casa enorme, e a TV estava na varanda. A gente começou a beber cerveja e a comer o churrasco delicioso que estavam servindo. O jogo começou. E daí o Flamengo tomou um gol!

Puta que pariu!

Não podia haver anticlímax maior.

Mas vou adiantando a história porque pretendo voltar ao site de xadrez. Já estou sentindo crise de abstinência.

O Flamengo vira o jogo. Vocês conhecem a história. O Flamengo vence a partida. Alegria, entusiasmo, euforia. Música alta. E dá-lhe cerveja pra dentro.

A gente bebeu até acabar a cerveja. Uma garota passou o chapéu para ir comprar mais. Havia um bar doméstico lindo na varanda. Eu passei para o lado de lá do balcão e preparei para mim deliciosas caipirinhas. Dançamos e curtimos. Alguém voltou com mais cerveja e eu também voltei à cerveja. Até que a cerveja acabou novamente e saímos. Pegamos um táxi.

Eu, um amigo, minha mulher e outra garota. A garota arrumou uma briga com o motorista do táxi, que pediu para a gente sair do carro. Saímos. Resolvemos beber no primeiro bar da esquina da rua Alice.

Paramos e bebemos. Encontrei um cara que não via há uns vinte anos. Um cara que me conhecia da época em que eu era um poeta maluco que frequentava o baixo gávea. Ainda sou um poeta maluco, mas muito raramente. Quase nunca, para falar a verdade. Cansei disso. Hoje sou muitas outras coisas, mais úteis à sociedade (ou nem tanto).

Bebemos umas cervejas por ali, até que resolvemos ir à Lapa. Eu moro na Lapa. Meu amigo mora em Santa Teresa, então teria que passar pela Lapa. A garota morava no Méier, então teria também que passar por lá. Minha mulher mora comigo. Mas peraí. Quando cheguei na Lapa, percebi que tinha esquecido minha mulher!

Na verdade, não foi bem assim. Ela saiu do bar para comprar cigarros, e como eu achava que ela estava com raiva de mim - e ela estava, de fato -, e como eu, já para lá de marrakesh e alegre como um imbecil alcoolizado, não estava afim de ouvir sermões de mulher responsável, eu meio que dei perdido.

Bem, ela também demorou demais. Ligamos para ela e ela disse que já estava voltando. Não voltou. Então eu fiquei nervoso e disse para pegarmos um táxi. Pegamos um táxi e fomos para Lapa.

Paramos num bar.

Meia hora, minha mulher aparece, furiosa, jogando cerveja em mim e na garota. Meu amigo também estava por ali, assistindo a tudo, mas não sofreu nenhum ataque. Ela estava com ciúmes. Talvez a garota estivesse mesmo me paquerando. Eu não percebi, ou fingi que não percebi. Sei lá. Sei que não comprei briga com minha própria mulher. Não sou doido. Não a esse ponto, de enfrentar uma mulher em crise de ciúmes. Uma vez ela quase arrancou um pedaço de carne do meu peito, numa mordida de ódio. Eu a amo, além disso.

Fui para outro bar. Bebi apenas uma cerveja. E voltamos para casa. Havia cantado, dançado, vibrado com a vitória do Flamengo, brigado com minha mulher e bebido todas.

Meeeeeengo!

Jogar xadrez, realmente, é bem mais seguro.

3 comentarios

carlos disse...

salve, miguel,

respeite o périplo dominical,hein, meu camarada. mas que valeu a pena, lá isso valeu, né não?

a propósito, quase me lasquei de rir com o enredo etílico.

abçs e viva o mengão, como uma presidente na direção do clube, ora veja só!

lukas disse...

Gostei praca da sua crônica. Já fiz muito essas vias-sacras. Hoje não aguento mais e a mulher não deixa também. Gostaria de seu endereço pra te envias meu segundo livro de cartuns (de 2000). Ano que vem devo lançar outro. Bom... um abração pra ti e pra dona briguenta.

lukas@wnet.com.br
P;s: dê uma espiadinha no meu modesto blog.

Marcio Tavares disse...

Foi a maior pouca vergonha futebolística de todos os tempos. E ainda tem quem comemore essa safadeza.

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