(Cerrado por brujería by Luis Felipe Noé.
Latin American Collection of the Jack S. Blanton Museum of Art)
Confesso que não tenho ânimo para sequer pensar em Bolsonaro. Esse cara merece simplesmente desprezo. Em vez disso, pesquiso o acervo da Folha, em busca de detalhes sobre a participação dos grandes jornais no golpe de estado de 1964. Aliás, quero parabenizar os barões da limeira por terem disponibilizado todo esse material na internet, servindo de exemplo para que outros lordes de passado escuso façam o mesmo. A boa ação, porém, não exime Frias e apaniguados das suas responsabilidades históricas, e ainda aguardo um pedido de desculpas, humilde, formal, solene, dos sócio-proprietários, por sua empresa ter emprestado um apoio tão importante para a consolidação do regime de força que experimentamos por vinte e um anos, de 1964 a 1984.
No dia 3 de abril, pouco mais de 48 horas após o golpe, a Folha publicou o seguinte editorial:
(Clique para ampliar, ou leia a transcrição ao final do post)
Tive a pachorra de digitar o texto todo, para facilitar sua leitura. É um texto com tantas mentiras que seria necessário um livro inteiro para destrinchá-lo. Todas as manipulações anteriores ao golpe encontram-se resumidas na calúnia de que Goulart pretendia implantar um regime comunista no Brasil. Não havia nada parecido com isso. O país encontrava-se, de fato, sacudido por greves e agitações sindicais, mas nada que qualquer outra nação capitalista não tivesse já experimentado e superado através da negociação política, da conversa, enfim, pela via democrática. Observe que, para afirmar essa mentira, o editorialista usa a expressão "nunca na história desse país"... Quanta ironia a história nos reserva!
Se pesquisarmos as edições dos dias 1 e 2 de abril, veremos que o jornal agiu como um boletim de campanha, animando os golpistas com relatos entusiasmados das adesões dos diferentes quartéis, procurando levantar o moral da tropa.
Entretanto, nesse capítulo vergonhoso da história da imprensa nacional, para mim os mais negros foram escritos nas semanas que antecederam ao golpe propriamente dito, em que os três cavaleiros do apocalipse (globo, estadão e folha) uniram-se numa campanha para inventar um clamor popular contra o regime, através da organização, promoção e cuidadoso marketing, das famigeradas Marchas da Família, por Deus e pela Liberdade. A hipocrisia aí tornou-se diabólica, pois ao mesmo tempo em que ajudaram, de todas as maneiras, inclusive financeiramente, a reunir hordas de tolos manipulados para protestar contra o governo democrático de João Goulart, as matérias falavam em manifestações "espontâneas" das massas...
Mas vamos ao editorial do dia 3 de abril. O golpe havia sido dado no dia 31. Nos dias 1 e 2, houve o sufocamento dos focos de revolta e consolidação da tomada de poder pelos militares, e no dia 3 a situação já estava sob controle.
O Brasil continua
Editorial da Folha de São Paulo, do dia 3 de abril de 1964
Voltou a nação, felizmente, ao regime de plena legalidade que se achava praticamente suprimido nos últimos tempos do governo do ex-presidente João Goulart. E isto se fêz, note-se, com mínimo de traumatismo, graças ao discernirmento de nossas Forças Armadas, que agiram prontamente para conter os desmandos de um político que, cercado de assessores comunistas, procurava manobrar o país de acordo com o pensamento desse reduzido grupo e em ostensivo desrespeito às melhores e mais caras tradições de nossa gente.
Muitos, ainda atônitos com os acontecimentos e em particular com o seu desfecho, talvez não se tenham dado conta de que o país se acha de novo subordinado ao regime constitucional. Empossado o novo presidente, cujo mandato tem a duração de trinta dias apenas passados os quais deverá o Congresso eleger aquele que deverá governar a nação até o fim do atual quinquênio, todas as garantias individuais e todos os artigos da lei, sem exceção, se acham em vigor.
Voltaram automaticamente aos seus limites constitucionais as atribuições dos governadores e de todas as autoridades. Toda exorbitância, no caso, representará grave perigo, pois estará contribuindo para subverter a ordem que as Forças Armadas restabeleceram com tanto zelo.
As observaçoes que acabamos de fazer tornam-se mais oportunas ainda quando se sabe que o foco de resistência que parecia esboçar-se no Rio Grande do Sul, onde o sr.Leonel Brizola bravateava a sua maneira, se acha extinto.
O dever que agora se impõe a todos é o do trabalho, sem dar atenção a possíveis boatos que alguns agitadores ainda queiram lançar aqui e ali, em desespero. E é de se esperar que o façam, pois nunca, na história desse país, eles estiveram tão perto de conseguir os seus ideais de, embora contra a vontade do povo, instalar no Brasil o regime comunista.
Na verdade, não seria necessário insistir nesse dever que agora se impõe a todos, com redobrado fervor. Pois o povo, em todos os recantos da pátria, demonstrou magnífico comportamento, durante os momentos de crise. Não deixou de trabalhar um minuto sequer, e isto se pode afirmar de todos os trabalhadores em geral. Apesar da vociferação dos espúrios órgãos que diziam representar a vontade dos trabalhadores e os conclamavam a greve geral, em não poucos lugares o que se viu foi o comparecimento antecipado dos operários, que movimentaram mais cedo para os seus postos de labuta, a fim de compensarem eventuais faltas ou deficiências de transporte.
É preciso, porém, que todos meditem nesse problema do trabalho porque o país vinha sofrendo contínuas perturbações de ordem interna e seguidas paralisações, que em nada contribuíam para o seu progresso. Há um tempo perdido que o povo tem de recuperar, embora não fosse ele, o povo trabalhador, o responsável pela dissipação de seus esforços e pela queima de tantas horas de trabalho na fogueira acesa pelos comunistas e pelos mais brasileiros que eles manobravam à vontade.
Dentro dos quadros da legalidade, confiantes no processo democrático, e esperançosos de que voltem ao bom caminho, os políticos eventualmente desviados das graves responsabilidades que tem perante o povo e a nação, olhemos o futuro com olhos otimistas e digamos com inteira convicção a frase que serviu de título ao suplemento que, quase se diria, por uma espécie de premonição, publicamos juntamente com nossa edição do dia 31 do mês passado: O BRASIL CONTINUA.
O texto do editorial demonstra tão e somente o apoio por completo ao golpe militar. Acredito que tal texto seria usado do mesmo modo (com alguns ajustes) caso as forças políticas "vitoriosas" fossem outras. É o famoso: Torço para quem estiver vencendo. Veja esse exemplo: José Sarney. Ele sempre esteve ao lado do governo, torcendo para quem está vencendo. No período militar estava com o governo. Com Collor estava no poder, com Lula e com Dilma ainda está lá. Temos outros nomes para compor essa lista: ACM (que o demo o tenha), Maluf, etc...
Esse editorial faz qualquer democrata verdadeiro VOMITAR.
Miguel, ressalto um trecho que voce digitou: "Toda exorbitância, no caso, representará grave perigo, pois estará contribuindo para subverter a ordem que as Forças Armadas restabeleceram com tanto zero."
Achei interessante esse ato falho de digitar "zero" ao invés de digitar "zelo": mesmo querendo ser fiel ao editorial horroroso, voce não conseguiu escapar de sua veia democrática. Rsrsrs.
Obs: e continue defendendo o Governo Dilma, sempre que for pertinente, correto e necessário. Seu blog tem sido uma voz de bom senso no meio de uns analistas açodados que permeiam pela internet.
Cláudio Freire
Miguel, parabéns. Que bom contar com a sua dedicação e capacidade de discursar sobre tais assuntos. Vir aqui em seu blog já faz parte da minha rotina vesperal. Obrigado.
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