27 de maio de 2009

CPI no botequim

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(fác-símile do sempre incisivo jornal Hora do Povo, via Azenha)




(Aviso aos navegantes. Assim que eu publico um post, ele vem cheio de erros. Eu publico e em seguida começo a corrigir furiosamente, impulsionado pelo receio de que a "opinião pública" se horrorize com minha indigência gramatical. Talvez não seja o melhor método, mas é o mais eficaz pra mim. Quando encontrar erros, pense que eles podem desaparecer em alguns segundos. Ás vezes, basta um reload na página e pronto, eles já sumiram! Por isso eu prefiro que indiquem o link para a página permanente do post ao invés de reproduzir o texto.)


Os tucanos afundam a maior plataforma de petróleo do mundo, dando um prejuízo incalculável à Petrobrás e ao país, inclusive com perdas de vidas humanas, e jornais e leitores teleguiados acusam o PT de má gestão da empresa? É ridículo.

Está sendo criada uma abominável confusão sobre a tal "indicação política". Toda indicação é política. Nessa acusação, está-se acusando, na realidade, o caráter de empresa pública da Petrobrás, gerida por aqueles que venceram as eleições. O que é errado não é a indicação política. O que é errado é a incompetência. Se a Petrobrás está sendo gerida de forma exemplar, conquistando grandes vitórias aqui e no mundo, então ótimo. A sociedade brasileira sabe ser crítica, mas esta crítica deveria também saber apreciar o que é bem feito. A Petrobrás quintuplicou seu valor no mercado e optou por uma política de preços estável, dando uma contribuição fundamental para a verdadeira revolução social vivida pelo Brasil. Passou da vigésima para a quarta posição no ranking mundial das maiores empresas e vem acumulando prêmios e prestígio.

Na gestão tucana, a volatilidade das cotações internacionais do petróleo era repassada ao varejo, gerando enorme desconforto e prejuízo às empresas e cidadãos. O PSDB, definitivamente, não é bom gestor. É um péssimo gestor, o pior de todos. Gostaria de saber como uma gestão responsável pelo afundamento da maior plataforma de petróleo do mundo pode ser elogiada como "boa" ou "competente"? E porque não houve investigação mais aprofundada, inclusive na imprensa? Não. Quando houve o afundamento da P-36, Arnaldo Jabor escreveu um violento artigo atacando... os brasileiros, que seriam pessimistas e ranhetas, entre vários epítetos desabonadores, por criticarem o responsável pelo acidente, o governo de Fernando Henrique Cardoso e José Serra, por serem críticos a uma gestão vagabunda e criminosa, que vinha sucateando e sabotando a Petrobrás!

Fiquei sabendo uma coisa que me espantou, e me fez entender outras: a Petrobrás é responsável por 40% dos recursos para o PAC, o programa econômico do governo que visa acelerar a economia e gerar empregos. Parte da sociedade não quer que o PAC dê certo, porque não quer que o Brasil dê certo. Eles não aceitam a derrota nas urnas - frase esta que ouvi repetidas vezes durante a manifestação pela Petrobrás aqui no Rio. Eles não aceitam a derrota nas urnas e colocam os interesses partidários acima dos interesses nacionais.

Eu falava que não existe indicação técnica pura. É isso mesmo. Universidades públicas e privadas, empresas públicas e privadas, sempre indicam politicamente seus dirigentes, porque a dimensão política abrange a técnica. A imprensa tem martelado distorções ideológicas nos corações e mentes dos brasileiros. A política é uma dimensão nobre e fundamental da civilização. O problema da Petrobrás não é indicação política. Se a empresa é pública, quem indica seus dirigentes é o partido que vence as eleições, o partido que representa, portanto, o povo brasileiro. O PT ganhou as eleições presidenciais, então a imprensa tem que se acostumar com o fato do PT ser o partido que governa o Brasil; e a julgar por inúmeros analistas internacionais, revistas especializadas, estatísticas, e até pelo presidente mais bem informado do mundo, o genial Obama, o PT está fazendo um belíssimo governo, talvez um dos mais equilibrados da história, servindo ao povo sem prejudicar os empresários. Enfim, o PT faz política com P maiúsculo.

Naturalmente que há problemas. Nada é perfeito. Acho extremamente enfadonho, e um tanto arrogante, repetir lugares comuns como: "tenho muitas críticas a fazer a este governo, ao governo Lula", "O PT tem muitos problemas", "há muita coisa a fazer". Ora, é evidente que há problemas e que muitos demorarão a ser resolvidos. Mas só quem está lá, com a mão na massa, sabe das dificuldades. Nossa discussão sobre o governo deve ser feita a partir dos resultados concretos, dos fatos concretos, e não sobre o que o governo poderia ter feito, deveria estar fazendo. Onde há problemas? O que precisa ser feito para resolver esses problemas específicos? O que você, pessoalmente, pode fazer para ajudar a resolver esse problema? A sociedade precisa ser parceira dos governos, parceira política e partidária inclusive, e não apenas cobrar, passivamente, soluções que talvez nem sejam as melhores. John Kennedy cunhou uma frase que, perante as diatribes diárias da imprensa, até soa ridícula, mas explica um pouco essa necessidade de participação cidadã: não pergunte o que os EUA podem fazer por você, e sim o que você pode fazer pelos Estados Unidos. A democracia grega era defendida por seus cidadãos com o próprio sangue. Sócrates não colaborou apenas com seus discursos, ele arriscou a vida nas guerras de Atenas.

Os quadros dirigentes de uma empresa privada também são escolhidos por sua habilidade política, capacidade de liderança, articulação, conhecimentos gerais, etc. Um dirigente da Vale não é escolhido apenas por saber a fórmula química do manganês ou por ter descoberto o código molecular do estanho, e sim por ser uma pessoa que fala línguas estrangeiras, conhece políticos graúdos, tem conexões com figurões da mídia, possui bom diálogo com sindicatos, etc.

A Vale é uma empresa privada e onde está sua "gestão maravilhosa"? Estou estupefato com o mau caratismo da direção da Vale, que comete um erro histórico gravíssimo, denunciado por Lula. Enquanto a Miriam Leitão dá chiliques por conta de insignificâncias diplomáticas (o fato do Itamaraty ter esquecido o véu da D.Marisa na viagem para Arábia Saudita), o presidente da república acusa a Vale de não investir em unidades de industrialização dos minérios explorados no Brasil. A Vale está fazendo crateras gigantescas no Pará e em Minas Gerais, e só. Os estados não estão vendo a cor do dinheiro, porque o minério é exportado a preços irrisórios. O Brasil está bancando o crescimento chinês. Sem necessidade. A China não precisa e não quer esse favor. À China interessa que o Brasil se desenvolva industrialmente, para que sejamos grandes consumidores de seus produtos de alto valor agregado.

Mais que isso. Além de não investir em unidades de processamento, a Vale aplicou uma facada nas costas do Brasil, ao realizar uma demissão em massa no auge da crise, sem preocupação alguma com a tremenda repercussão negativa da notícia sobre a economia brasileira!

É importante lembrar que esse quadro de crise constante tem um aspecto positivo para as elites, que conseguem, através da ameaça de desemprego, freiar as demandas sindicais por aumento salarial e melhores condições de trabalho.

A história mostra que a ambição pelo poder faz os homens esquecerem completamente o interesse nacional. Roma foi destruída inúmeras vezes por suas próprias lideranças. A história da civilização ocidental é apaixonante, sobretudo porque vemos os fatos se repetirem. Também na Roma Antiga, quando ainda era uma república relativamente democrática, ocorriam disputas entre setores políticos ligados aos interesses populares e aqueles ligados às elites. Na Grécia Antiga, idem. Sempre que as elites perpetravam abusos sobre o povo, o povo reagia dando amplos poderes a suas lideranças. Júlio César é o grande exemplo. Ele era ligado aos partidários de Mário, aos populares, e sempre procurou ser carismático junto ao povo. César sabia que o povo não quer promessas, quer ações. Quer comida, vida digna, lazeres. Dar essas coisas ao povo não é populismo. Dar essas coisas ao povo é justamente o sentido de um Estado. Isso que a direita brasileira, ou melhor, a direita latino-americana não entende. O povo não é bobo porque vota naquele que lhe dá uma vida melhor. Bobo seria se votasse em quem lhe ferra.

A manipulação ideológica da imprensa é agressiva, constante, diária. Ao chamar qualquer ação do Estado de eleitoreira, ela denigre o Estado, as eleições e a ação política. Qual o problema em ser eleitoreira? O voto é o capital mais nobre de um político. E o povo só vota - ou deveria votar - em governos dinâmicos, que agem em seu favor. Qual o critério que a imprensa sugere para definir se um político é bom ou ruim? Sua carinha boa? Seu discurso ético? Ora, esse discurso ético não passa de um amontoado de clichês hipócritas, e o povo sabe muito bem disso. A massa é ignara, mas, em muitos aspectos, é mais astuta e prudente do que setores teleguiados da classe média. Os grandes filósofos sempre identificaram na sabedoria popular uma fonte inesgotável de bom senso e criatividade. Se o povo é capaz de produzir grandes gênios da música, das artes plásticas, da literatura, também é capaz de eleger, vez ou outra, um bom governante.

Nesta segunda-feira, por conta de uma obrigação profissional, assisti a uma palestra de Otávio Barros, o economista mais graduado do Bradesco. Ele afirmou que o Brasil é "o cara" e terminou a conferência exibindo uma foto de Lula ao lado da rainha da Inglaterra, com Obama atrás. E não vale repetir a ladainha psolista de que "os bancos nunca ganharam tanto dinheiro". Com essa crise econômica recente, ficou mais uma vez provado que é muito melhor que os bancos privados ganhem bastante dinheiro do que eles quebrarem e os contribuintes serem obrigados a pagar a conta. A quebra do sistema bancário é a coisa mais trágica que pode acontecer a um país. Vejam o exemplo da Argentina. Por isso, eu acredito que o sistema bancário, assim como é o regime monetário, deveria ser monopólio do Estado. Se o Estado monopoliza a emissão de moeda, também deveria controlar o crédito. E a imprensa deveria ser fortemente regulada por leis modernas, que protegessem cidadãos, empresas, artistas, políticos, dessa situação de chantagem diária de que somos vítimas. Não há liberdade de expressão porque somos todos vítimas em potencial do ódio midiático.

A imprensa, definitivamente, tem um poder do qual ela não é digna. Eu, como escritor, que precisa de apoio do público e da opinião pública para me sustentar financeiramente, sinto-me chantageado pela mídia, porque tem sido ela, nos últimos cem anos, quem define quais os autores serão eternamente miseráveis, ainda que geniais, e quais serão agraciados com uma vida confortável de coquetéis, mesmo sendo completamente medíocres. O genial Jack Kerouac só conseguiu a independência econômica depois dos quarenta anos, após a publicação de uma resenha positiva sobre On the Road no New York Times. O velho Buk só ganhou dinheiro com quase sessenta anos, tendo que atravessar uma penosa existência de sub-empregos e semi-indigência. Van Gogh, o maior pintor do século XIX, morreu na mais completa miséria! A arte moderna surgiu do embate entre uma vanguarda artística orgulhosa e independente e uma arte velha amparada e apoiada pela mídia conservadora. O tranquilo e pacato Cézanne foi chamado de louco e acusado de pintar sob delirium tremens! Já a arte pós-moderna surgiu no próprio berço midiático, e por isso sempre foi rica - e medíocre.

Claro que todos os grandes artistas transformam seus problemas em arte. Fomos expulsos do Paraíso há muito tempo e não queremos voltar. Enfrentamos nossa pobreza com dignidade e até, de vez quando, com bom humor. Há momentos ainda, de loucura extremada, em que enfrentamos a pobreza inclusive com entusiasmo!

Manuel Castells, em "A galáxia da internet", diz que a internet é criação de agências estatais norte-americanas. Havia verba abundante para pesquisa sem exigência de nenhuma contra-partida. As universidades e agências que inventaram a internet não tiveram que se associar a nenhuma empresa privada nem se preocupavam em formar executivos para o setor privado. As pesquisas floresceram à sombra, sob a atmosfera libertária e artística da Califórnia. Minha tese, portanto, é que a internet se desenvolveu tão rápido por conta da necessidade social de se criar uma ferramenta de liberdade para os cidadãos pensarem com suas próprias cabeças, se informarem num universo infinitamente mais variado de fontes, e divulgarem suas opiniões, implicâncias, taras e idéias de uma forma fácil, gratuita e democrática. A internet nos libertará da ditadura midiática vivida pela humanidade desde que a criação do Estado moderno, democrático, obrigou o Leviatã a fugir de seu castelo medieval e refugiar-se nas salas de redação.

Mas voltando à palestra do Otávio Barros, ele ficou quase constrangido ao mostrar os dados econômicos dos últimos 10 anos. As melhoras são tão evidentes, tão... brutais, em todos os campos econômicos e sociais (dívida pública, desemprego, salários, PIB, balança comercial, comércio, tudo), que ele sentiu-se obrigado a passar muito rapidamente por alguns gráficos, além de afirmar orgulhosamente sua admiração pelo governo colombiano. Depois da palestra, composta na maior parte por empresários conservadores, eu escutei frases meio esquizóides no hall do hotel onde a convenção ocorria: "de fato, o Brasil está bem, MAS NÃO É POR CAUSA DO LULA NÃO". Um ou outro, porém, observava, discretamente, que Lula estava fazendo sim um bom governo. Enfim, a muralha partidária e ideológica erguida pela imprensa para manter, ao menos o empresariado e a classe média, distantes do charme lulista, começa a apresentar fissuras. Não é a tôa que as pesquisas mostram a popularidade de Lula crescendo em TODAS AS CLASSES SOCIAIS. Entre o povo, Lula é rei; a novidade é o crescimento, rápido, da popularidade de Lula junto aos mais ricos e mais escolarizados - para desespero da imprensa conectada ao PSDB.

Bem, é isso, ou como diz um comentarista famoso na blogosfera: Inté!

26 de maio de 2009

O terceiro mandato de Lula e o intrometido interessado

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Por João Villaverde

A história de permitir um terceiro mandato ao presidente Lula vem causando bafafá, como era de se esperar, é claro, em todo o meio político-midiático. Existem dois grupos de parlamentares que giram em torno de duas propostas acerca disso:

1) O primeiro grupo segue a proposta que prevê a possibilidade de um terceiro mandato, tornando constitucional uma terceira candidatura de Lula à presidência, nas eleições de 2010.

2) O segundo grupo defende a prorrogação por mais dois anos dos atuais mandatos de presidente, governadores, deputados e senadores.

Sobre isso, o ministro presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes disse o seguinte:

"Acho extremamente difícil fazer essa compatibilização com o princípio republicano. As duas medidas têm muitas características de casuísmo e, por isso, vejo que elas dificilmente serão referendadas ou ratificadas pelo STF."

Ou seja, Mendes diz que a primeira proposta é incompatível com o princípio republicano, e a segunda é casuística. E já adianta: elas dificilmente serão referendadas pelo Supremo.

Legal que nada disso foi problema em 1997, quando o Congresso de então aprovou a medida que alterava a Constituição e autorizava o então presidente Fernando Henrique Cardoso à disputar um segundo mandato. Até aquele ano aquilo era proibido - portanto, era incompatível com o princípio republicano - e a emenda também foi casuística, uma vez que todos os governadores e prefeitos no poder adoraram a nova ideia e, por isso, apoiaram.

Meu médico receitou exercitar a memória porque assim retardo o envelhecimento cerebral e ajudo na agilidade do pensamento. Então, e apenas por isso, gostaria de lembrá-los do seguinte: no governo FHC, o advogado-geral da União era Gilmar Mendes. No apagar das luzes (não confundir com o apagão de 2001) do governo FHC, em 2002, Gilmar Mendes foi escolhido para ser ministro do STF.

Mas isso é coincidência, evidentemente.

Como magistrado experiente, ministro do Supremo a sete anos, Gilmar Mendes deveria saber que ele pode ter a opinião que quiser sobre o que for, mas deve se pronunciar apenas nos autos - ao menos em assuntos que são de sua alçada jurídica. Ou seja, se ele quiser falar abertamente que acredita numa vitória do Vasco amanhã, ele está livre. Mas dar palpite sobre temas que, oportunamente, poderão recair em votação pelo plenário do STF, Gilmar Mendes está antecipando julgamento.

E antecipar voto em questões da República é algo altamente incompatível. Para não dizer casuístico.

23 de maio de 2009

O orgulho e a ira de Juliano Guilherme

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Medito sobre as telas de Juliano Guilherme e pergunto-me: qual o sentido, da arte, da vida? Qual é nossa função e destino nesse estranho universo, nesse paraíso devastado em que arrastamos artroses e paixões? Estudamos a história e as estrelas e temos a sensação de cavarmos uma grande cratera que não dá em lugar nenhum. Prosseguimos, no entanto, nos embriagando de ambição, orgulho, amor! Mais vale a paciência que o heroísmo, diz um provérbio do Velho Testamento, mas há momentos em que é preciso uma paciência heróica para escutar as vozes da alma. Elas sussurram tão baixo que mal se escuta. Em outras ocasiões, contudo, berram tão alto que nos sangram os tímpanos.

As pinturas de Juliano me remetem a questões muito antigas. Transporto-me para a bela Cartago, pouco antes de sua destruição, e contemplo as lindas estátuas e os magníficos murais; escuto os poetas declamando epopéias que se perderão para sempre na poeira das armas. Suas telas ofertam cores fortes e doloridas, como o riso possante e hipócrita de um louco. Não estamos numa sala de jantar, onde as pessoas são obrigadas a nascer e a morrer; ou estamos numa sala de jantar, mortos, e vivos, alternadamente, felizes, nervosos, como alguém prestes a confessar um amor violento e impossível. Qual o sentido, carajo? Por que, enfim, Deus teria nos expulsado do Paraíso se nós, obviamente, nunca desejamos aquela vida fácil, aquela vida chata?

Algum blasfemo valentão teria coragem de afirmar que entre Adão e Eva existe um Deus vaidoso e autoritário, que não pretendia deixá-los desfrutar o melhor de tudo: as delícias e angústias do conhecimento? Talvez seja isso, o desejo (inconsciente) de confrontar Deus, o fundamento metafísico da obra de Juliano. Ou melhor, confrontar uma força ainda maior que Deus: a mediocridade, que se esconde sob trajes pós-modernos, e publica cartinhas retrógradas no jornal. Ali, em suas pinturas, as formas se debatem, entre o clássico e o futuro; feridas e cores sanguinolentas esparramadas no chão do Paraíso, no que achávamos ser o Paraíso, mas que não passa de um horizonte sem sol ou estrelas – apenas uma linha tênue, triste, entre a loucura e a glória.

A solidão, enfim, e as lasanhas congeladas. Os personagens de Juliano nos encaram com cinismo e indiferença, como ursos selvagens. Desgraçados, sem esperança de remissão, mas que não bocejam. São brasileiros, somos brasileiros, frequentando os botequins que salvaremos da falência, com nosso entusiasmo, nossa ira, nossa corrupção, nossa morte! A arte de Juliano Guilherme, amoral e suja, romântica e erudita, nos fala, portanto, de civilizações maduras e livres, como no poema de Anacreonte: “mostrarei que um velho, em meio à sociedade, sabe beber e delirar, cheio de graça!”

Abaixo, um fác-símilie do flyer impresso que está sendo distribuído no Rio.

Quantas Vales valem um urubu?

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(Fác-símile da página 28 do jornal O Globo, edição de sábado, dia 23 de maio de 2009. Clique na imagem para ampliar).

Se a matéria acima, intitulada "Lula se diz surpreso", não estivesse posicionada ao lado e abaixo da coluna de Miriam Leitão (reproduzida ao final do post), que nesta edição desce às raias do mais absoluto histerismo oposicionista, num texto incrivelmente transbordante de ódio, rancor, pessimismo, medo, a matéria, ia dizendo, poderia representar uma grave denúncia à Vale. Se não tivesse sido privatizada, a Vale poderia estar ampliando investimentos no Brasil e não reduzindo, como está fazendo. É absurdo que a Vale, como sugere Lula, não invista em siderúrgicas que permitam ao Brasil vender o minério já industrializado, e não somente a matéria-prima bruta, como estamos fazendo, entregando nossos recursos naturais a 60 dólares a tonelada, ou seja, nos deixando colonizar, alegremente, pela China! E sem que os chineses sequer houvessem pedido tal generosidade. A China já é o segundo maior PIB do planeta, deverá ser o primeiro em dez ou quinze anos, vem crescendo a 15% ao ano, tem um superávit comercial enorme com o Brasil e com o resto do mundo, e não precisa, definitivamente, deste nosso nobre ato de generosidade. Ao contrário, o Brasil é, geopoliticamente, um aliado estratégico da China, e portanto é do interesse chinês que o Brasil se torne uma potência econômica, um país mais desenvolvido industrialmente, para que continuemos adquirindo os produtos tecnológicos chineses. A economia chinesa não precisa comprar minério de ferro bruto; contentar-se-ia a importar o produto já industrializado, transformado em aço e outros metais.

Sim, porque por mais que Lula seja um estadista genial, quem move as rodas da fortuna são empresas privadas. A Vale, quando anuncia corte de investimentos, sinaliza que não acredita no Brasil; e tal decisão produz um efeito cascata negativo em todo o setor de transformação nacional, um dos empregadores mais importantes do país e segmento vital para nossa soberania e desenvolvimento.

Se empresas do mundo inteiro estão ampliando investimentos no Brasil, mesmo agora, com esta crise, porque a Vale, empresa cujos lucros cresceram de forma exorbitante nos últimos anos, não faz o mesmo? Porque a Vale quer sabotar o Brasil? Será que a Vale estaria comprometida com interesses mesquinhos? Será que os acionistas da Vale estão de olho em lucro rápido e fácil às custas de adiar o nosso desenvolvimento?

É triste que nossos colunistas econômicos e políticos se abstenham covardemente de dar sua opinião sobre o fato do Brasil vender o minérios em estado bruto, em vez de fazer como sempre fizeram os países detentores de jazidas semelhantes, como Alemanha, França e Inglaterra, que é fomentar a consolidação de uma poderosa indústria nacional de siderurgia. O Brasil já tem um bom parque siderúrgico, mas insuficiente; precisaria ampliá-lo enormemente para dar conta do crescimento da demanda mundial. Um dos motivos mais relevantes das duas grandes guerras foi a posse das grandes jazidas de ferro do continente europeu (Alsácia Lorena, nos limites entre a França e a Alemanha) e nas colônias (na África, sobretudo).

Eduardo Galeano, em Veias Abertas da América Latina, defende a tese de que a disputa em torno das jazidas de minério de ferro está no fundo das principais crises políticas brasileiras do século XX. Segundo ele, os generais aplicaram o golpe militar com dinheiro e apoio político de mineradoras americanas (da gigante Hanna, principalmente), e informa que um dos primeiros atos do governo Castelo Branco foi liberar graciosamente a exploração das colossais jazidas de Minas Gerais à exploração estrangeira. A venda de bilhões de toneladas de ferro, porém, não ajudou o estado de Minas, que assistiu nascer, no entorno das regiões mineiras, um estarrecedor cinturão de miséria e violência social.

Meus estudos estatíticos revelaram-me um número alarmante: considerando apenas o volume, ou seja, apenas a quantidade de contêineres exportados, o minério bruto corresponde hoje a 60% das exportações brasileiras. É um dado preocupante, e o presidente tem expressado e denunciado isso constantemente. Miriam Leitão, no entanto, prefere dar piti sobre insignificâncias diplomáticas, como o fato da Primeira Dama ter tido que improvisar, na última hora, um véu, em sua viagem à Arábia Saudita - ela prefere isso a analisar os dilemas e os problemas que precisamos enfrentar para continuarmos aprofundando o movimento de redução das desigualdades sociais. Ah, bom, esqueci, Dona PIG não está interessada em reduzir as desigualdades sociais, um discurso para ela, no mínimo, cafona, e, no máximo, "petralha". Miriam PIG está interessada somente nos balanços de médio prazo da Vale, onde ela tem ações, e, para ser politicamente correta, nos macaquinhos da Amazônia.

A histeria da Miriam em sua coluna de hoje reflete a explosão de bílis provocada pelos números positivos do comércio exterior, mercado de trabalho e, por fim, distribuição de renda, em PLENA CRISE ECONONÔMICA! O IPEA divulgou que a migração de pobres para a classe média registrou um saldo de 130 mil famílias de outubro pra cá. Não é por outra razão que o Brasil é um dos unicos países do mundo que está atraindo grandes somas de investimentos internacionais, EM PLENA CRISE ECONÔMICA.

O presidente Lula ganhou um prêmio da Unesco, este mês, que o torna forte favorito ao Prêmio Nobel da Paz. O anúncio será feito em dezembro. A oposição política, e sobretudo a Miriam Leitão, encontram-se num dilema grotesco: amarraram sua credibilidade na degradação da economia nacional; em função de previsões sistemáticas de cataclismas econômicos, vociferados com ares de dogma, a senhora PIG tornou-se uma espécie de horripilante Medusa, uma daquelas pedras no caminho de que falava Drummond.

Se tiver estômago forte, leia a coluna da Miriam, nos fác-símiles abaixo ou nesse link do urublog. Eu mesmo confesso que não li e não lerei o texto inteiro. Li apenas os primeiros parágrafos. Mas queria deixar esse texto registrado para a posteridade, como exemplo de colunismo rancoroso e golpista. 

Parte 1



Parte 2

ABI dá um pito na Folha de São Paulo

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Colo acima o fác-símile do editorial da edição de maio de 2009 do Jornal da ABI (Associação Brasileira de Imprensa). Clique na imagem para ampliar.


Anotações dispersas sobre a imprensa

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(Aí o flyer da exposição do Juliano Guilherme. Clique na imagem para ampliar. )


Aos fatos: pesquisa do Vox Populi, realizada na primeira semana de maio, estimou a aprovação positiva de Lula em 87%, contra 84% ao final de 2008. Certamente, haverá aqueles que duvidam da veracidade destes números. Em 2006, poucas semanas antes das eleições presidenciais, testemunhei uma cena curiosa, protagonizada por uma senhora notoriamente envenenada pela leitura de jornais, ou, para ser mais específico, pela leitura do jornal O Globo, já que este é atualmente o único jornal carioca voltado para a classe média. Ela afirmou que as pesquisas de intenção de voto, que apontavam vitória esmagadora de Lula sobre Geraldo Alckmin, eram manipuladas. Estranhei, naturalmente, aquela asserção, já que temos no Brasil diversas instituições de pesquisa cuja competência tem sido comprovada nos resultados eleitorais, e, no caso das pesquisas por ela mencionadas, havia quase um consenso de todas. Ela julgava que o governo tivesse comprado as pesquisas, e eu, por educação, até lhe concedi a verossimilhança de tal hipótese. Mas acreditar que TODAS as instituições de pesquisa eram compradas? Datafolha, Voxpopuli, Ibope - todas compradas? Esta senhora era uma professora com diversos doutorados e realmente chocou-me que ela aventasse uma teoria tão estapafúrdica e paranóica. Ela, no entanto, tinha outra crença ainda mais surpreendente: a de que as organizações Globo apoiavam Lula. Mas também compreendi logo: a fé que parte da classe média carioca deposita no poder global é tão imensa, que ela não concebe que um político possa manter a popularidade e ganhar eleições sem o apoio da famiglia Marinho.

Lembro esse episódio pela seguinte razão: a pesquisa do Vox Populi, divulgada ontem, apontando uma popularidade de 87% para o presidente Lula está em linha com diversas medições realizadas por outros institutos, como o Datafolha e o Ibope. Não é por outra razão que Obama afirmou, recentemente, que Lula seria o governante mais popular do planeta. Afinal, marcar uma popularidade de 87% no sétimo ano de mandato é um feito inédito na história da democracia.

Mas os números do Vox Populi trazem um outro dado ainda mais estarrecedor para a oposição política ao governo Lula. O governador de São Paulo, José Serra, o postulante mais bem posicionado nas pesquisas de intenção de voto para 2010, perdeu fôlego eleitoral e assistiu o seu capital murchar de 46% para 36%; e Dilma Roussef, a candidata preferida do presidente Lula, observou um salto nas pesquisas, de 9% para 19%, revelando que os brasileiros já começam a perceber que ela é a candidata que representa a permanência dos projetos de Lula.

Não vou me estender mais sobre a pesquisa, cuja íntegra pode ser examinada aqui, mas gostaria de tecer alguns comentários sobre as razões da popularidade de Lula, de um lado, e o preconceito que ainda persiste, em outro.

Em primeiro lugar, eu tenho notado que a mídia ampliou a chantagem exercida sobre a sociedade brasileira. Aliás, essa é uma característica das democracias ocidentais, já comentada por Spengler, no clássico A Decadência do Ocidente. Ao final do livro, o historiador alemão já percebia, no início do século XX, que a imprensa tornara-se o grande trunfo em mãos dos espíritos antidemocráticos; com um pessimismo terrível, ele afirma que os cidadãos iriam deixar de pensar com suas próprias cabeças para seguir, obedientemente, as ordens deste novo Júlio César; deixar-se-iam manipular diariamente pelos meios de comunicação. Não seria mais necessário que ditadores os obrigassem, com leis severas e ameaças de tortura e morte, a defenderem tal ou qual guerra; iriam por conta própria, alegremente, após lerem dois ou três artigos no jornal.

É engraçado cotejar uma opinião dessas com tantas outras, ventiladas frequentemente pela imprensa privada, de que ela seria fundamental para o funcionamento da democracia.

Eu entendo, porém, que a imprensa teria funções importantes para o sistema democrático, que seriam: trazer informação e exercer a crítica; ocorre que ela não pratica nenhuma nem outra. No afã de defender suas posições ideológicas, não informa corretamente; e sua crítica peca pela parcialidade, pela leviandade, pela incompetência intelectual. Crítica é um termo oriundo do vocábulo grego Krités, que significava justiça.

Neste ponto, haverá sempre aqueles para os quais uma imprensa chapa-branca significaria um problema muito pior do que uma crítica injusta. Jornalista tem que ser oposição, dizem. Tem que criticar. Ora, esse argumento semelha conselho para que jogadores de futebol não se preocupem em vencer o adversário, mas simplesmente em fazer o gol. É claro que o jornalista deve sempre criticar. Mas tem que criticar a todos, não somente ao governo; tem que criticar a si mesmo, sua função e seu objetivo. E fazer crítica não é falar mal, mas analisar criteriosamente os assuntos, levantando aspectos positivos e negativos, e fazê-lo com justiça.

É infantil e, em algumas circunstâncias, safado, acreditar que o destino da imprensa é fazer oposição ao governo. Seu destino e função é aproximar o cidadão da verdade; torná-lo mais informado, mais culto, crítico. É uma missão simples, a da imprensa: dizer a verdade. Seria pernóstico e irritante se tentássemos complicar este conceito.

No entanto, sem querer complicar, é necessário que essa afirmação seja, no mínimo, dignificada por considerações filosóficas e políticas. Não quero ser ingênuo; entendo que a imprensa, em vários aspectos, não passa de agente servil de interesses publicitários. Mas ela, a si mesma, dá-se ares de pilar da democracia e tanta gente parece acreditar nisso que eu, mais uma vez por educação e prudência, concedo e dou crédito. Dou tanto crédito que ouso ir mais longe. Pode-se afirmar que a imprensa participa ativamente do esforço do homem moderno por uma visão de mundo mais universal, mais verdadeira, mais interessante, que lhe permita ampliar a sua liberdade interior e exterior, ser feliz, e tornar-se apto para consumir e produzir as obras de arte.

Ao conceder, todavia, tal importância à imprensa, exige-se-lhe igualmente uma responsabilidade maior. A imprensa necessita, portanto, de uma nova ética; o que em outros termos significa que precisa de novas leis, que lhe injetem ânimo e credibilidade. A crise da imprensa não se limita a questões tecnológicas e financeiras. Minhas desconfiança em relação ao Globo, por exemplo, origina-se em problemas muito mais graves do que simplesmente uma linha editorial conservadora. Aponto apenas um: a falta de transparência da seção de cartas. Por que eles publicam tais ou quais cartas e não outras? Quantas cartas o Globo recebeu sobre isso e aquilo? No site, rolam enquetes constantemente, e acho isso uma excelente iniciativa, mas as mesmas deveriam também ser geridas, por uma questão de princípios e bom senso, por entidades externas, idôneas, que atuariam como auditoras independentes da relação do público com as empresas.

A imprensa precisa, antes de tudo, formular uma concepção consistente, equilibrada e moderna, de si mesma. Qual a sua função? Qual o seu escopo? Qual o seu significado? Qual o papel que lhe cabe, no Brasil, neste momento histórico? Em sua Introdução à História da Filosofia, Hegel explica que "tudo que somos, somo-lo por obra da história". O espírito da verdade não envelhece ou se corrompe, mas os raios de sol que se refletem em suas janelas mudam de cor ao longo dos anos, mudanças que o entendimento, para ampliar seu domínio sobre a verdade, deve acompanhar. A imprensa brasileira deveria lembrar do lema do oráculo de Delfos e buscar conhecer melhor a si mesma, abrigando em suas páginas reflexões corajosas e independentes sobre seus próprios dilemas. No mesmo livro, Hegel observa que "o patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence, não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes". Para entender o papel histórico que lhe cabe hoje, nossa imprensa precisa explicar, para seus leitores e para si mesma, porque agiu como agiu durante a ditadura.

O destino dos povos é o destino de seu pensamento. Para isso, cumpre contemplar o presente usando a experiência do passado. Porque, se o passado é uma abstração, e o presente a realidade orgânica do mundo, é o passado que abriga o espírito e lhe concede espaço para se expandir, visto que o presente é um instante fugaz, desprovido de memória ou espaço, e o futuro, bem, o futuro é um absurdo, um não-ser, a sombra de um desejo vago e indeciso.

E o pensamento se realiza nos debates públicos, sem que as pessoas sequer tenham consciência de que, a cada vez que postam um comentário num blog ou mandam uma cartinha para o jornal, elas aplicam um pouco de massa neste grande bolo metafísico da sociedade. Estão em jogo a moral, a liberdade, a ciência. A imprensa participa desse debate; de forma que é lamentável que ela sabote a si mesma e evite o confronto inevitável com seus próprios erros, com sua própria realidade. O episódio da ditabranda - que acaba de ganhar mais um artigo furibundo contra a Folha de São Paulo, o editorial da última edição do Jornal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI),- revelou o abismo espiritual em que mergulharam muitos jornalistas e donos de jornais.

22 de maio de 2009

Carta Aberta ao Prefeito do Rio de Janeiro

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(Foto que dispensa maiores explicações. Ã? Não conhece? É a Candelária!)


Estou dando um apoio à Associação dos Trabalhadores Informais dos Arcos da Lapa, a Atial, e escrevi uma carta ao prefeito, pedindo um tratamento mais humano aos ambulantes. Eu tenho um carinho muito grande pelos ambulantes do bairro, porque moro aqui há dez anos e acompanhei a trajetória desses trabalhadores, que têm sido os principais responsáveis pela vitalização da Lapa e, contraditoriamente, as suas maiores vítimas.

Há pouco tempo, escrevi já dois artigos sobre a Lapa, sempre tentando defender o ambulante da brutalidade das autoridades municipais. Confiram aqui e aqui. Parece até piada, mas isso também é culpa do Globo, que mantém uma campanha histórica contra os camelôs, e os prefeitos, quando querem cair nas graças da medusa platinada, mandam seus guardinhas sentarem o cacete nos trabalhadores informais.

Abaixo a carta ao prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB).



Minha Saudosa Maloca ou A importância dos ambulantes da Lapa

Por Miguel do Rosário

Os vendedores ambulantes da Lapa constituem a essência espiritual e o coração da nova Lapa e pagará muito caro o governante que não enxergar isso. Há poucos anos, a Lapa era mais um bairro decadente e esvaziado do centro antigo da cidade. Vítima histórica de políticas extremamente agressivas de remoção de casas, a Lapa era conhecida pela jovem boemia carioca apenas por abrigar o Circo Voador, ponto de encontro dos amantes do rock and roll.

Tudo começou na rua Joaquim Silva, local que, desde que começou a ser ocupado por ambulantes organizados sob a Associação dos Trabalhadores Informais dos Arcos da Lapa, a ATIAL, tornou-se seguro e animado. É importante que o prefeito do Rio de Janeiro entenda que a Lapa não é um bairro boêmio como outro qualquer. A Lapa é um consenso ideológico, onde as diferentes classes sociais e as diferentes zonas da cidade esquecem as suas diferenças e comungam em união. A Lapa é um momento de igualdade e democracia. Proibir os ambulantes será um intolerável ato de violência, entendido como tentativa das classes abastadas e das zonas ricas em discriminar as suas primas menos privilegiadas, e será, certamente, o início do fim da Lapa, a semente de violência e conflito social que, felizmente, ainda inexiste no bairro.

A presença dos ambulantes na Lapa remonta há séculos. Há pouco tempo, o colunista do Globo, Ancelmo Góes, reproduziu foto de cem anos atrás, onde se vê a presença maciça de barraquinhas.

A função social dos ambulantes é outro ponto que não pode ser esquecido pelo prefeito. Ser ambulante na Lapa não é o sonho dourado de ninguém, mas é a esperança de todos, porque todos vêem o trabalho de ambulante como último recurso para a sobrevivência e autonomia financeira. Tirar essa esperança representará um golpe no espírito do carioca, do morador da Lapa e adjacências, significando um grave retrocesso, além de uma medida contraproducente em termos de combate à segurança pública.

É preciso entender que entre os limites éticos que separam os indivíduos em precária situação financeira (e estes, infelizmente, sempre existirão, já que este é o preço da liberdade cobrado pelo capitalismo) do mundo do crime é a esperança de sempre poder ganhar algum dinheiro no setor informal.

Entretanto, se o prefeito não concordar com estes preceitos sócio-econômicos, deverá atentar então para outro fator, já abordado no início do texto, que se refere à função cultural do ambulante da Lapa. Como na emocionante canção de Adoniran Barbosa, os ambulantes construíram na Lapa a sua maloca, "a mais linda que eu já vi". Nesta maloca formou-se o espírito da nova Lapa, essa alegria de rua, inocente, profana e democrática, que atrai gente do mundo inteiro. Houve épocas, entre 1999 e 2003, mais ou menos, antes das autoridades iniciarem verdadeiras operações de sabotagem econômica na Joaquim Silva, que a rua atraía mais de cinco mil pessoas e reunia dezenas de pontos espontâneos de cultural. Não eram pontos patrocinados por órgãos governamentais e por isso mesmo eram muito mais autênticos e vibrantes. Foram brutalizados pelo poder público.

Mas a Joaquim Silva e adjacências, como sempre, renasceu, e hoje novamente reúne milhares de pessoas de todos os pontos da cidade. A grande maioria que não tem poder aquisitivo para frequentar os bares moderninhos recém-inaugurados na Mem de Sá, mas que formam o conjunto humano que eletriza a Lapa quase todas as noites. A riqueza da Lapa reside nas pessoas, nos jovens e velhos de todas as cores e faixas de renda que perambulam pelas ruazinhas históricas do bairro. Aliás, o conceito de perambular é outra marca fundamental da Lapa. As pessoas gostam de se deslocar de uma área à outra, e por isso os ambulantes são tão importantes, porque eles provêm os trajetos, os espaços vazios, com seus serviços e produtos: charutos, cervejas, vinho, refrigerantes, alimentos, cachorros-quente, pizzas, doces. Os turistas, particularmente, se apaixonam por essa miríade de ambulantes, onde eles podem consumir sem se prender à um lugar, podendo continuar a passear e a contemplar a paisagem humana do bairro.

Essas são apenas algumas das razões pelas quais acreditamos que os ambulantes são parte integrante do bairro da Lapa, e que retirá-los constituiria uma violência que só beneficiaria os delinquentes e os violentos. As famílias pacíficas que trabalham no comércio ambulante da Lapa, em caso de proibição, seriam substituídas por indivíduos mais violentos e transgressores, que venderiam seus produtos da mesma forma, entrando em conflito com as autoridades e desvirginando a atmosfera de paz social que hoje vigora na Lapa.

Contamos com a compreensão do prefeito para manter as coisas como estão, e não contribuir para que o bairro se degrade novamente, ou que deixe de ser um lugar especial, trazendo prejuízo aos centenas de donos de bar que lá investiram todas as suas economias.

Lembrando novamente a música de Adoniran, os ambulantes esperam ver sua "maloca legalizada, que ninguém pode demolir", um ponto de esperança, união, democracia social e paz no já tão sofrido e esquartejado município do Rio de Janeiro.

Cordialmente,
Miguel do Rosário

21 de maio de 2009

Convite

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Caros,

Os leitores deste espaço - especialmente os residentes em São Paulo - estão mais do que convidados a comparecer ao debate que se realizará na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de SP na próxima segunda-feira à noite.

O que:
Crise Econômica e o acompanhamento da mídia

Quem:
Luis Nassif, jornalista, titular do blog Luis Nassif Online
Antônio Corrêa de Lacerda, economista, professor-doutor do Departamento de Economia da PUC-SP, conselheiro da Sobeet (Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização)
Paulo Totti, jornalista, repórter especial do jornal Valor Econômico

Mediadores:
Hamilton Octávio de Souza, chefe do Departamento de Jornalismo da PUC-SP
João Villaverde, estudante de Jornalismo pela PUC-SP, membro do Centro Acadêmico Benevides Paixão, e colaborador deste Óleo do Diabo.

Quando:
Segunda-feira, 25 de maio, das 19hrs às 23hrs

Onde:
Auditório - Sala 239 - Prédio Novo da PUC-SP, entre as ruas Ministro de Godoy e Monte Alegre

O debate é aberto a todos - não é preciso pagar ou se inscrever - basta encontrar o auditório.

CPI da Petrobrás unifica a esquerda brasileira

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(Fotos da manifestação realizada em frente à Petrobrás, contra a CPI que o PSDB criou para prejudicar a imagem da empresa e preparar terreno para a sua privatização. A autoria é minha)


Estive no ato em defesa da Petrobrás, realizado diante da sede da mesma, na Avenida Chile, no centro do Rio. O local fica a cem passos da minha casa. Escutei os discursos inflamados de lideranças sindicais e estudantis, oriundos da esquerda e da ultraesquerda, ou seja, aliados e opositores ao governo Lula.

Os conceitos mais repetidos pelos oradores foram os seguintes:

1) Trata-se de mais uma ofensiva da direita, e a esquerda precisa enfrentá-la unida. Um diretor da Intersindical, entidade que faz oposição à CUT, afirmou que a oposição de esquerda ao governo Lula não pode "surfar" na onda desta CPI proposta pelas forças conservadoras. Um rapaz do movimento estudantil, de uma ala oposicionista à atual direção da UNE, fez observação semelhante. A palavra de ordem de todos era: união em prol da soberania nacional, representada pela Petrobrás. Deixou-se de lado a tradicional divisão e rivalidade das esquerdas, suas históricas trocas de acusações, para atacar um adversário comum: a direita, identificada muito claramente no PSDB e DEM.

2) Acusou-se fortemente o PSDB. Se em algum momento, o PSDB evitou ser taxado de conservador e direitista, pode agora abandonar de vez essa ilusão. Esta CPI trouxe à baila memórias e informações sobre as tentativas tucanas de privatizar a Petrobrás.

3) As forças de esquerda se recusam, porém, a exercer somente o papel defensivo, e querem usar as mobilizações para passar também à ofensiva, em prol de novas leis do petróleo, que reforcem a soberania popular sobre o recurso e ampliem a presença do Estado no setor.

4) Em muitos discursos, lembrou-se a história das lutas para a criação da Petrobrás. A criação da CPI foi entendida, portanto, como mais um capítulo na luta pela soberania.

5) A Petrobrás é identificada por todos como um patrimônio inalienável do povo brasileiro, símbolo de nossa liberdade econômica e de nossas esperanças de desenvolvimento.

*

Algumas observações minhas:

Esta crise econômica mostrou quem é quem. No período mais tenso da crise, quando a mídia noticiava com ênfase histérica que seus efeitos seriam terríveis para a economia brasileira, as duas primeiras big empresas brasileiras a anunciarem demissões em grande escala foram as ex-estatais Vale e Embraer, a primeira privatizada contra tudo e contra todos por Fernando Henrique, a segunda, pelo governo Itamar, quando o mesmo já era dominado pelas forças tucanas. As duas empresas, mesmo tendo registrado nos últimos anos, inclusive em 2008, seus melhores resultados em décadas, não hesitaram em produzir uma bomba de efeito moral sobre a opinião pública. As demissões da Vale e da Embraer não podiam ocorrer em pior momento e, seguramente, contribuíram para que outros empresários fizessem o mesmo, porque ajudaram a emsombrecer a já escura atmosfera que reinava nos meios econômicos, em função das notícias terríveis que chegavam diariamente pelas agências internacionais.

A Petrobrás fez o contrário. No auge da crise, anunciou que estaria antecipando e aumentando seus investimentos no Brasil, com volumes da ordem de centenas de bilhões de reais, e não cogitou em demitir sequer um faxineiro. A existência da Petrobrás, portanto, foi o pilar mais importante da economia brasileira contra a crise real e a crise psicológica que se abateram sobre o país nos últimos meses.

As pessoas que defendem a privatização da Petrobrás, alegando que o monopólio é nocivo ao consumidor brasileiro, não sabem, ou omitem, que todos os países que são produtores de petróleo exercem monopólio estatal, parcial ou total, da exploração do recurso: Noruega, Rússia, Arábia Saudita, Irã, Venezuela. A Argentina, que privatizou sua companhia de petróleo, experimentou um retrocesso econômico de quase duzentos anos, e hoje só se mantém segura graças ao Brasil, responsável por quase metade do comércio exterior argentino.

A exploração de petróleo na costa brasileira deverá ser realizada, obrigatoriamente, por empresa estatal, seja a Petrobrás, que apesar de controlada pelo governo, é mista, com forte participação de acionistas estrangeiros; seja uma nova companhia 100% estatal, uma petrosal, porque as jazidas se encontram muito distantes da costa e uma empresa estrangeira poderia facilmente contrabandear o produto para outros países sem que sequer tomássemos conhecimento.

Tanto Adam Smith, pai do liberalismo econômico moderno, como Karl Marx, o gênio do Milênio, segundo pesquisa mundial realizada pela BBC de Londres, em 1999, concordam que a riqueza das nações não deve ser medida pela quantidade de ouro entesourado pelo Estado ou pelas empresas, e sim pelo dinamismo de suas indústrias; e os recursos naturais apenas são vantajosos quando existem empresas nacionais com tecnologia e conhecimentos para explorá-los e beneficiá-los.

A função da Petrobrás nunca foi apenas a de explorar petróleo, mas também, e talvez primordialmente, de beneficiar o produto, distribui-lo igualitariamente para todas as regiões, e proporcionar uma sólida segurança energética a um país que, por sua extensão continental, depende profundamente de gasolina e óleo diesel.

Desemprego cai em abril

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(Sobrados do centro do rio, nas imediações da Cruz Vermelha)


Fucei as estatísticas do IBGE, atualizadas com dados de abril de 2009, sobre o desemprego no Brasil, e elaborei uma tabelinha de fácil compreensão. Esses números, como vocês podem imaginar, explodiram como bombas radioativas nos computadores da equipe da Miriam Pig, que agora tenta minimizar seus efeitos, dizendo que, apesar de positivos, os números têm um "viés de baixa". Vai ser urubu assim junto às messalinas!

Ah, notícia importante dos bastidores do jornalismo tupi: Miriam Leitão cogita abandonar Globo para lançar um jornal próprio, que seria O Diário do Lixão de Magé. Os correspondentes seriam as milhares de aves pretas e bicudas que por lá transitam diariamente.



Sobre erros de português

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(Foto da rua do Resende, no quarteirão entre a ubaldino
do amaral e a mem de sá. Os lindos sobradões ainda resistem...)

Ás vezes eu passo noites inteiras corrigindo erros de português em posts recentes e antigos. Sou um apaixonado por gramática e sintaxe, desde a infância, e muito me dói a constância com que incorro em falhas crassas. Esse post, portanto, é uma mea culpa, uma confissão e uma jura de amor solene à língua portuguesa.

Mas não me confundam com esses fanáticos de meia tigela; esses que, onde vêem um erro, enxergam um desvio na instrução e no caráter. Nada é mais idiota do que isso. Em primeiro lugar, a língua tem vida própria e a bela flor do lácio só existe porque muitos cometeram tantos erros, e tão repetidamente, que o latim virou latim vulgar e o latim vulgar se tornou o português. A mesma coisa vale para todas as línguas.

Os erros populares, ou seja, o uso popular da língua, sempre, no frigir das omeletes, tornam-se a regra. Mas há, naturalmente, uma luta. Os eruditos, os poetas, os escritores lutam em prol da língua, não para evitar os influxos populares (pois isso é impossível, pois o poeta vive apenas uma existência breve, enquanto a vida do povo se estende por incontáveis gerações), mas para canalizar esses influxos da forma mais artística possível. A língua humana é sempre uma obra de arte coletiva.

Dito isto, peço-lhes que não se acanhem em apontar erros no meu texto. Prometo nunca me sentir ofendido.

Aviso aos assinantes de Manuskripto

(Rua Gomes Freire)


Prezados, desculpem pelo atraso. Estive doente - com problemas de coluna e tendinite - e tive que parar de trabalhar. Além disso, a revista enfrentou problemas de verba. Assim que estes problemas estiverem sanados, o envio da publicação será regularizado.

20 de maio de 2009

Assistam a uma prévia do vídeo de PeterCor sobre o petróleo

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19 de maio de 2009

Amarrando cavalos no obelisco

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(Pintura do meu amigo Juliano Guilherme, que está realizando
exposição individual na próxima terça-feira, dia 26 de maio, às 19:00,
na rua do resende 52, lapa. Todos os leitores estão convidados.
Será uma belíssima festa!)


Ontem assisti entrevista no Jô Soares com o deputado Sérgio Moraes, do PTB do Rio Grande do Sul, que me lembrou os belos versos de Martin Fierro, o clássico fundador da literatura argentina:

"No me hago al lao de la güeya
Aunque vengan degollando
Con los blandos yo soy blando
Y soy duro con los duros,
Y ninguno en un apuro
Me ha visto andar tutubiando"

E pensei em escrever um artigo. Aí o Eduardo Guimarães, rápido no gatilho, escreveu antes. Reproduzo o texto dele aqui para economizar algumas observações que eu iria fazer. Mas tenho otras cositas a dizer sobre esse assunto. Continuo depois da citação:

Lixando o Gordo

Por Eduardo Guimarães

Na madrugada de terça-feira desta semana, o programa do humorista Jô Soares recebeu o deputado pelo PTB gaúcho Sérgio Moraes, que foi atacado por todos os grandes jornais, revistas, tevês, rádios e portais de internet por ter dito a frase “Estou me lixando para a opinião pública”.

Jô Soares recebeu o combativo deputado federal gaúcho achando que estava recebendo o presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer, que poucos dias antes fora ridicularizado pelo apresentador ao tentar defender a Casa que preside dos ataques das “meninas” do Jô, conclave de balzaquianas que se reúne ali semanalmente para defender os interesses políticos de José Serra atacando seus inimigos políticos.

Moraes fez o Gordo terminar a entrevista rapidinho ao revelar que o programa dominical da Globo Fantástico escondeu do público votação em urna que o programa promoveu na cidade natal do deputado, cidade que inclusive já governou. O resultado da votação seria apresentado durante matéria que o Fantástico exibiu no último domingo sobre a frase “Estou me lixando...”.

Como o resultado da votação não foi o que a Globo esperava, pois o deputado teve apoio de 54% dos que votaram, e como o apoio dele em sua cidade se mantém inalterado, a emissora escondeu o resultado da enquete. E Moraes disse isso a um Jô desconcertado.

Além disso, o deputado explicou que uma repórter – que ele deu a entender que era da Globo – o ameaçou dizendo que, se ele não revisse sua posição, que ela achava favorável ao deputado pefelista dono daquele Castelo, a imprensa jogaria a opinião pública contra ele, ameaça que o impeliu a dar aquela resposta impensada que a imprensa transformou na notícia mais comentada da semana em todo país.

Como se não bastasse, Moraes ainda desmentiu os quatro processos judiciais que o Gordo dizia haver contra ele, afirmando que são – e que sempre foram – apenas dois.

Um dos processos a que responde o deputado é por ter determinado contratação sem concurso de dois médicos logo que assumiu o cargo de prefeito em sua cidade, medida que afirma que tomou por não haver médico no posto de saúde então. E o outro processo foi porque foram instalados telefones públicos em todos os armazéns de víveres da cidade e o pai do deputado era dono de armazém.

Sem ter como atacar mais o deputado, o Gordo encerrou a entrevista cerca de dez minutos depois de ela ter começado.


O Edu foi sucinto e objetivo, como sempre. Eu acrescentaria algumas coisas:

1) Nunca vi um entrevistador receber um político entrevistado com "uma ficha" do mesmo no Supremo Tribunal Federal. Ora, uma quantidade muito grande de políticos, inclusive Serra, FHC, e mais a torcida do Flamengo, tem processos no STF, não porque são bandidos, já que é preciso dar-lhes, por uma questão ética, a suposição de inocência, mas porque isso faz parte da luta política. Todo político tem seus adversários, e a troca de acusações entre adversários políticos é uma tradição oriunda dos primórdios da democracia ocidental. Repito: é muito estranho e agressivo um entrevistador receber um parlamentar com a sua ficha jurídica sobre a mesa; e ainda apontar-lhe processos inexistentes, como fez Jô. Desta vez, porém, o gordo quebrou a cara.

2) O deputado me impressionou. Eu não o conhecia e, por ocasião do sensacionalismo que fizeram a partir de sua frase, pensei que fosse um barnabé desastrado e ignorante do baixo clero. Enganei-me redondamente. Por isso lembrei dos versos do escritor José Hernandez, que relatam a história de um gaúcho perseguido, que desafia o mundo com suas rimas altivas e dolorosas. Moraes revelou-se um homem corajoso, articulado, proprietário daquele orgulho desesperado, quase trágico, mas admirável por sua nobreza e honestidade, que caracteriza o gaúcho. Entendi porque foi preciso que uma trupe de gaúchos saísse lá dos confins da fronteira, e amarrasse os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco, na capital federal, para dar um fim à odiosa oligarquia paulista e mineira que dominava a república velha. Moraes enfrentou Jô Sôares, enfrentou a platéia de Jô, enfrentou inclusive um covarde ataque da produção do programa, que interrompeu o deputado para exibir um vídeo manipulado com entrevistas feitas na rua sobre "o deputado que falou que se lixava para a opinião pública".

3) Conforme o próprio Jô deu a entender, o deputado tomou a iniciativa de entrar em contato com a produção do programa para pedir uma entrevista. Muito promissor. Há parlamentares procurando defender a sua honra.

4) O lado ruim da história é que Jô Soares mostrou que voltou de férias determinado a cumprir papel de verdugo. Não está aí para brincadeiras. O quadro "meninas do Jô", com jornalistas fortemente unidas em torno do projeto de amplificar e repercutir os ataques midiáticos diários ao governo Lula, com objetivo de desestabilizá-lo e abrir espaço à oposição, desenterrou, na falta de assunto, até o cadáver de Celso Daniel, mesmo depois da polícia de São Paulo, federação governada por adversários do PT, ter entendido que se tratou de crime comum. Morte de petista, é claro, é sempre misteriosa e cercada de circunstâncias sinistras. Já os tucanos, mesmo os assassinados (leia-se Abel Pereira), morrem sob o coro dos anjos.

5) Diariamente, mesmo em entrevistas com médicos, Jô dá um jeito de enfiar bordões partidários, a começar pelo mantra mais clichê da oposição sem discurso: mensalão. Um infectologista, entrevistado por causa da gripe suína, falava sobre a revolta da vacina, ocorrida no Rio no final do século XIX, quando milhares de cariocas se revoltaram contra as autoridades, que entravam nas casas para vacinar a população à força. Jô lembrou desse episódio, mas sem referir às versões históricas mais contemporâneas e esclarecidas, que revelaram o conflito social ao fundo daquela revolta, de uma população humilhada e insatisfeita com as maneiras brutais com que era tratada pelo governo. O médico aproveita para relatar que os cariocas, na época, revoltavam-se facilmente, fazendo protestos constantes, contra o aumento da passagem do bonde, elevação do custo de vida, etc. Jô cortou o homem para afirmar que era uma lástima que, atualmente, o carioca fosse tão anestesiado, e não protestasse mais, vide o exemplo do... mensalão. O médico ficou perplexo com o salto pirotécnico do gordo. Fiquei com vontade de entrar na televisão e lembrar ao gordo que, no Rio, ainda há muitos protestos, queimam-se ônibus, a cinelândia vê protestos diários (inclusive nesta quinta-feira 21, haverá um pelo monopólio do pré-sal). Queria observar-lhe que, naqueles tempos lembrados pelo médico, a população tinha o costume de se dirigir às redações dos jornais, destruir máquinas e surrar jornalistas identificados como aliados aos opressores do povo.

6) Compreendi uma coisa. A surra que a mídia aplica nos parlamentares revela quem são os covardes e indignos, que aceitam o látego midiático com submissão e doçura, e quem são os corajosos, que reagem a esta opressão e respondam com a dignidade e a altivez que devem à seu eleitorado e ao povo brasileiro. Não é apenas a ética a virtude em falta no Congresso Nacional. Falta igualmente a coragem. E por faltar, por ser raro, o seu valor aumenta sempre que aparece um parlamentar "cabra-macho".

7) A coragem não tem ideologia. De nada adianta, portanto, o sujeito ter um belo discurso social, ambiental, trabalhista e ético, se não possuir a virtude fundamental, a coragem.

8) A coragem é mais importante que a ética. Porque somente os honestos por uma questão de princípio e coragem é que valem alguma coisa. Muitos honestos o são apenas por medo de serem maus, por timidez em mostrar sua perversão; e isso sem contar a grande maioria de tartufos, os fingidos e artistas de sempre. Assim falava Zaratustra: "mas há também alguns para quem a virtude é um espasmo produzido pelas disciplinas (...) e outros que chamam virtude à preguiça de seu vício".

Vale citar mais um trecho do livro de Nietszche, novamente extraídos do capítulo intitulado Dos Virtuosos:

Que náuseas, quando lhes sai da boca a palavra virtude! E quando dizem: Sou justo, é num tom em que se percebe: Estou vingado! Querem despojar os seus inimigos com a sua virtude, e só se elevam para rebaixar os outros. E há outros ainda que apodrecem no seu pântano e que falam por entre o caniçado: Virtude é estar quieto no pântano.

Eles dizem: "Não mordemos a ninguém e afastamo-nos daquele que quer morder; e em todas as coisas somos da opinião que se nos dá".


9) Eu sou ateu. Acredito em Cristo, não em Deus. Um dia explico melhor isso. Mas adoro expressões religiosas. Tipo essa: Deus existe! Sim porque seguramente existem forças superiores a nós. Enquanto a Globo, Ali Kamel, Jô Soares, e a legião de escravos mentais que lhes hipotecam, obedientemente, as opiniões políticas, consideram-se muito fortes e inteligentes por estarem repetindo entre si suas meia-verdades e seus preconceitos, eles apenas perdem tempo, se alienam e se debilitam, como índios velhos e doentes dançando em volta da fogueira e fazendo uuuuu, sem coragem de enfrentar a floresta inteira que se mobiliza contra eles.


Desculpa aos índios por tê-los comparado a esses coiós, mas eu quis imaginar o seguinte cenário: muito antes da colonização portuguesa, uma tribo de índios covardes e decadentes, que há tempos matavam crianças e mulheres de uma longínqua região da Amazônia, está prestes a ser exterminada por um conglomerado de tribos guerreiras, que se aproximavam, camuflados na floresta.

10) O deputado explicou minuciosamente o contexto dentro do qual soltou a famigerada frase: "estou me lixando para a opinião pública". A repórter queria que o parlamentar julgasse outro deputado com base no que a imprensa iria dizer, e não nos laudos do processo. Entretanto, é óbvio que há um clima tenso no Congresso, entre jornalistas, identificados com uma oposição política obscura, agressiva, sem amarras institucionais e eleitorais, e os parlamentares, acuados pelo clima de chantagem e desestabilização gerado pelo sensacionalismo denuncista.

Tenho uma conhecida que trabalhou por mais de dez anos na editoria política de um jornalão do PIG, em Brasília. Ela contou-me que, de fato, muitos jornalistas vestiam a camisa da oposição, chegando ao cúmulo de, numa CPI, uma repórter ligar para senadores, para que eles comparecessem à uma reunião. Ou seja, valiam-se do privilégio de poder frequentar os salões e corredores do Congresso para interferir na vida política da nação.

A mídia agora tem acusado parlamentares suplentes de atuarem sem serem eleitos. Ora, eles não foram eleitos mas foram indicados pelos eleitos! Eles estão integrados ao sufrágio universal. A imprensa não. A imprensa não integra o sistema republicano, porque não é democrática, não responde às exigências éticas de todas as outras instituições republicanas. Por que um hospital, para dar um exemplo de uma instituição civil, deve obedecer a uma série de rígidos regulamentos e a imprensa, que tem poder de vida e morte sobre os cidadãos, que pode disseminar pânico, provocar crises políticas, derrubar governos, influenciar eleições, causar distúrbios na saúde, interferir na cultura e na educação da sociedade, por que a imprensa não responde às mesmas exigências?

11) Última observação. O deputado informou que, quando prefeito, foi escolhido o segundo melhor prefeito do Brasil, pelo presidente da República. Jô Soares ouviu com ar desconfiado, e perguntou à queima-roupa: "e quem era o presidente?" Ele respondeu: "Fernando Henrique", e o gordo adotou uma expressão confusa, de bunda enrugada.

Ato público no Rio em defesa da Petrobras, dia 21/05, Quinta-Feira

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(edifícios da Avenida Passos, no centro antigo do Rio)


A FUP (Federação Única dos Petroleiros) faz um chamado a todos que estiverem no Rio de Janeiro para uma um Ato público, por uma nova lei do petróleo e em defesa da Petrobrás.

Dia: quinta-feira, dia 21/05/2009

Local: Rio de Janeiro, passeata desde a Igreja da Candelária até a sede da Petrobrás na Av. Chile (Av. República do Chile, 65)

Hora: A concentração na Candelária será as 09:00horas

Dica: quem só puder comparecer no horário do almoço, não precisa deixar de participar. Vá direto para a sede, na Av. Chile.

Segue a nota da FUP:

Enquanto os tucanos querem parar a Petrobrás, multinacionais avançam sobre o pré-sal

A FUP e os sindicatos de petroleiros, junto com a CUT, UNE, MST, OAB/RJ e várias outras entidades dos movimentos sociais, realizam um grande ato público na próxima quinta-feira, 21, por uma nova legislação para o setor petróleo e em defesa da Petrobrás. A manifestação pretende reunir centenas de militantes no centro do Rio de Janeiro para uma passeata que sairá da Praça da Candelária, em direção ao edifício sede da Petrobrás, na Avenida Chile, onde os manifestantes farão um abraço simbólico do prédio. A concentração está prevista para ter início às 09 horas, na Candelária.

O ato público reforçará a urgência de uma nova legislação para garantir o controle estatal e social sobre as reservas brasileiras de petróleo e gás, além de defender a Petrobrás dos ataques tucanos contra a soberania nacional. Enquanto o PSDB arma uma CPI para desestabilizar a empresa que representa a maior fonte de investimentos do país, as multinacionais avançam sobre o pré-sal, intensificando os projetos exploratórios sobre a maior reserva petrolífera descoberta no mundo nos últimos anos.

Não por acaso, essa CPI armada pelo PSDB surge no momento em que o governo e a sociedade discutem mudanças na Lei do Petróleo, uma das piores heranças deixadas pelos tucanos. A descoberta do pré-sal trouxe à tona a urgência de novas regras para o setor, que foi totalmente desregulamentado nos anos 90, quando o PSDB entregou às multinacionais a exploração do nosso petróleo e gás. Os tucanos e demais setores conservadores da política nacional não querem que a Petrobrás nem o Estado brasileiro voltem a controlar esse patrimônio tão estratégico para o Brasil.

Os movimentos sociais estão mobilizados e não permitirão que a oposição atrase o desenvolvimento do país, tentando paralisar a Petrobrás ou impedindo mudanças na legislação do setor. Todos ao ato de quinta-feira, em defesa da soberania nacional! Parar a Petrobrás é parar o Brasil! Os brasileiros reagirão contra essa manobra antinacionalista dos tucanos!

18 de maio de 2009

Mais de 1,35 milhão de empregos gerados em abril

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Os dados do Cadastro Geral de Emprego (Caged), divulgados hoje pelo Ministério do Trabalho, mostram que o mercado de trabalho no Brasil está melhorando. Depois do susto causado pela crise, e amplificado pela histeria interessada da imprensa, as empresas voltaram a registrar grande volume de contratação.

Em abril deste ano, as empresas contrataram, formalmente, 1,35 milhão de pessoas. Este é o segundo maior volume de contratação em abril na série histórica do Caged, atrás somente de abril do ano passado, que foi um ano excepcionalmente bom.

A má notícia é que também houve um grande número de demissões em abril. Um total de 1,24 milhão de pessoas perderam seu emprego no mês, recorde na série histórica.

Consequentemente, o saldo de empregos em abril ficou em 105 mil empregos, o menor da série histórica, mas ao menos ficou positivo.

No acumulado de 12 meses até abril, os dados mostram situação semelhante: uma geração recorde de 16,2 milhões de empregos, mas uma demissão também recorde de 15,6 milhões, com um saldo, portanto, 651 mil empregos, representando uma queda drástica sobre o mesmo período do ano anterior, quando foram gerados 1,76 milhão de empregos (no saldo).

Os números permitem a seguinte leitura: a economia brasileira continua singrando mares revoltos, mas permanece seguindo em frente em alta velocidade. Perde tripulação pelo caminho, mas contrata outros nos portos por onde passa.

17 de maio de 2009

O pré-sal é nosso!

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(Belo edifício das imediações da praça Tiradentes, da época em que a arquitetura ainda era considerada uma arte)




(Atualização: O Eduardo Guimarães, responsável pelo blog Cidadania e presidente do Movimento dos Sem Mídia, pede para avisar que está organizando outra manifestação, desta vez em defesa do pré-sal e da Petrobrás. Acompanhem tudo diretamente no blog dele.)

Em sua carta testamento, Getúlio Vargas cita nominalmente a criação da Petrobrás como uma de suas batalhas mais duras contra a imprensa brasileira. Sim, contra a imprensa, porque foi aí que as forças entreguistas, aliadas ao capital estrangeiro, reuniram-se para saquear as riquezas nacionais:

Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma.


O suicídio de Vargas foi sua última e gloriosa ação em prol do povo brasileiro. Acossado diariamente pelos jornais, através de editoriais cada vez mais violentos, o presidente percebe que, apenas tirando a própria vida, conseguiria dar sentido e força às denúncias que pretendia fazer. O suicídio de Vargas cumpriu a missão de poderosa mídia difusora das informações contidas em sua carta final.

É preciso lembrar a vocês de que lado estavam os jornais na encarniçada disputa política em torno da criação ou não da Petrobrás? Lembro, mesmo assim. A imprensa - e o Globo destacava-se particularmente por seu americanismo subserviente, antipatriótico, corrupto e reacionário -, em quase sua totalidade, alinhava-se furiosamente contra a criação de uma empresa estatal para explorar petróleo no Brasil. Mesmo a Última Hora, tradicionalmente aliado à Vargas, talvez intimidado pelo clima de linchação da época, não tinha coragem para defender o presidente e suas plataformas; ao contrário, também lhe criticava; a diferença estava em que dava espaço para o governo se defender.

Debatendo com um blogueiro sobre a influência dos jornais na política nacional, ele veio com uma informação truncada (disse que um amigo historiador lhe dissera) de que os jornais, particularmente o Globo, não eram tão decisivos assim na formulação de políticas públicas. Não é verdade. Eu tenho o privilégio de morar perto da Biblioteca Nacional, da qual sou assíduo frequentador há mais de dez anos, e já realizei diversas pesquisas sobre os jornais dos anos 50 e 60. Pesquisei especialmente o ano de 1954. Os senadores citavam matérias publicadas no Globo na tribuna. Visitavam as redações do Globo. Jânio Quadros, assim que foi escolhido para ser o candidato da UDN para a presidência da república, concedeu entrevista exclusiva ao jornal O Globo, que passou a apoiar explicitamente a sua candidatura. João Goulart, por sua vez, foi furiosamente combatido desde o tempo em que era deputado.

E Vargas, bem, Vargas foi satanizado pelo jornal O Globo; não durante todo o tempo, mas, sempre que a ocasião lhe parecia propícia, a publicação dos Marinho partia para cima do governo com todas as armas. Nelson Werneck Sodré, em sua História da Imprensa Brasileira, relata que a nossa mídia escrita sempre esteve patrocinada por anunciantes estrangeiros interessados a todo custo em evitar que o país nacionalizasse seus serviços públicos. A Light, empresa canadense responsável pela geração e distribuição de energia elétrica no país desde o final do século XIX, patrocinou campanha, por décadas, contra a criação de empresa pública que levasse energia para os rincões afastados do país. Vargas também cita a luta para a criação da Eletrobrás em sua carta testamento:

A Eletrobrás foi obstaculizada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.


Estudando a história do Rio de Janeiro, deparei-me com situações que parecem até ridículas. A primeira linha de bondes instalada no Rio de Janeiro foi entregue, sem licitação, a uma empresa britânica. O engraçado é que o bonde era puxado... a burro! Não creio que essa seja uma tecnologia tão complexa que não pudesse ser um serviço encampado pelo Estado.

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Esta CPI da Petrobrás, no entanto, pode ser oportunidade para desmascarar de vez os entreguistas. É lamentável que esta luta seja tão cara. A Petrobrás é hoje uma das empresas mais respeitadas do planeta, figurando, no ranking do Reputation Institute, acima de empresas símbolos da modernidade, como Google e Microsoft, e ultratradicionais, como General Eletric, Honda e Philips. Esse prestígio, fruto da competência mostrada nos últimos anos, depois dos fiascos (afundamento de plataformas, etc) das gestões tucanas, será atingido com esta CPI. Eu queria saber de onde, meu Deus, os tucanos tiraram fama de "bons gestores"? Eles cagam tudo, estragam tudo, arrasaram o país na era FHC, estão arrasando São Paulo, e a mídia ainda lhes pespega a marca de "bons gestores"?

Ora, a Petrobrás, enquanto empresa pública e de capital aberto, tem a sua vida financeira inteiramente devassada, pelo Tribunal de Contas, pelo Ministério Público, por auditoras internacionais independentes, pela mídia, por seus acionistas. Uma CPI apenas servirá para prejudicar a sua imagem, criando obstáculos para o que é hoje o principal desafio da empresa: obter recursos internacionais para explorar as enormes jazidas encontradas em águas ultraprofundas. Esse desafio tornou-se particularmente complicado em função da crise econômica internacional, que atingiu os sistemas mundiais de crédito.

É muito importante que todos leiam com atenção esta entrevista do presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), Fernando Siqueira, para o Correio da Cidadania, e reproduzida no Vermelho. Siqueira faz denúncias extremamente graves. Afirma que o governo Fernando Henrique Cardoso vendeu 36% das ações da Petrobrás na Bolsa de Nova York por menos de 10% do seu valor real. À luz da valorização extraordinária das ações da Petrobrás nos últimos anos, essa operação representou perda de bilhões de dólares para os cofres públicos. Ah, sempre que penso nesses bilhões perdidos na era FHC, recordo da ira santa de Cora Ronai contra a tapioca de 8 reais, comprada por Orlando Silva, ministro dos Esportes, numa lanchonete de Brasília, com cartão corporativo. País sui generis este, em que colunistas se insurgem furiosamente contra tapiocas de 8 reais, e reagem com indiferença (e cumplicidade, portanto) em relação à entrega gratuita de patrimônio nacional a interesses estrangeiros, um processo que, naturalmente, significa corrupção em grande estilo.

Uma coisa que sempre me impressionou foi o esnobismo e a indiferença com que a imprensa tratou a descoberta de petróleo no pré-sal. Não foram editados cadernos especiais. Quando o governo anunciou, oficialmente, a descoberta de petróleo no pré-sal, o gancho da imprensa não foi a descoberta em si, e sim a forma como o governo divulgou a notícia, "a sorte" de Lula, etc. Não foi lembrado aos brasileiros que um dos maiores entraves históricos do país ao processo de industrialização sempre foi a falta de petróleo.

Muitas vezes as pessoas se perguntam: porque os EUA se tornaram tão poderosos e ricos e nós, tão pobres? Ora, existem diversas razões históricas e culturais. Mas, no século XX, a abundância de petróleo nos EUA (ao menos durante a primeira metade do século) e a falta do mesmo por aqui, foram fatores determinantes.

Mauro Santayana lembra (em entrevista para TV Gonzum) que, até meados dos anos 60, antes que a produção da Petrobrás começasse a fazer diferença, a economia brasileira vivia sob a eterna ameaça de desabastecimento. De quinze em quinze dias, os EUA enviavam navios às costas brasileiras com gasolina suficiente para períodos curtos. Eles nem permitiam que nós fizéssemos estoques, porque era interessante nos deixar naquela situação precária de dependência. Naturalmente isso se refletia em dependência política.

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Nos últimos cem anos, qual o item que mais tem sangrado nossa balança comercial? O petróleo. Isso perdura até hoje. Aí vai uma crítica ao governo, por ter vendido uma autonomia que ainda não temos. Teremos em breve, mas ainda não temos. Em 2008, a balança comercial brasileira do capítulo Combustíveis Minerais, Óleos Minerais, etc (do qual o petróleo é o principal produto) ficou negativa em 15,6 bilhões de dólares. O Brasil exportou 18,68 bilhões de dólares e importou 34,28 bilhões de dólares. Ou seja, o petróleo ainda é, de longe, o principal gasto externo nacional. Reduzindo as importações de petróleo, poderemos gastar mais importando maquinários e tecnologia, ou simplesmente obter um superávit comercial muito mais alto. Para vocês terem uma idéia, o superávit comercial brasileiro em 2008 (exportação menos importação) ficou em 24,83 bilhões de dólares...

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Por que a entrevista com Fernando Siqueira não ganha a grande mídia? Os assuntos são explosivos e referem-se à pauta do dia, à Petrobrás, e as denúncias são feitas por uma autoridade no assunto. Por que ela não é repercutida? Por que tapiocas de 8 reais ganham repercussão em todos os jornais e canais de televisão, e uma denúncia sobre a entrega de patrimônio público à banca internacional, a preços subfaturados, e que, em virtude da valorização das ações da Petrobrás nos últimos anos, produziu prejuízo de bilhões no bolso do brasileiro, não ganha destaque em nenhum meio de comunicação? Por que não usam aquela odiosa expressão, cujo fundo político é altamente reacionário, sobre "o meu, o seu, o nosso dinheiro", para se referir às perdas acarretadas por essas operações?

Por que não entrevista aquele onipresente "professor de ética", Roberto Romano, para explicar isso? Por que o senil João Ubaldo Ribeiro, sempre tão preocupado com o interesse nacional, não se interessa por denúncias desse quilate?

O que vemos é, de fato, a formação, de um lado, de uma consciência política corrompida, cínica, egoísta, pusilânime e tímida sempre que se trata de denúncias trilionárias, subitamente furiosa quando se trata de tapiocas e passagens aéreas; e, de outro, uma classe de brasileiros cada vez mais politizada, informada e engajada nas lutas nacionais.

Não, não, definitivamente não temos aqui um fla-flu entre petistas e tucanos. Aliás, acho uma afronta à lógica comparar uma saudável disputa esportista a um embate ideológico sujo e agressivo, apesar de necessário e democrático.

Na verdade, temos um embate entre os que amam o Brasil, que torcem por sua economia, por seu desenvolvimento, por sua autonomia energética, que festejam a descoberta de petróleo, que festejam o sucesso de seu presidente no exterior, e aqueles que torcem que a crise nos atinja, que se aborrecem com os dados positivos de nossa economia, que se engajam infantilmente em campanhas de desestabilização política, que não se alegram, carajo!, com o fato de termos descoberto enormes jazidas de petróleo!

Eu não consigo entender como um brasileiro pode reagir com indiferença ao fato de termos descoberto enormes jazidas de petróleo! Lembro de um advogado da Petrobrás (da Petrobrás, héin! imagine os que não são!) que encontrei numa festa, dias depois do anúncio da descoberta de petróleo no pré-sal. Eu fui cumprimentá-lo, todo alegre:

- Parabéns! Parabéns à Petrobrás, pela grande descoberta!

Eu tinha bebido algumas latinhas, mas ainda estava sóbrio. Minha alegria era a mais pura possível. Ele me respondeu com um esnobismo melancólico e desconfiado:

- É, mas não sei não. Os próprios engenheiros da Petrobrás tão dizendo que não é tudo isso. O governo tá querendo faturar, etc.

Era exatamente o que a imprensa afirmava. Eu conheci depois melhor o rapaz, um bom rapaz, inteligente, afável, mas um tipo que repete clichês da imprensa.

O governo tinha anunciado que as novas descobertas podiam chegar de 5 a 8 bilhões de barris. Algumas semanas depois, começaram a circular informações, bastante concretas, de que as jazidas do pré-sal poderiam chegar a 80 bilhões de barris!

E nas semanas seguintes, novas descobertas, na Bacia de Santos, no Espírito Santo, etc.

Ou seja, o governo tinha sido bastante conservador. As reservas eram, de fato, muito maiores. Na verdade, as descobertas causaram enorme rebuliço em todo planeta, porque mostrou a possibilidade de existência de petróleo em águas ultraprofundas em outras partes do globo também, sobretudo na costa oeste da África e, eventualmente, na costa de Cuba.

Apesar disso, a imprensa nunca produziu um caderno especial sobre o pré-sal! Nem com a possibilidade de obter facilmente patrocínio para uma empreitada assim.

Eu quero ver agora se a Petrobrás vai continuar fazendo propaganda na TV Globo!


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Por fim, eis uma tabela que acabo de editar, com números sobre a nossa importação de petróleo. O Brasil importou, nos últimos 12 meses, mais de 30 bilhões de dólares em petróleo e derivados. Nos últimos anos, em virtude do desenvolvimento, nossa demanda de combustíveis tem aumentado muito. Por isso é tão importante que a produção do pré-sal tenha início urgentemente. Cada dia que passa, gastamos milhões de dólares em importação de petróleo, e esse dinheiro poderia ser usado em tecnologia, educação, saúde, enfim, em muitas outras coisas importantes para o nosso desenvolvimento. Clique na imagem para ampliá-la.