A principal crítica que se faz à Brasília é ter criado uma espécie de ilha da fantasia. Os políticos não ouviriam mais os clamores da população, como antes. Não concordo. O que o governo federal ouvia no Rio nunca foi o clamor da população brasileira, e sim a gritaria dos cariocas. Quando Rodrigues Alves autorizou Pereira Passos, prefeito do Rio, a reformar o Rio de Janeiro, no inicio do século XX, não ouvimos a população brasileira protestar contra o fato da cidade consumir um terço do orçamento federal daquele ano em obras locais. O Rio, claro, não reclamou. O Rio, aliás, ficou lindíssimo, parecendo uma nova Paris, ou Buenos Aires. Pena que vinte ou trinta anos depois, começaram a derrubar tudo que tinham construído. A estupidez e a corrupção demoliram os edifícios mais belos do Rio de Janeiro, aqueles com fachadas esculpidas por artistas escolhidos em edital público, de seis ou sete andares. Está certo que o Rio precisava de prédios grandes para abrigar o novo capital, mas tínhamos a Presidente Vargas vazia para isso mesmo. Em vez de construírem na Presidente Vargas, preferiram destruir os belíssimos prédios art-decó da Rio Branco.
Enfim, voltando à Brasília. Não creio que a minguada rua do Catete fosse o local mais adequado para a população brasileira se manifestar. Nunca poderíamos assistir manifestações como a das Diretas Já, ou da comemoração pela posse de Lula, ou tantas outras, na estreita rua do Catete.
A transferência da capital para Brasília cumpriu uma função política e moral, de fazer o governo federal olhar o país como um todo, instalado num mirante central, que possibilita uma visão imparcial e equânime para todas as unidades da federação.
Funcionalmente, também. Quem conhece o Palácio do Catete, hoje Museu da República, e passeia pelo Centro, sabe que o Rio não tinha mais condições de ser o centro político de um país que deixava de ser uma província tímida do mundo e se preparava para se tornar uma potência econômica global.
Os problemas sociais de Brasília não são defeitos congênitos, e sim doenças parasitárias, que podem ser tratadas adequadamente, e quero acreditar que serão. Os problemas políticos, por sua vez, além de refletirem vícios nacionais, e não apenas brasilienses, derivam em grande parte da ditadura, quando se enraizaram e se consolidaram elites e máfias locais.
Perder sua condição de centro político foi duro para o Rio. Mas essa não foi a causa principal da decadência econômica vivida pelo estado nas últimas décadas. Ao contrário, o fato de ser capital produziu uma cultura moral nociva no estado, anti-empreendora, resignada, preguiçosa, sempre mais ligada nos problemas nacionais do que em suas mazelas locais. O Rio tem de aprender a olhar a si mesmo com humildade, e tratar de seus problemas com um mínimo de autonomia. A causa principal da decadência econômica foi o fechamento de suas indústrias e o abandono de suas lavouras. Antes desse novo boom da indústria petrolífera fluminense, o Rio não tinha mais indústrias de peso. Até hoje não tem mais agricultura comercial relevante. A topografia acidentada não é desculpa, porque o Espírito Santo, com a mesma topografia, tem uma das agriculturas mais dinâmicas do país.
O Rio está renascendo. Com as novas refinarias e indústrias. Com o porto de Sepetiba. Com a retomada das exportações pelo porto do Caju. Faltam projetos agrícolas, e nesse ponto o governo do estado bem que podia ajudar.
Mas falemos da capital federal.
Pessoalmente, eu não gosto de Brasília. Eu gosto de cidades onde podemos circular a pé. Falta à Brasília reduzir sua dependência do automóvel particular. Precisa construir ciclovias, melhorar o transporte público interno, moralizar o serviço de táxi. Na minha opinião, deveria também estimular maior ocupação dos espaços vazios, trazendo mais vida à cidade e dando maior sensação de segurança aos cidadãos.
O Centro Cultural Banco do Brasil, por exemplo, situa-se num lugar totalmente isolado. Brasília precisa de centros culturais próximos, precisa de mais bibliotecas públicas, cinemas, enfim, de uma vida cultural no centrão, e não em lugares de difícil acesso.
Tenho consciência de que esse texto, cheio de expressões como "precisa de" e "tem que", reflete ingenuidade e autoritarismo. Mas não é disso que são feitas as utopias - e as cidades?
21 de abril de 2010
Brasília e o povo
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Eu não conheço pessoalmente Brasília, mas acho que foi um passo imenso rumo à soberania e ao protagonismo internacional que estamos mais que ensaiando hoje. Estou, por sinal, estudando para um concurso e uma das opções de lotação é na capital. Não estou certo ainda.
Mas você não comentou, colega, dos ataques da mesma velha mídia e dos mesmos agentes a essa transferência da capital. Os velhacos de sempre. Parece que o único objetivo deles nem é a preservação do paradigma de seu próprio poder, mas a objeção teimosa e intransigente contra tudo o que possa representar a independência e a expansão da consciência e identidade nacionais.
Às vezes tenho saudades de Madame Guillotin...
Eu conheço Brasilia.
Realmente. andar a pé lá é muito dificil, tudo é muito longe.
Brasilia foi construida para se andar de automóvel, moto, ou transporte publico, mas jamais a pé, a menos que você queira ser um atleta.
Mas é uma cidade bonita, se voce olhar com olhos futuristas...
Não compactuo com a expressão "cidade de ladrões", porque dos dois milhões e meio de habitantes, só 600 e poucos é que fazsem juz ao apelido carinhoso...
Miguel, gostaria de parabenizá-lo pelo seu comentário sobre o blog. Já fui para Brasília como visitante, e achei a cidade sensacional, apesar de ser um tanto incômoda para os pedestres. Mas senti lá uma inspiração, uma cidade voltada para o design e a arquitetura. Nõ é a toa que a melhor universidade de design e rquitetura do Brasil é a UNB.
A respeito do fato de reclamarem ue Brasília é uma ilha de fantasia que serve para afastar a população dos políticos, eu concordo sua opinião: Brasília serviu para agregar o nosso país, como um mirante, olhando para todos os lados. E gostaria de lembrar também, da nossa extensão territorial. Se a capital fosse construída em outros estados, a reclamação ia ser a mesma. E participação política não depende se a capital está longe ou próxima da gente. E existe a internet, que nos aproxima cada vez mais.
Acredito que essa recalmação seja um bairrismo, principalmente vindo do sudeste, onde "acredita-se ser a locomotiva do país
Compartilho de sua avaliação sobre Brasília. Com um pouco de carinho, resolve-se o problema do transporte público.
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