31 de outubro de 2008

Anotações desvairadas para uma resenha sobre o pintor Helcio Barros

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(Noturno, de Helcio Barros)

Que bicho estranho é o homem! Uns se apegam a gatos, outros alimentam pombos. Compram kits para montar aviões de plástico, instalam rádio-amadores no quartinho dos fundos. Fazem trabalho voluntário em presídios, hospícios e áreas devastadas por fome e guerra. Esgoelam-se e brigam nas ruas por causa de seus times de futebol. Eu me interesso por artes plásticas e literatura. E nos últimos anos tive a honra de conhecer inúmeros artistas plásticos. Tantos que hoje eles são parceiros em diversos empreendimentos - tipo investir no mercado local de bebidas.

Agora que as horas do meu dia se alongaram, pretendo escrever mais sobre artes plásticas. Andei lendo e relendo diversos livros sobre o tema. Li resenhas de Mario Pedrosa, Frederico Moraes, Ronaldo Brito, Rodrigo Naves, e nessa onda de ler resenhas, acabei chegando num homem de cinema, Paulo Emilio, que eu conhecia muito de nome, e por ser o autor do conto que inspirou Ao Sul do meu Corpo, do Sarraceni, um dos filmes mais lindos do cinema brasileiro; e li crônicas deliciosas e eruditas sobre a sétima arte, inclusive uma interessantíssima série sobre Orson Welles da qual falarei mais tarde.

Ainda estou me preparando para escrever o ARTIGO para a Inteligência, mas agora tenho que escrever algo urgente para a edição atual de Manuskripto, então escolhi Helcio Barros, um exímio expressionista abstrato, colorista de primeira linha, que possui ateliê em Santa Teresa, Rio de Janeiro, além de ser meu eventual parceiro de copo nas madrugadas da Lapa.

Desde que resolvi escrever mais textos sobre arte, deparo-me com sérios dilemas. O principal deles é a própria incomunicabilidade escrita da arte visual. Como artista e crítico não-conceitual, os textos sobre arte sempre me pareceram forçados, desagradáveis, indignos. O crítico alinhava chavões em linguagem deleuziana, com vôos forçadamente poéticos, ou envereda por análises pesadas escritas com jargão ultra-especializado, com objetivo único de intimidar leitores e impor respeito aos simplórios que apenas querem apreciar um bom trabalho de arte, seja pintura, objeto, assemblage, técnica mista, aquarela, land art, instalações ou performances.

Houve quem conseguisse escrever maravilhosamente sobre arte. Baudelaire, por exemplo. Mas o livro que mais gosto é o clássico Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan. Como transmitir em palavras uma sensação visual? Naturalmente é impossível, então o resenhista busca trilhas alternativas, vai pelos flancos. Sempre é mais fácil discorrer sobre obras e autores consagrados, mortos e consagrados. Mas vamos lá. Os desenhos e pinturas de Helcio Barros nos dissolvem, nos fazem escorrer para um lugar lá embaixo, estranho, um mundo líquido, cruel, cheio de dor. No entanto, sente-se que esse universo de cores destruídas, de seres se decompondo, de céus tortos, ébrios e sombrios, tem amor, tem pensamento, e tem a ansiedade gloriosa da juventude.

Quiçá a crítica de arte seja, portanto, esse processo dilacerante, dilacerado e dilacerador, como a própria arte, mas que, por razões de mercado ou covardia, evita saltar no mesmo abismo para onde a arte se lançou. Então permanece no alto do penhasco, olhar perdido no horizonte, solitária, sem saber que direção seguir. Talvez a arte seja essa renúncia lenta, desesperada, essas linhas e cores inconsequentemente belas, como um pássaro resfolegando na tempestade. Talvez a crítica, a vida, a morte, Antônio Conselheiro, a imprensa conservadora, a revolução tecnológica, não sejam nada mais que variações trágicas dos seres disformes pintados por Helcio Barros.

Confira o site do artista.

http://www.helciobarros.com.br/

E seu blog:
http://www.helciobarros.blogspot.com/

30 de outubro de 2008

Entrevista exclusiva e inédita com Mauro Santayana!

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Abaixo uma entrevista que meu irmão, Pedro do Rosário, fez em 2004 com o grande jornalista Mauro Santayana, sobre a ditadura militar. Ele planejava realizar um documentário sobre a ditadura, mas o projeto não andou e eu o convenci a doar a entrevista, que é focada no golpe, seus antecedentes e consequências, para o meu blog. É uma maravilhosa aula de história, além de ser um material inédito e exclusivo do Óleo do Diabo.


Parte 1



Parte 2



Parte 3



Parte 4




*

Uma das canções que mais gosto, dos Stones.

Dá-lhe Frank!

Seja o primeiro a comentar!

Eu já linkei esse vídeo num artigo que escrevi há pouco tempo, mas vale repetir aqui. Estou estudando essa música no violão. Ver e ouvir Frank Sinatra cantando Água de Beber não tem preço, cara. Baixei e postei na minha própria conta do Youtube. Ah tem o piano de um cara chamado Tom Jobim.

29 de outubro de 2008

Alice no País das Maravilhas

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Hoje tem abertura da exposição do maior artista brasileiro de todos os tempos, Flavio Shiró, autor da pintura acima. O evento acontece no Espaço Cultural dos Correios, no centro histórico do Rio de Janeiro. E por falar em centro, hoje consegui me libertar da hipnose que a volta da banda larga deixou-me nos últimos dias e passeei longamente por estas ruas impregnadas de história e literatura. Andei até a biblioteca estadual, na avenida Presidente Vargas, que passará por uma profunda reforma, com os recursos que o Cabral conseguiu arrancar, à força de sorrisos, do presidente Lula. Devolvi um romance chato do Tariq Ali e troquei por uma coletânea de contos de Ernest Hemingway. Na dúvida, fique sempre com os clássicos.

No salão de jornais de revistas da biblioteca, li o Jornal do Commercio, o mais antigo do país, que faz uma cobertura bem diferenciada da realidade política e econômica brasileira, sem as obsessões serristas da trinca Estadão-Folha-Globo. Saí dali e peguei a rua Buenos Aires, coração do comércio popular carioca e onde a ignorância furiosa dos especuladores imobiliários deixou intactos centenas de belos sobrados do século XIX. Queria ir ao Centro Cultural de Justiça, que também possui um salão de jornais. Chegando lá, ainda não havia aberto, então pus-me a dar voltas pelas adjacências, e quando dei por mim estava na rua do Consulado Americano e da Academia Brasileira de Letras - onde me enfiei para ver a exposição em homenagem a seu fundador, o grande escritor carioca Machado de Assis, único romancista brasileiro apreciado por Philiph Roth e Wood Allen. Boa pedida. Projetada e executada por Anselmo Maciel, a exposição foca na ambientação histórica de Machado de Assis, recuperando fotos antigas das ruas do centro onde ele residiu e viveu durante seus anos de formação. As fotos receberam tratamento especial, o que permitiu que fossem ampliadas em dezenas de vezes, dando-nos uma forte sensação de viagem no tempo. Ver a rua Primeiro de Março, a imponente igreja de são francisco, os bondes puxados a burro e os edifícios elegantes do centro, provocou-me, como sempre, nostalgia de um tempo que não vivi, e revolta pela destruição brutal sofrida pelos bairros históricos. A já citada ignorância especulativa, afinal, não apenas derruba bolsas e empobrece trabalhadores em todo mundo - seu rolo compressor também esmagou a belíssima arquitetura art-noveau do Rio Antigo.

Por fim, voltei ao Centro Cultural de Justiça e terminei minha leitura da famigerada TRINCA. Quem procura, acha, diz Silvio Santos, sucessor de Roberto Marinho na galeria dos vasos ruins que nunca quebram, e o Globo, na ânsia de encontrar algum viés positivo para o tucanato, abraçando o slogan do concorrente, procurou e achou. Achou um "índice de sucesso", segundo o qual o PSDB ficou em primeiro lugar no ranking dos partidos, elegendo uns 40% do total das candidaturas lançadas. O PT, claro, ficou em último, com uns 20%. O Estadão, como sempre, publica editoriais elegantemente indignados e reacionários, quiçá num tom acima do mentalmente saudável, contra todos os presidentes sul-americanos reunidos num encontro recente. Para o Estadão, o fato da América do Sul já ser o principal destino das exportações brasileiras não tem importância nenhuma, e por isso qualificou a reunião de inútil.

Daí peguei a Bravo, onde li uma excelente entrevista com Veríssimo, por Marcelo Rubens Paiva, e matérias tolamente encomiásticas sobre a artista visual Beatriz Milhazes e seu eterno jardim de flores pintadas, o que me levou a reler Alice no País das Maravilhas, conforme cantava Raul Seixas. Acabei de tomar meu quilindrox, meu discomel e outras pílulas a mais. Duas horas da manhã recebo nos peito um ploct-pus 25 e vou dormir quase em paz. E a chuva promete não deixar vestígios. E a chuva promete não deixar... vestígios. Acho tão lindo esse último verso.

Bem, desculpe o desvario. Continuando: eu falava de quê? Ah, de artes plásticas. Então, é isso. Essa Bienal de São Paulo, para mim, simboliza o que há de mais ridículo na arte, na crítica de arte e, sobretudo, na curadoria. Os curadores atuais merecem ser condenados por crime de lesa-pátria, traição aos princípios mais elementares da arte, egolatria delirante e, finalmente, incomensurável incompetência e ignorância estética. Existe tanta coisa boa para ser mostrada numa Bienal! E os infelizes, depois de reclamar de dinheiro, montam um tobogã? Deixam um andar vazio? Tenho tanta coisa a falar sobre isso que me dá preguiça. Vou escrever um artigo detalhado sobre o tema para a revista Manuskripto (já assinou? não? vai na coluna da direita e assina, pô!).

E voltamos ao começo. Daqui a pouco vou encontrar meu amigo Juliano Guilherme, outro grande pintor, e vamos à vernissage de abertura de Flavio Shiró, comer quitutes, beber champagne e apreciar as obras do maior artista brasileiro - nasceu no Japão, mas veio ao Brasil com 4 anos, então já virou produto nacional - de todos os tempos. Esse aí não perde tempo pintando florzinhas tropicalóides, tão idiotamente alegres, tão imbecilmente brasileiras!, para vender em Nova York.

28 de outubro de 2008

Ensaio para uma análise eleitoral

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Rareiam análises objetivas sobre a nova configuração eleitoral. A ansiedade ideológica e partidária mancha jornais de azul e amarelo e a esquerda, encurralada nos recantos obscuros (ou nem tanto) da web, entoa hinos de vitória. Por outro lado, creio que as pessoas minimamente esclarecidas já desenvolveram um criticismo saudável para navegar neste nevoeiro.

O linguista Noam Chomsky ensina que é possível se informar através da mídia corporativa, desde que se o faça filosoficamente, com estoicismo, evitando paixões e úlceras. Outra grande descoberta de Chomsky: ouça o que seus adversários têm a dizer. Acredite neles. Deixe-os tropeçar em suas contradições. Em se tratando de imprensa, não existe nada mais constrangedor do que entrar em contradição. Quer dizer, até pouco tempo atrás a imprensa tocava suas contradições tranquilamente. A internet surgiu como um dedo acusador, um gigantesco, ubíquo, onisciente e incansável umbudsman. A internet é o verdadeiro umbudsman da imprensa, visto que por mais que os jornais contratem pessoas idôneas para desempenhar esse papel, todos os conceitos lógicos sobre o homem, sua psicologia e sua inexorável dependência de proteínas, apontam a dificuldade de ser independente perante quem lhe paga o salário.

Há um fato novo político que os analistas ainda não detectaram: a interpretação dos resultados eleitorais escorregou das mãos corporativas da mídia e caiu no colo de blogs e sites independentes. Independência de opinião, lembre-se, não significa apartidarismo ou neutralidade e sim liberdade política, financeira e profissional. Analistas políticos profissionais muitas vezes não são independentes porque dependem da mídia para sobreviverem e, por isso, sacrificam sua liberdade em troca de pão.

Os fatos são os seguintes: a oposição perdeu votos, perdeu cidades, e os partidos da base aliada ganharam eleitorado e ganharam mais cidades. Simples. Se Lula deu um banho em 2006 do jeito que as coisas estavam, agora terá um arsenal partidário e administrativo ainda mais vigoroso para vencer novamente em 2010. As chances de Lula eleger um sucessor, portanto, fortaleceram-se. A batalha pelo poder no Brasil já começou. A mídia tem seu lado, o que tornam as vitórias da esquerda ainda mais saborosas, com implicações sociológicas ainda mais profundas não apenas sobre a economia brasileira, mas também sobre o futuro dos meios de comunicação.

Entrevista com Glauco Matoso

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Uma entrevista que eu fiz há uns anos para o jornal Arte & Política. Vale a pena ler de novo.

27 de outubro de 2008

Boa idéia

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Tive uma idéia interessante hoje para modernizar as leis que regem a liberdade de imprensa. O objetivo é fortalecer a liberdade de opinião dos jornais e ajudá-los a se consolidar financeiramente, visto que, em todo mundo, jornais enfrentam severos problemas de sustentabilidade econômica. Minha idéia é criar uma enxuta mas exigente instituição de ombudsmans independentes, com verba própria, autônoma em relação aos três poderes. Todo jornal, para ganhar uma licença de publicação, teria que publicar uma coluna de ombudsman diária, ou três vezes por semana.

A instituição não teria nenhum poder de censura. Teria a função exclusiva de defender a opinião dos leitores.

Afinal, ombudsman pago para criticar a própria empresa que lhe paga o salário? Não dá para confiar; é anti-ético. Depois desenvolvo mais essa idéia.

Apenas um ensaio mal feito

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Há filmes inspirados em livros que nos despertam grande interesse pela obra original. Memórias do Cárcere e Vidas Secas, ambos de Nelson Pereira dos Santos, por exemplo. Até hoje procuro por aí um livro intitulado Rumble Fish, que inspirou Selvagem da Motocicleta, de Francis Ford Coppola.

Mas há o contrário. Filmes que nos afastam dos livros que os inspiraram. É o caso de Batismo de Sangue, baseado no romance do Frei Beto. Antes de ver o filme, estava interessado no livro, cujo primeiro capítulo li numa livraria. Então assisti ao filme de Helvécio Ratton e achei tão ruim, tão sofrivelmente moralista, previsível e artificial que mudei de idéia.

É o caso de Ensaio sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles e Daniela Thomas, inspirado na obra de Saramago. Li o livro há anos e lembro que gostei muito. Do escritor português, li ainda O Evangelho Segundo Jesus Cristo e o Ano da Morte de Ricardo Reis, que também me causaram boa impressão. Não consegui ler mais nada do Saramago. Enjoei e passei a implicar com seus outros trabalhos.

Ao sair da sessão de cinema, ontem, sentia quase raiva de Saramago. Por ele ter gostado do filme e me induzido a vê-lo e a gastar R$ 16 com a porcaria. É um dos piores filmes que assisti esse ano. Uma sucessão de clichês chorosos e maniqueístas. Um filme destinado à sessão da tarde. Fez-me duvidar se o livro era tão bom mesmo como eu pensei à época que o li.

De uma coisa tenho certeza. O livro é infinitamente melhor que o filme, o que não significa muita coisa, porque, neste caso, até a Hebe Camargo escreveria uma obra superior a este amontoado de clichês gastos, rasteiros e piegas.

A atriz principal, Julianne Moore, não tem culpa de nada. Faz um trabalho excelente, o melhor possível para uma personagem previsível presa num roteiro medíocre. Há uma cena em que a personagem, única pessoa que vê num mundo devastado por uma epidemia de cegueira, contempla melancolicamente um bando de cães comerem um cadáver. Aí surge um outro cão, que passa pelo bando, desce umas escadas, aproxima-se da mulher, cheirando tudo e, finalmente, aconchega-se carinhosamente, lambendo-a. Que lindo! Que amor! Que merda de filme!

E tudo termina em final feliz! O grupo de cegos liderado pela Julianne encontra o casarão moderno e confortável onde ela mora com seu marido. Aí, todos comem gostosinhos, dormem gostosinhos. A Julianne transa gostosinha com seu marido, no velho estilo papai e mamãe, ele faz declarações de amor bonitinhas pra ele, viva a família americana! Viva o American Way of Life! Fernando Meirelles, seguramente, fez o pior filme de sua carreira e, oxalá, o pior de sua vida. Torço para que ele caia em si, liberte-se da escravidão holliwoodiana e seja o mesmo diretor de Cidade de Deus.

Considerações sobre a falsidade

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Texto na capa da Folha: "O prefeito [Kassab] dedicou a vitória ao governador José Serra (PSDB), que apoiou o democrata contra o candidato do próprio partido no primeiro turno, Geraldo Alckmin", pode até trazer uma informação correta, mas aponta, sobretudo, a glorificação da falsidade.

Na convenção partidária do PSDB, José Serra apoiou Geraldo Alckmin. Na propaganda da televisão, Serra apoiou Alckmin. Em entrevistas, Serra apoiou Alckmin. Serra apoiou Kassab, no primeiro turno, apenas nos bastidores da imprensa, que repetia incessantemente, diariamente, que Serra apoiava Kassab por baixo dos panos.

Serra elegeu-se prefeito em 2004 depois de, ao vivo e a cores, ter assinado um documento se comprometendo a cumprir o mandato até o fim. Entrevistado pelo repórter do CQC porque tinha assinado um documento e registrado em cartório de que completaria sua gestão, sem usá-la como trampolim para 2006, como fez, Serra respondeu: "Não registrei no cartório". Repetiu a frase duas ou três vezes. Não registrei no cartório. Não registrei no cartório.

Na França, não existe reconhecimento de firma em cartório. O cara assinou, tá assinado, ponto final, tem valor documental.

O que eu gostaria de entender que espécie de vitória é essa fundada em falsidade, intriga interna e dissenção partidária?

Se José Serra é tão bom político, como permitiu que o PSDB se dividisse em duas facções inimigas no primeiro turno das eleições em São Paulo?

De fato, Serra sai dessas eleições fortalecido para disputar as eleições presidenciais em 2010. Mas o seu partido, o PSDB, não. Por quê? Porque perdeu votos nas eleições municipais, porque seus aliados principais perderam votos, e porque seus adversários, os partidos que compõem a base de Lula ampliaram formidavelmente a sua base eleitoral.

O PT, partido de Lula, obteve 21 prefeituras entre o chamado G79, composto pelas 26 capitais e 53 municípios com mais de 200 mil eleitores, assumindo a liderança isolado no ranking. O PMDB, que estava em terceiro em lugar em 2004, foi para o segundo lugar, com 17 prefeituras e o PSDB (partido do grande vitorioso José Serra) vem caindo gradualmente desde 1996, quando tinha 18 prefeituras: caiu para 15 em 2000 (em plena gestão de FHC, mostrando que nem sempre o poder ajuda a eleger; ao contrário, quando se governa mal, a base governista perde espaço; aliás, o PMDB, na época aliado ao PSDB, também perdeu pontos em 2000). A pontuação tucana no G79 subiu para 17 prefeituras em 2004 e declinou novamente para 13 agora.

A tabela de eleitorado no G79 é muito distorcida por São Paulo. Aí, o PSDB, que chegou a 14 milhões de eleitores em 2004, quando elegeu Serra, caiu para 5,81 milhões. O PT de Marta Suplicy alcançou 14 milhões de eleitores em 2000 e caiu para 8,75 milhões em 2008. A importância de SP para o DEM está expressa nos seguintes números: o partido saiu de 6,01 milhões de eleitores em 2004 para 9,4 milhões em 2008. Mas essa tabela não conta muito, como já disse, por causa da confusão gerada por São Paulo. No quesito número de eleitores, vale mais a pena considerar o eleitorado dos cinco mil municípios brasileiros.

Nas 30 cidades que registraram 2º turno, o PT ficou em primeiro lugar, com 5,16 milhões de votos, seguido por PMDB, com 4,46 milhões de votos e DEM (que ganhou apenas em SP), com 3 milhões. O PSDB, com 1,5 milhão de votos, ficou atrás do PV, que obteve 1,64 milhões de votos. Estes números consideram os votos recebidos, mesmo no caso de derrota dos candidatos, como foi o caso do PV, que registrou boa votação, mas perdeu apertado no Rio de Janeiro.

No primeiro turno, PMDB ficou em primeiro lugar, com 18 milhões de votos, seguido por PT, com 16,52 milhões, e PSDB, com 14 milhões.

Há outro dado interessante. Nas eleições para câmara de vereadores, o PT ficou em primeiro lugar em votos para legenda, com 2,11 milhões de votos em todo país, secundado pelo PSDB, com 1,66 milhão de votos. Na relação de votos nominais, o PMDB levou a taça, novamente, com 10 milhões de votos; o PSDB veio em segundo lugar, com 9 milhões, e o PT em terceiro, com 8,4 milhões de eleitores.

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A vitória de Kassab em SP deve ser colocada na devida perspectiva. O candidato do DEM recebeu 3,79 milhões de votos. É um número expressivo, que certamente faz diferença em eleições presidenciais em qualquer país democrático do mundo. No caso do Brasil, representa 2,9% dos 130,60 milhões de eleitores registrados. Considerando a polarização partidária existente em São Paulo, todavia, deve-se entender que a boa parte dos votos recebidos por Kassab compõe o chamado "eleitorado duro" da direita. Eleitores de Maluf e Quércia, por exemplo, migraram em peso para a campanha de Kassab.

Confiram abaixo o quadro eleitoral do país:




O maior desafio da direita será ganhar votos no Norte e Nordeste, onde a popularidade de Lula, que já é majoritária em todo país, alcança patamares extraordinários. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em meados de setembro, 75% dos nordestinos e 65% dos que residem nas regiões Norte e Centro-Oeste acham o governo Lula ótimo e bom. No Sudeste, Lula recebeu ótimo e bom de 57% e no Sul maravilha, 60%.

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Por mais que a mídia oculte esse fato, o grande vencedor das eleições municipais chama-se Luiz Inácio Lula da Silva, porque nenhum candidato, oposição ou aliado, elegeu-se com um discurso de oposição. Ao contrário, todos tentaram colar sua imagem à do presidente. Vejam o caso de Kassab, eleito em São Paulo. O candidato democracata atravessou toda a sua campanha elogiando o presidente Lula, mesmo sabendo que parte de seu eleitorado compõe-se de hidrofóbicos anti-petistas. O fato mostra o caráter republicano do presidente, que soube conquistar o apoio da direita responsável. Lula, ao contrário de FHC em 2002, passou no teste eleitoral. Mais um. E credencia-se para fazer o sucessor em 2010.

26 de outubro de 2008

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Para dar um reforço à minha renda e me aproximar ainda mais daquilo que gosto, montei um sebo virtual, o Gonzum, com livros raros, clássicos no idioma original e publicações indepentes. O site ainda está começando, mas já tenho alguns produtos para vender. Quem estiver interessado, é só clicar no endereço abaixo.


Tempo, o carrasco implacável da mentira

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Não extinguiu-se a tortura física no Brasil. Nas delegacias e presídios brasileiros, hoje, pessoas ainda são vítimas de técnicas de interrogatório herdadas dos anos de chumbo, uma realidade que a literatura e o cinema nunca mostraram. Valdirei, filho da Geralda, ex-empregada doméstica da minha mãe, contava-me, no início da década de 90, diversos tipos de tortura aplicados aos bandidos da baixada fluminense. Ele dizia que os bandidos, submetidos a suplícios medievais, não entregavam seus companheiros. Um deles consistia em esquentar uma agulha ao fogo, até que ficasse vermelha e incandescente, e enfiá-la lentamente no canal urinário do pênis.

Valdirei nos contava histórias de bandido como os nordestinos ouviam relatos sobre Lampião. Até que Valdirei também entrou para o crime. Prenderam-no. Converteu-se à religião evangélica. Soltaram-no. Voltou ao crime. Levou tiros, sobreviveu. Enfim morreu, aos vinte e cinco anos, numa chacina em Piabetá, distrito de Magé, área mais pobre e violenta da baixada.

Eu e meu irmão nos tornamos muito amigos de Valdirei, que passava longos períodos em nosso apartamento no Flamengo, zona sul do Rio. Ele ensinou-me a gostar de Bezerra da Silva, a soltar pipa e contou-me as lendas de foras-da-lei famosos. "Se o diabo atira com duas mãos, eu também atiro", teria afirmado Sete Vidas, puxando arma com a mão esquerda, depois de atirar com a direita, enfrentando dezenas de policiais, à beira de um barranco. Atirou loucamente e levou muitos tiros, sem morrer, até que um sargento, aproximando-se por trás, deu-lhe um tiro de escopeta que abriu-lhe no abdômem um buraco do tamanho de uma pizza.

Lembrei das histórias de tortura contadas por Valdirei depois de ler reportagem, hoje, na Folha de Sâo Paulo, sobre um militar que confirma as terríveis torturas infligidas ao então preso político José Genoíno. Hoje deputado federal, Genoíno vinha sendo acusado, há décadas, por um oficial do exército, uma figura naturalmente suspeita, tanto pela posição ocupada na hierarquia militar como por seu posicionamento ideológico atual, de não ter sido torturado, de ter entregue seus companheiros antes mesmo de aplicarem-lhe qualquer castigo.

O assunto, notoriamente, causava enorme aflição ao deputado, que sempre preferiu esquivar-se do tema. Durante os tempos inquisitoriais do mensalão, Genoíno participou do Roda Viva, na TV Cultura. Depois de horas de ataques violentos à sua honra, com entrevistadores notoriamente a serviço de partidos de oposição, Genoino, ao final da sessão, a qual havia enfrentado galhardamente, respondendo às questões mais espinhosas, encontrava-se abatido. Paulo Magnum, apresentador do programa, diz que tem uma última pergunta: e tasca a velha acusação do oficial militar aposentado, de que Genoíno delatara seus companheiros antes de lhe torturarem.

Foi a mesma acusação que fez o senador Agripino Maia, durante sabatina recente aplicada à ministra Dilma Roussef. Trata-se de um truque surrado da direitaça atual, invejosa da biografia heróica dos políticos que arriscaram sua integridade física lutando contra a ditadura militar. Genoíno respondeu, com voz embargada, que ninguém tinha o direito de cobrar por informações ditas sob tortura, lembrou que o citado militar há anos procurava atacar sua reputação, e pareceu mesmo perplexo com a baixeza de Markum em fechar a entrevista dando voz àquela acusação. Foi uma covardia. Pouco depois, Genoíno deu entrevista afirmando que o período mais difícil de sua vida não foram os meses em que foi torturado no Araguai, mas aqueles meses em que esteve exposto à execração pública, durante o escândalo do mensalão, porque se antes queriam derrotá-lo fisicamente, seus inimigos agora queriam levar-lhe a alma. Genoíno sofreu um linchamento midiático sem igual após a prisão de assessor de irmão seu, barnabé infeliz do interior nordestino, com dólares na cueca. Descobriu-se, mais tarde, que se tratava de um bandoleiro local, peixe minúsculo, sem qualquer ligação direta com seu irmão, muito menos com Zé Genoíno, mas o caso foi o golpe final que derrubou Genoíno da presidência do Partido dos Trabalhadores, cargo onde já balançava desde o início do imbróglio do partido com Marcos Valério.

Hoje, um caminheiro, ex-soldado do exército, Jairo Pereira, 58, contou à Folha que presenciou torturas bárbaras contra José Genoíno. Segundo ele, o então jovem comunista recebia choques elétricos, apanhava de pau com a cabeça coberta com gorro (qualquer semelhança com Abu Grhai não é mera coincidência), e passava o tempo acorrentado e algemado, como animal, dentro de um buraco na terra.

Consultado pelo jornal, Genoíno confirmou a história, agregando novos detalhes, informando por exemplo, que, havia um grupo de militares, do qual o caminheiro fazia parte, que não pertenciam ao PIC (Pelotão de Investigações Criminais, responsáveis pelas torturas) nem eram do pessoal da selva, que davam um tratamento mais humano aos prisioneiros, levando-lhes comida e revistas.

O episódio serve para marcar o velho clichê sobre o tempo ser o melhor remédio. A aparição dessa testemunha, de perfil isento, mostra o quão covarde estava sendo o referido oficial, ao querer aplicar ao deputado uma segunda sessão de tortura, ainda pior que a primeira, acusando-o de poltrão e delator. O mais triste é que parte da imprensa ajudou-o a instalar os fios.

*

Pois é. Eu disse a vocês que a Veja me deu uma assinatura grátis. Nas últimas capas, a Veja transformou-se em revista de saúde e beleza. A anterior falava sobre câncer de próstata, a atual sobre mulheres. Espertinha, a revista, lobo se vestindo de cordeiro. Mas o lobo está no conteúdo. Não perco meu tempo lendo matéria nenhuma, mas conferi o índice e fiquei (tolamente) curioso sobre uma sessão intitulada blogosfera. Para quê? Eles reproduzem ali um trecho do blog do Reinaldo Azevedo, e de um comentarista de seu blog. O título é: país dos assassinos impunes. Mas o trecho não fala de Pimenta Neves, homicida confesso que matou fria e calculadamente a sua jovem namorada, a jornalista Sandra Gomide. Não, claro que não. O texto acusa o pai de Eloá, a menina morta recentemente em São Paulo com um tiro na cabeça, por seu ex-namorado. O pai de uma menina que acaba de ser assassinada! E por incompetência notória da polícia de São Paulo. Incompetência tão brutal que nem a mídia corporativa, caninamente serrista, conseguiu esconder. A preocupação em blindar o governador José Serra atinge tal paroxismo de ridículo e desespero, que o pai da vítima, um sujeito já destroçado pela morte brutal de sua filha, agora é perseguido pela mídia por um crime que cometeu em Alagoas, há muitos anos, e sobre o qual a imprensa possui escassa informação. Um crime talvez político, talvez em legítima defesa, não sei. O que me espanta é a despudorada tentativa de desviar a atenção do público de uma colossal incompetência de hoje para um crime antigo. Para mim, o pai da Eloá deveria inclusive ser anistiado pela Justiça brasileira, em paga ao sofrimento de ter sua filha morrido de forma tão estúpida nas mãos de um jovem imbecil. Se o Pimenta Neves nunca foi preso por ter matado uma jovem jornalista, bonita, pura e inteligente porque o pai de Eloá, que acaba de ver sua filha ser morta pela inépcia da polícia serrista, deve sê-lo por matar um delegado?

E tudo isso depois da mídia, Globo à frente, ter dado, por incrível que pareça, um final feliz à tragédia da família Eloá. O confete jogado sobre a doação dos órgãos da vítima pode ter o efeito positivo de estimular outras famílias a seguirem o mesmo exemplo, mas é um caso inédito na tv brasileira e só ocorreu quando a reputação de José Serra se viu sob suspeita.

Os fariseus, vocês lembram, eram uma seita judaica, da época anterior e contemporânea à Cristo, que se caracterizava pelo excessivo (e apenas aparente) rigor no cumprimento às normas escritas. No Velho Testamento, e depois na literatura ocidental, os fariseus foram imortalizados como símbolo da hipocrisia, do individuo que aparenta ética e santidade, não a tendo. Vendo a indignação de Reinaldo Azevedo para com a impunidade do pai de Eloá, não posso deixar de compará-lo aos velhos fariseus de sempre. Os quais, dizem os livros sagrados, tanto sofrimento trouxeram à humanidade, que acabaram condenados, por Deus, à danação eterna.

25 de outubro de 2008

Pré-análises eleitorais

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Entendo que a disputa pelas prefeituras faz parte de uma luta política maior, mas creio que, para a esquerda brasileira, o que ela conseguiu já está de bom tamanho. Terminado o segundo turno, poderemos fazer análises mais aprofundadas; já se pode afirmar, porém, que os partidos de esquerda cresceram de maneira formidável no primeiro turno. Por outro lado, reportagem publicada hoje pela Folha sinaliza que os partidos de oposição devem perder este ano, mesmo vencendo em SP, mais de 10 milhões de eleitores. O PSDB deverá governar 16 milhões de eleitores a partir de 2009, uma boa queda sobre os 22 milhões de eleitores atuais. Enquanto isso, o eleitorado do PT deve subir de 17,7 milhões hoje para 19,6 milhões em 2009, consolidando-se como o segundo maior partido brasileiro, depois do PMDB. O DEM, que já chegou a governar 25,7 milhões de pessoas em 2004, liderando o ranking dos partidos, deverá iniciar 2009, caso ganhe o pleito em São Paulo, administrando 16,9 milhões de eleitores.

Quanto à Gabeira, notei divisão entre meus leitores, embora a enquete do blog tenha apontado vitória esmagadora de Eduardo Paes (50% Paes, 14% Gabeira e 35% Nenhum dos dois). Permitam-me um clichê: respeito a opinião de todos, seja quem vota em Kassab, Paes, Gabeira, ou Crivella. Não acho que ninguém é pior ou melhor porque vota na esquerda ou na direita. Ao contrário, já topei com muito mau caráter de esquerda.

É preciso entender que, mesmo Kassab ganhando, ele terá duas opções: ou faz um bom governo, que contemple também as camadas mais humildes, ou sua gestão representará a pá de cal sobre o túmulo que o Partido dos Democratas, o DEM, vem cavando para si nos últimos anos, com sua defesa aloprada de magnatas, banqueiros e donos de jornais. Se ele optar pelo primeiro item, ótimo. Não torço, a priori, contra governo nenhum. Seria ótimo que DEM e PSDB aprendessem com seus erros e se mostrassem realmente capazes de realizar políticas públicas de qualidade. A direita, em todo mundo, é nacionalista (na maior parte das vezes de forma burra, xenófoba e preconceituosa) e defende a classe média baixa (embora de forma hipócrita e eleitoreira). Só aqui no Brasil temos essa direita entreguista e elitista.

Venho martelando que o tratamento maternal midiático aos partidos de estimação (PSDB e DEM) infantiliza-os e debilita-os moralmente. José Serra, por exemplo, não pode exercer o sagrado direito (e a diversão) de lutar o bom combate político, defendendo suas idéias junto à sociedade, porque a mídia alinha-se em torno dele com tal ferocidade e submissão, que ele se cala, tolamente satisfeito. Parece um príncipe chinês preso na Cidade Proibida. Aquela de culpar PT e CUT pela greve (e o embate com a PM) da Polícia Civil de São Paulo, por exemplo, merecia longos editoriais e reportagens mostrando que o movimento agiu sem interferência partidária, e que a busca por culpados "externos" revelava infantilismo político do governador e falta de capacidade negociadora, um defeito capital para um governador, ainda mais se tratando de funcionários de seu próprio governo. A falta de crítica mina governos, porque eles não se vêem obrigados ao aperfeiçoamento constante. Lembram do caso dos cartões corporativos? Assim que se descobriu que o volume de recursos dos cartões corporativos usados por funcionários do governo do estado de SP era muito superior ao de todo o governo federal, a mídia calou-se. A desculpa, hilária, gaguejante, dos militantes tucanos, era de que se tratavam de cartões de débito, e não de crédito, como os usados pela turma do Lula, como se fizesse alguma diferença, já que tudo é computado na mesma lista com duas colunas, gasto e receita. Serra se calou sobre o buraco de metrô e nunca foi cobrado pela mídia. Com isso, Serra não se desenvolve politicamente. Somente o exercício de ser exposto à crítica aperfeiçoa a técnica retórica e dialética, qualidade essencial para o sucesso, não só eleitoral, mas também administrativo, de um bom político.

No Rio, voto Paes, pelas razões já apresentadas, mas a maior parte das pessoas que conheço votarão no Gabeira. Um leitor achou ridiculo eu criticar Gabeira por ele ter "virado a casaca", saindo do PT e se tornado ferrenho opositor, alegando que Eduardo Paes fez o mesmo, mas no sentido contrário. É verdade, mas eu sempre soube que o Eduardo Paes tem seus problemas. Tanto que cheguei a cogitar dar meu voto ao Gabeira. O importante, todavia, é as pessoas observarem quem está por trás dos candidatos, qual o seu "entourage". Lembrei também que Gabeira apoiou a candidatura de César Maia em 2004, o que reforça a minha crença de que sua administração representará a continuidade da gestão atual.

A casa e o pesadelo da realidade

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Por falar em músicas de infância, outra que me marcou foi essa:

Era uma casa muito engraçada
não tinha teto não tinha nada
ninguém podia entrar nela não
porque na casa não tinha chão
(...)
Mas era feita com muito esmero
na rua dos bobos número zero

O autor é Vinicius de Moraes, o que me levou, mais uma vez, a lamentar a sorte atual de nossas crianças, condenadas a ouvir Xuxa, e a pesquisar no youtube, e encontrar Frank Sinatra cantando Água de Beber. Mas voltando ao tema casa, hoje Clovis Rossi, em sua coluna na Folha de São Paulo, nos vem com a seguinte nota:

A crise e a casa tomada

MADRI - Coube a um escritor a melhor descrição da crise, noves fora a catarata de números e de expressões esotéricas como "swaps reversos". Trata-se do mexicano Jordi Soler, radicado em Barcelona, da qual emigraram seus pais. Em artigo para "El País", Soler recupera o conto "Casa Tomada", do argentino Julio Cortázar, para explicar tudo. É a história de dois irmãos quarentões que vivem em uma casona herdada, têm um cotidiano banal, "uma vida quase perfeita". Até que um dia, do fundão da casa, ao qual nunca iam, vem "um ruído impreciso e surdo, como o de uma cadeira caindo sobre o tapete ou um sussurro de conversa". O irmão avisa a irmã: "Tomaram a parte dos fundos". Aos poucos, vão tomando o resto até encurralá-los na garagem. Pois é, a crise é assim. Sujeito oculto, sem rosto, mas invasivo. No começo, tomou a parte dos fundos (a crise das hipotecas subprime). Foi avançando, avançando e já sufoca agora a parte da casa -os países ditos emergentes- que todos, governantes e palpiteiros, diziam estar absolutamente blindada.

O mundo parece encurralado. Alguns países na garagem, outros no porão, terceiros em cantos ainda confortáveis (China e seus 8% de crescimento, por exemplo), um completamente exangue (a Islândia). O pior é que ninguém sabe até onde irá o sujeito sem rosto, mesmo porque todos os sábios que faziam previsões desistiram de fazê-las -o que é, aliás, o único ganho com a crise. Não li o conto de Cortázar para poder saber como é o final e se a crise tende a ter desfecho idêntico.

Mas li o texto de Soler, que termina assim: "Damas e cavalheiros, a casa está oficialmente tomada. Mas por quem?" Será que pelo menos isso os sábios poderiam se dignar a responder -ou se sentem cúmplices?



A Folha caiu-me em mãos hoje por mais uma dessas promoções grátis. Assim como Veja. Só que, no caso da Veja, eu já liguei para a Abril dizendo que irei processá-los se continuarem me enviando esse lixo. Li a coluna do Rossi e imediatamente procurei o livro na estante, um original comprado em Buenos Aires, sobrevivente à recente "limpeza comercial" sofrida por minha bibioteca, e reli o belo e misterioso conto do argentino Julio Cortázar. Também li o artigo do mexicano, "radicado em Madri, da qual emigraram seus pais", Jordi Soler.

Notei uma diferença profunda, metafísica, entre o enigmático e humanista conto de Cortázar e as tolas divagações de Jordi Soler e os medíocres comentários de segunda mão de Rossi. Eles se restrigem a lamentar, infantilmente, a crise mundial, protestando contra todos que não explicam a eles, coitadinhos, o que ela significa. Rossi conclui sua nota culpando, da forma mais obscura e caricata, "os sábios". Que sábios são esses, Rossi não diz. Rossi veste, mais uma vez, a máscara de "jornalista inocente". O escritor, em sua coluna, é mais direto, mais assertivo, e culpa o mercado financeiro, que arrasta o mundo em suas apostas de alto risco. Ele cita ainda o romance Fogueira das Vaidades, de Tom Wolfe, como umas obras que podem explicar, ou ajudar a entender, o que acontece hoje. De fato, esse livro, que eu li, é muito bom, sobretudo por mostrar jornalistas venais que pisam em qualquer escrúpulo para chamar atenção de seus chefes.

Interpreto o mesmo conto de Cortázar de uma maneira bem diferente. O casal de irmãos, residindo na casa aos poucos tomada por forças misteriosas, tinha uma vida irritantemente ociosa e vazia. Viviam de renda de suas terras. O irmão lia livros franceses, não escrevia nada. A mulher tricotava o dia inteiro. Não tinham relações afetivas, sexuais, políticas, sociais, com ninguém. Viviam isolados do mundo e da realidade moral do mundo, como Adão e Eva. A casa tomada é uma metáfora. Quem invade a casa? Ora, a vida, as forças da vida, as vicissitudes, a consciência, a dor, o pecado. Ao final, a casa é totalmente tomada pelas forças e eles saem para rua, obrigados a conhecer o mundo. O final, embora escrito em tom melancólico, aponta um caminho de liberdade. Quantas vezes, na vida, sentimo-nos encurralados e forçados a tomar decisões que, ao cabo, revelam-se libertadoras?

A casa foi tomada, sim, caro Clovis Rossi, caro Jordi Soler "radicado em Barcelona, da qual emigraram seus pais" (informação fundamental tão generosamente cedida por Rossi; não soubéssemos de onde emigraram os pais de Soler, como poderíamos continuar vivendo?). A casa do mundinho neo-capitalista caiu, e não adianta chorar, ou fingir chorar para agradar seus patrões, senhor Rossi. Ser pessimista ganhando quinze mil reais de salário da Folha é fácil, senhor Rossi. Já eu, eu e milhões de brasileiros, temos dificuldades demais para nos darmos ao luxo de embarcamos em seu pessimismo blasé de elite em decadência.

Quem tomou a casa foram os países em desenvolvimento, cuja produção de riqueza e trocas comerciais já superaram a dos países desenvolvidos. O Brasil, eu já mostrei neste blog, exporta mais para a América do Sul do que para os Estados Unidos. A casa tinha que ser tomada, porque a vida se insinua, subrepticiamente, em todos os cômodos da existência, em todas as moitas desse vale de lágrimas, expulsando os ociosos para as ruas, onde conhecerão a verdade nua e crua da vida, o pesadelo da realidade, nos versos punk do Tolerância Zero. Talvez a casa tomada, prezado Rossi, seja aquela sem chão, sem teto e sem parede, cantada por Vinicius de Moraes e que, segundo o poeta, situava-se no início da ruas dos bobos, ali bem pertinho da Barão de Limeira.

Crônica de agradecimento e loucuras (eternamente) juvenis

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Quero agradecer a todos leitores pela força que dão ao blog, assinando-o, lendo-o, divulgando-o, assinando a revista impressa, fazendo doações. Recentemente, divulguei aqui que estava precisando de uma cadeira ergonômica, por causa de meus problemas de coluna, que custa R$ 250,00, e um leitor fez uma doação neste exato valor. Estou comprando a cadeira hoje, o que me permitirá trabalhar sem dores no braço e ombro, e, portanto, escrever mais e melhor.

Em virtude de vossa confiança, quero esclarecer alguns pontos. Larguei meu emprego fixo para ter mais tempo para me dedicar aos textos que escrevo neste blog. Esta é a razão básica pela qual tenho escrito mais. Acho aconselhável, prudente e, em alguns casos, até necessário, que um blogueiro tenha um emprego estável e fixo que garanta a sua subsistência. Há casos, porém, em que o indivíduo deve concentrar suas energias num só objetivo, com vistas a ser mais eficaz e alcançar a meta desejada.

Completo minha renda com free-lances para revistas. Ofereço meus préstimos para quem precisar, desde que paguem decentemente e dêem-me liberdade para escrever. A vida de blogueiro independente, no entanto, só é aconselhável para quem possui: 1) disposição; 2) talento; 3) gosto pelo debate; 4) tempo livre; 5) coragem para defender suas idéias. Os três últimos itens são fundamentais porque a blogosfera, à diferença do suporte livro tradicional, nunca será apenas um espaço de expressão estética, mas também, quiçá principalmente, uma arena de debate, para todos os temas: artes visuais, cinema, politica e culinária.

Estou enchendo o blog de anúncio para ser mais independente, pois a independência política, tanto de um país quanto de um jornalista, é proporcional a seu grau de independência financeira. Esse tipo de publicidade na internet oferece a oportunidade de uma relação transparente e higiênica entre anunciante e meio de comunicação. O anunciante não interfere no trabalho do comunicador. Não preciso, como num jornal impresso, defender os banqueiros para ter seus anúncios. É um processo robotizado, limpo, impessoal, neutro. Isso não significa ganhar muito dinheiro, mas o mercado convencional para o jornalista (nem falo do escritor) já é tão fechado, que especialistas estão mesmo indicando as vias alternativas. De que adianta ser colunista da Folha de São Paulo ou do Globo, ganhar R$ 400 por matéria (eles pagam muito mal) e sofrer coações, tácitas ou não, ideológicas & estéticas? O resultado é que a maior parte dos formandos hoje visam antes passar em concursos para Petrobrás do que venderem seus corpos para o Ali Kamel.

Os únicos colunistas que ganham realmente bem, e teriam, em tese, maior independência de opinião, são: Arnaldo Jabor, Veríssimo, João Ubaldo Ribeiro, Elio Gaspari. Só. Quatro cidadãos num mar de 300 mil jornalistas. Porque publicam a mesma coluna em dezenas de publicações diferentes. Mesmo assim, nota-se em seu texto, às vezes, uma tensão melancólica, um peso angustiado e, por fim, um tom aborrecido, de quem não tem liberdade suficiente para escrever o que de fato pensa.

Outro dia lembrei uma canção que ouvia na infância, do disco do Saltimbacos: "nós gatos já nascemos pobres / porém / já nascemos livres". É isso. Tenho orgulho de ter largado meu emprego, e estar, pela primeira vez na vida, dedicando-me totalmente ao que gosto de fazer, que é escrever e pensar. Pobre, mas livre, o que é uma sensação realmente poderosa. O que sinto, às vezes, caminhando pelas ruas, podendo pensar e escrever qualquer coisa, é um sentimento de glória. Mas que ninguém se empolgue, é resultado de décadas de leitura, renúncia, privação, risco e, por fim, sem nenhuma perspectiva de estabilidade finaceira pelas próximas décadas. Claro que, para isso, é preciso tomar algumas providências. Primeiramente não ter filhos. A pessoa que tem filhos assina um atestado de dependência eterna: nunca será livre. Falo de escritores, esses miseráveis vaidosos, condenados a um destino de pobreza, desespero e frustração e suas contra-partidas: venalidade, hipocrisia, cabotinismo e mediocridade. Ter filhos deve ter suas vantagens existenciais, mas não para um escritor, para um jornalista independente. Não para mim, pelo menos.

Segundo ponto, e esse talvez seja o mais socialmente cruel: é importante ter um apartamento próprio ou resignar-se a morar, definitivamente, com seus pais ou avós - sendo que, neste caso, é melhor permanecer solteiro. Pagar aluguel é a carga mais pesada e insuportável que um cidadão pode carregar. O aluguel deveria ser proibido nas grandes cidades. Donos de imóvel deveriam ou vender ou morar neles. Taí uma lei quue provocaria uma demanda constante para o mercado imobiliário. Isso ou então viver em pensões ou hotéis, outra opção bastante razoável, desde que houvesse, de fato, pensões e hotéis a preços compatíveis com a renda do brasileiro, quer dizer, do escritor pobre, do jornalista independente, do blogueiro.

Tenho consciência de meus limites, meus defeitos, alguns dos quais sei que carregarei comigo até o fim dos tempos. Outros talvez consiga superar. Há defeitos que manterei, com orgulho, e alguns consumir-me-ão anos de luta inglória, resultando quiçá apenas em cansaço e desalento.

O que eu preciso, portanto, em primeiro lugar, é continuar orando ao deus íntimo que zela por mim (que é, enfim, o velho e bom Deus de sempre, somente um pouco mais cínico e bem vestido) que continue enviando-me centelhas de razão e criatividade.

Quanto ao combate político, não tenho outra ambição do que contribuir, na medida das minhas possibilidades, para elevar o nível intelectual dos debates promovidos na blogosfera. Tenho ciência das minhas limitações enquanto agente político, já que não sei falar em público, minha paciência para ouvir o contraditório é restrita ao tecnicamente necessário para não ser acusado de anti-democrático, e meu comportamento intelectual é deliberadamente anárquico, confuso, apaixonado, subversivo e tendencioso - o que não são exatamente qualidades, antes são espíritos de anjos e demônios que levam-me a beber cerveja ou ler romances policiais baratos com intensidade exagerada. Nada que um bom banho, um café forte, uma corrida no Aterro, e algumas horas de William Faulkner não resolvam.

23 de outubro de 2008

Notas de uma tarde quente

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Assisti ao filme Antes que o diabo saiba que você está morto, de Sidney Lumet, um diretor das antigas de Holliwood (tem uma filmografia de mais de 69 filmes). Peguei na locadora atraído pela participação de Philip Seymour Hoffman, de quem sou fã. O filme conta a história de dois irmãos que decidem roubar a pequena joalheria de seus pais. Marisa Tomei aparece deslumbrante. Mas a trama débil, a trilha sonora enjoada e a choradeira incessante do personagem de Ethan Hawke estragam a refeição.

*

O avô de minha esposa, seu Zé, tem mais de oitenta anos e uma lucidez e saúde de quarenta. Outro dia, ele me contava que os ladrões, no seu tempo (o que significa algo entre 1930 e 1960), comportavam-se de uma maneira totalmente distinta: com vergonha, sem olhar nos olhos do assaltado, falando com voz baixa e constrangida. Hoje não. O ladrão aborda a vítima com altivez e orgulho. O trabalhador é que abaixa os olhos, humilhado, resignado, pensando nos filhos que ficariam órfãos se ele decidisse reagir.

*

O meu irmão fez uma entrevista, em 2005, muito boa com o jornalista Mauro Santayana, que ainda está inédita. Ele pensava em usar num documentário sobre a ditadura militar, mas o filme não saiu e eu o convenci a publicar aqui no blog. Em breve. O tema da entrevista é sobre os chamados "anos de chumbo". Santayana disse que até hoje as pessoas não sabem o que realmente acontecia na ditadura, porque, como a imprensa era censurada, tinha-se a impressão de que as coisas estavam em ordem. Na verdade, a miséria e a violência crescia exponencialmente nas grandes cidades. Trabalhadores saíam em grupo para não serem assaltados, porque até a suas marmitas eram alvo de cobiça. Mas nada saía no jornal. Por isso hoje há quem se lembre daqueles tempos como uma época de "ordem", quando não havia essa "baderna" e "corrupção" que hoje vemos diariamente em jornais e tv.

Santayana lembrou também que, nos anos 50, um navio chegava ao Brasil de quinze em quinze dias trazendo gasolina. Se aquele navio atrasasse, o país parava, sem combustível. Essa era a dependência terrível que Vargas conseguiu romper criando a Petrobrás.

*

O Globo e a mídia em geral receberam a notícia da Medida Provisória que dá mais poder aos bancos estatais com perplexidade e a paranóia anti-comunista de sempre. Mas o pior foi chamar o plano de Proer, na tentativa canhestra de colar em Lula a imagem de amiguinho de banqueiro, queimando-o junto à esquerda mal informada e os festivos radicais. O plano, todavia, nada tem a ver com o Proer, que para quem não lembra significou doação de dinheiro público para diversos bancos em crise. A medida de Lula prevê compra de ações, estatização parcial, copiando a fórmula de sucesso usada por Europa e EUA. É uma medida inteligente porque o governo pode comprar ações a preço baixo e revendê-las, posteriormente, com lucro, gerando ganhos para o Tesouro e, portanto, para o contribuinte.

Inflorescências

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A manhã infloresce,
amarela, azul, como um monstro
de alegria e dores abortadas,
crianças salvas
de acidentes trágicos.

A manhã implode
de esperanças tolas,
mordentes, imensas
como doce-de-leite
& crimes cometidos
em legítima defesa.

Além dos horizontes
sanguinolentos
além dos mares
discretamente assassinos
a mentira
o sorriso
o amor
cintilam sem euforia
drogados
que choram & juízes
corruptos & apavorados
diante do fim louco

a manhã desflora
& mata os vermes
nascidos à noite
vícios antigos
exílios sem cor
paixões
sem aurora

a manhã terminou
num sol franco
e viril
queimando-me a cara
fazendo-me feliz
insanamente feliz
como um bicho
olhando pro sol

Sobre a publicidade no blog & otras cosas

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Botei uns anúncios no blog, vocês viram. Espero que eles não atrapalhem a leitura nem agridam vossos olhos. São uma forma de financiar o meu trabalho por aqui, o qual pretendo desenvolver muito. Eu ganho uma pequena comissão sobre as vendas feitas a partir desses sites. Em alguns casos, um simples clique num anúncio já me rende alguma coisa. Aproveito para lembrar que edito a revista impressa Manuskripto, publicação mensal com textos meus e de colaboradores. A assinatura anual custa R$ 48, incluindo as despesas de correio.

*

Queria comentar outra coisa. Viram o vídeo postado aí abaixo com a reportagem do CQC sobre o lançamento do livro de Reinaldo Azevedo? É hilário, mas a importância desse vídeo vai além disso. Observaram as personalidades presentes? José Serra e Jorge Borhausen, entre os mais conhecidos. Agora fica bem claro a inclinação à direita do governador José Serra.

O André Lux divulgou recentemente um email de um colega seu de infância, um policial civil, um cara totalmente anti-petista, em que ele reage com perplexidade à acusação de Serra de que o PT, CUT e Força Sindical estariam por trás dos conflitos ocorridos entre Policia Civil e Polícia Militar. O mais impressionante, porém, é a blindagem midiática em torno do governador de São Paulo. Nínguém contestou a afirmação absurda. Ao contrário, os jornalões paulistanos tornaram-se submissos porta-vozes da opinião serrista.

A imprensa conservadora pensa que, agindo assim, ajuda Serra a não perder popularidade, mas, na verdade, ela o debilita, porque não o expõe ao bom combate político. Serra, assim como outros figurões do PSDB, não se desenvolvem politicamente. Suas personalidades atrofiam, infantilizam-se, em virtude do tratamento acrítico que recebem da mídia. A direita brasileira é medrosa e mimada, e se continuar sendo acalentada maternalmente pelos meios de comunicação não conseguirá superar esses defeitos. Assim como muitos pais estragam, ou mesmo destróem, a personalidade de seus filhos quando os tratam com zelo excessivo, quando não os tratam como seres humanos e sim como bichinhos de estimação, a mídia latino-americana debilitou moralmente as classes políticas conservadoras.

É uma lei da natureza. Uma de suas leis, creio eu, mais belas, mais justas. O ser humano se desenvolve e cresce na adversidade. Na política não podia ser diferente. Perseguida, humilhada, atacada, caluniada, diariamente pelos poderosos meios de comunicação, a esquerda exercita-se na luta, melhora suas técnicas de combate ideológico. A essência da política, afinal, assenta na luta ideológica - uma luta que alguns espertinhos tentam ganhar sem lutar, no tapetão, decretando cinicamente o fim das ideologias. Se fizessem uma pesquisa, veria-se que o Globo usa o termo ideologia semppre (99% das vezes) com sentido negativo, confundindo ideologia com sectarismo e tacanhice. Esses ataques globais, contudo, revelam-se contraditórios, incoerentes, já que é o próprio Globo que se torna, cada dia que passa, mais insuportavelmente ideológico, e desta vez no senso pejorativo mesmo.

*

Aos leitores que às vezes aguardam impacientemente uma resposta minha à um email, lembro que eu costumo passar longas horas fora do computador, sem acessar a internet, geralmente na rua e, portanto, peço-lhes um pouco de paciência.

*

Para tudo ficar perfeito agora, só falta uma cadeira ergonômica, que custa uns R$ 250,00. Quem puder ajudar, basta clicar no link abaixo:







22 de outubro de 2008

Por que não voto em Gabeira

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Agora as coisas estão mais claras, mais definidas. Anteontem, no mesmo dia em que as centrais sindicais alinharam-se em torno da candidatura de Eduardo Paes, o deputado federal Fernando Gabeira foi recebido com honra e festa pelo Clube Militar, aquele antro de generais de pijama, direitistas até no pêlo das axilas. Os militares entrevistados admitiram que o apoio à Gabeira, ex-sequestrador de diplomatas, era algo "inusitado". A explicação seria o empenho de Gabeira em lutar contra a corrupção. Lacerdismo em estado puro.

Ficou bem mais fácil agora. A eleição polarizou-se. E daí que os artistas globais votam em Gabeira? Quando Lula tinha apoio de todos os artistas da televisão, quando todos cantavam juntinhos e felizes e esperançosos a musiquinha lulalá brilha uma estrela, lulalá, o Lula só perdia eleição. Em 2006, quando já nenhum artista global arriscava-se a apoiar abertamente Lula (os que o fizeram foram escancaradamente perseguidos e humilhados em praça pública, como Wagner Tiso, Paulo Betti, etc), aí que Lula registrou sua vitória mais esmagadora.

Como dizia Nelson Rodrigues, toda unamidade é burra. A unanimidade da classe artística em torno de Gabeira é burra. Quem é Fernando Gabeira? Andei folheando seus livros. Amontoado de besteirol. Mesmo o famoso Que é isso, companheiro? não passa de uma suposta crítica ao "machismo" da esquerda. Que fez ele como deputado federal? Fernanda Torres aparece na TV afirmando que uma das melhores contribuições do Rio ao país foi ter eleito Fernando Gabeira como deputado federal. Ela esqueceu, porém, de dizer o seguinte. Gabeira não ganhava eleição pelo PV, então mudou para o PT, ganhou as eleições, e saiu do PT meses depois. Elegeu-se com dinheiro e recursos do PT, e mal assumiu seu cargo tornou-se o mais feroz inimigo do partido e do governo que o tinha eleito. Vira casaca e traíra. Seus discursos contra a corrupção sempre foram seletivos. Votou a favor da reeleição golpista de FHC. Onde estava o paladino da ética quando FHC vendeu a Vale por 1 bilhão de reais em moedas podres?

Um rapaz abordou Gabeira na rua e cobrou o apoio que ele deu à privatização. Gabeira respondeu o bordão tucano: "você tinha celular antes?". Ora, ninguém tinha celular antes da privatização, certo. E sabe por que? Porque o celular não fora inventado!

Na verdade, nem sou contra a privatização do sistema telefônico brasileiro. Mas tenho certeza que o governo poderia ter exigido uma série de contrapartidas, sendo a principal delas estabelecer preços de ligação mais baixos. Certo, todo mundo tem celular hoje. Mas ninguém pode fazer ligação, ahaha. A ligação é tão cara, que 90% das pessoas que possuem celular apenas recebem. A ligação de celular pré-pago custa mais de R$ 1 por minuto. De vez em quando eu ponho uns R$ 20 no meu celular. Dura dias, e aí fico meses apenas recebendo. Meus amigos têm celular, mas quase ninguém liga para ninguém. Todo mundo com seu celular "pai-de-santo", que só "recebe".

A propaganda de Gabeira só tem musiquinha. E Arnaldo Jabor me vem com mais um de seus flatulentos artigos: que Kassab e Gabeira são o equivalente ao fenômeno Obama! Tenha dó! O apoio midiático e da direita à candidatura da direita e a submissão sexual da classe artística me enojam.

Em relação às drogas, vocês acham que Gabeira irá fazer qualquer coisa que vá de encontro ao seu novo eleitorado conservador? A última posição realmente corajosa sobre as drogas foi tomada por Sérgio Cabral, governador do estado do Rio de Janeiro, Pmdbista e apoiador de Eduardo Paes, que afirmou recentemente, e repetiu diversas vezes depois, que é favorável à legalização das drogas. Não descriminalização. Legalização mesmo. E Gabeira, falou alguma coisa? Nada. Gabeira tem como certo o apoio dos milhões de cariocas, jovens ou não, que orbitam em torno da cultura da maconha. Mas essas pessoas são ingênuas. O próprio Gabeira afirmou que Sérgio Cabral tem uma posição "excessivamente" liberal em relação às drogas.

Eduardo Paes tem sido muito mais substantivo que Gabeira sobre um problema que aflige imensamente os cariocas: a saúde pública. Enquanto Caetano canta cidade maravilhosa, Paes promete abrir Unidades de Pronto Atendimento (UPA) em todo município. Além disso, há o fator político. Gabeira assumiu sua posição há tempos. É mais um garoto propaganda do PSDB. E assim continuará. Sua vitória no Rio fortalecerá a plataforma de campanha de José Serra em 2010.

Ontem eu quase vomitei ao ler a seguinte notícia: que os médicos do município não recebiam salário há dois meses, sendo essa uma das razões da paralização do atendimento no hospital Miguel Couto, o segundo maior da cidade. E o mais absurdo é que os médicos não pagos são os contratados pelo regime privatista de cooperativa, essa invenção tucana que enriquece dois ou três donos de cooperativa e empobrece os milhares de médicos que trabalham dia e noite para salvar vidas. A prefeitura admitiu o atraso e disse que ocorreram "problemas administrativos". Ora, problemas administrativos é o caralho! É falta de vergonha na cara atrasar salário de médico! Ainda mais médico de emergência! De médicos que já sofrem por serem contratados sob o regime precário e inseguro de cooperativa, em vez de serem, como deveria ser, admitidos como funcionários públicos, com todos seus direitos trabalhistas garantidos.

E sabe quem é responsável, desde que César Maia surgiu no horizonte político carioca, pela área de saúde pública no Rio? O PSDB. Na verdade, Gabeira representa simplesmente a continuidade. Seus quadros serão os mesmos do atual prefeito, pois o PV também fazia parte da gestão Maia. O maior nome do PV no Rio, Alfredo Sirkis, é homem do César Maia. O PSDB tem sido, há anos, aliado de César Maia.

Essas são as razões para eu não votar em Gabeira, e sim em Eduardo Paes. Quando eu lembrar de outras, escrevo aqui.

Voto Eduardo Paes

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Finalmente decidi. Eduardo Paes. Gabeira é a direita, a esquerda festiva, classista, alienada e hipócrita. Depois explico.

21 de outubro de 2008

América do Sul já é destino mais importante que os EUA para as exportações brasileiras

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Durante a vida inteira trabalhei como jornalista econômico. Poeta, jornalista e blogueiro. Levei, por muitos anos, uma existência dividida em compartimentos estanques, inteiramente separados. Como se fossem diferentes personalidades. Estou tentando, nos últimos tempos, unir minhas experiências, e realizar um trabalho mais conciso, mais uno, mais integrado. Apenas blogueiro. Reunindo todos os meus talentos. Não quero jogar fora, por exemplo, minha experiência em pesquisar, elaborar e analisar estatísticas.

Então hoje fui lá no Sistema Alice, um banco de dados on-line alimentado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), que traz números atualizados mensalmente sobre as exportações e as importações brasileiras. Deparei-me com situações interessantes, com implicações políticas e geopolíticas. Sabia que a América do Sul já importa muito mais do Brasil do que os Estados Unidos? Nos últimos 12 meses até setembro, as exportações brasileiras para a América do Sul totalizaram 38,18 bilhões de dólares, com valor médio de US$ 1.455 a tonelada. No mesmo período, os EUA importaram, do Brasil, um total de 28,23 bilhões de dólares, com valor médio de US$ 957 a tonelada. Ou seja, não só nossos vizinhos hoje são muito mais relevantes para a balança comercial brasileira do que os EUA, como importam produtos com maior valor agregado.

Olha que estou contando apenas a América do Sul. Nem contei o Caribe e a América Latina como um todo. As vendas brasileiras para América Latina e Caribe atingiram 50,19 bilhões de dólares, com preço médio de US$ 1.183 a tonelada, ou 25,8% do total das nossas exportações. A participação dos EUA em nossa balança comercial, nos últimos 12 meses, ficou em 14,5%; em 2001/02 (mesmo período Out/Set) era de 26%.

Analisando apenas por país, todavia, os EUA ainda ocupam o primeiro lugar entre os principais destinos das exportações brasileiras, importando 27,99 bilhões em Out/Set 2007/08, um aumento de 90% em seis anos. Mas vale notar que a Argentina já ocupa o segundo lugar, e importou 17,85 bilhões no mesmo período, aumento de 595% sobre 2001/02.

Note que pequenas e pobres nações, tão comumente subestimadas por nossos colunistas econômicos, ampliaram de maneira excepcional suas compras de produtos brasileiros. Angola, por exemplo, importou o equivalente a US$ 1,71 bilhão do Brasil, pagando um valor médio altíssimo, de US$ 1.689 a tonelada, com aumento de 917% em seis anos. Isso quer dizer que Angola vem comprando produtos brasileiros de alto valor agregado, como auto-peças, reatores nucleares, móveis e maquinários em geral, e não apenas, como os EUA, petróleo cru, minério de ferro e madeira. As vendas de produtos manufaturados para os EUA não registrou aumento significativo nos últimos anos – o que aumentou mais foi a exportação de petróleo, que cresceu 509% desde 2001/02.

Abaixo publico quatro tabelas, referentes às observações que fiz. A primeira, com as exportações brasileiras por bloco econômico; a segunda, por países-destino; a terceira, para Angola; e a quarta, para os EUA. Clique nas imagens para ampliar.








Pelo voto universal

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Mauro Santayana é um dos jornalistas que mais admiro atualmente, pela elegância e argúcia de seu texto. Hoje o Paulo Henrique Amorim reproduziu sua coluna no Jornal do Brasil. Selecionei o trecho abaixo. Depois comento.


Santa Bárbara, próxima de Belo Horizonte, fica nas encostas da Serra do Caraça. É vizinha do mais famoso educandário da província, em que estudaram algumas das personalidades políticas mais destacadas em seu tempo, como Affonso Pena e Arthur Bernardes. Recordo-me de velho comerciante do lugar, Saulo ou Paulo, não me lembro bem, porque conversamos por acaso. Era véspera eleitoral, e lhe perguntei se iria votar no PSD ou na UDN. Ele me disse que estava pensando. “Pensando nos candidatos”?

- “Não, menino, pensando no mundo”. E me disse de suas preocupações, que vinham de Eisenhower, presidente dos Estados Unidos, a Juscelino, então governador do Estado, passando por Getúlio, já sob o tiroteio da oposição. – “Meu votinho pode não valer de nada para o mundo, mas vale para mim mesmo. Não quero ficar arrependido, por isso ainda estou pensando”.

Muitas campanhas recentes, em lugar de mostrar, com transparência, as razões desse ou daquele voto, têm embaçado os problemas do mundo, do Brasil e dos Estados. É engano pensar que a administração do prefeito escolhido esgota-se em si mesma. Ela implica resultados políticos, e todos nós pensamos, todos nós temos idéias, logo é estultice imaginar que as ideologias estão mortas. Enquanto houver a hegemonia de uns sobre os outros – no mundo e dentro das sociedades nacionais – as idéias serão as armas dos injustiçados.

Logo depois das eleições, encontrei-me, novamente por acaso, e em Belo Horizonte, com o interlocutor de Santa Bárbara. Ele votara, como me disse, em Juscelino. “Como, em Juscelino?” – perguntei, já que a eleição fora para prefeito. Explicou que pesara o mundo, pesara o Brasil e pesara Minas. Votara com Minas, pensando no Brasil e no mundo. Votara em uma aliança do então PSD de Minas com o PTB de Getúlio. E foi exatamente essa aliança que levou Juscelino ao governo da República, nas eleições de 1955. Ao olhar pela janela, devemos ver a rua, mas, além da rua, o mundo.


O texto possui um charme antigo, um encanto nostálgico de um tempo em que a utopia por um país melhor não fora tornada cafona, a política era levada à sério, com paixão e inteligência. Mas não caiamos na esparrela melosa de que eram tempos melhores. Não, o Brasil não tinha petróleo nem gasolina, e havia uma massa de milhões de cidadãos ainda excluídos do processo eleitoral brasileiro. Mais da metade da população era analfabeta e a miséria grassava e matava nos sertões com uma violência de peste negra. O jornalismo, porém, ainda tinha um romantismo e, ironicamente, apesar de um mercado consumidor menor, cidades como o Rio de Janeiro possuíam muito mais jornais de boa qualidade. O Globo já era um jornal importante, mas era superado em tiragem e prestígio pela Última Hora, Correio da Manhã e Jornal do Brasil. Havia também a Tribuna da Imprensa e o Jornal do Commércio.

O que me tocou no texto, contudo, foi a singeleza do velho comerciante. Ao meditar em quem votaria para prefeito de uma pequena cidade mineira, Santa Bárbara, ele pensava antes no país e no mundo. Acabou optando por um prefeito aliado à Juscelino Kubischek, estadista que veio a ser fundamental para continuar as reformas iniciadas por Getúlio Vargas.

Na enquete ao lado para saber o melhor candidato para o Rio, noto que a maioria dos leitores do blog estão se dividindo entre o voto nulo e o voto em Eduardo Paes. Os votos neste último são votos pensando no Brasil e no mundo. A ligação de Gabeira com os partidos que representam a direita, o PSDB e o DEM, tem sido determinante para se não votar nele. Santayana nota a leviandade de se pensar que o voto num prefeito não implica em consequências maiores para o país e o mundo.

Confesso à vocês que nunca levei tão à sério uma eleição municipal. Em São Paulo, é fácil. No Rio, a coisa está mais difícil, pelas razões que já apresentei aqui. Muitos leitores vêm argumentando pesadamente contra o candidato Fernando Gabeira. Esse artigo do Santayana mexeu comigo e me fez pensar novamente nas consequências nacionais de uma vitória de uma coligação formada por Gabeira e os partidos da direita na segunda maior cidade do país.

Mercado do sangue alheio

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A morte da moça Eloá pode ter revelado a colossal incompetência da polícia paulista, mas foi sobretudo uma fatalidade muito além da política. Não se pode atribuir a culpa principal à polícia, mas ao criminoso. Dito isto, a tentativa de neutralizar as consequências eleitorais da tragédia, direcionando os holofotes ao transplante dos órgãos, é mais um capítulo patético no romance de horror e decadência dos jornalões. Sabemos perfeitamente bem o que aconteceria se o governador não se chamasse José Serra nem pertencesse ao PSDB. Colunistas, apresentadores, especialistas, articulistas convidados, missivistas, todo o exército midiático entraria em cena para debilitar o político e as instituições políticas responsáveis pela trapalhada sangrenta.

Qualquer leigo agora sabe que a polícia cometeu erros sucessivos e incompreensíveis. Por que não invadiu o apartamento enquanto o sequestrador dormia? Por que permitiu que uma das reféns retornasse ao cativeiro?

*

Entretanto, o caso que mais me deixa perplexo é a tentativa de atribuir a greve dos policiais paulistas e do embate entre eles e a polícia militar ao PT e às centrais sindicais. Afirmando que a greve é "política", Serra denegriu a "política", denegriu a "greve" e denegriu os trabalhadores, seus próprios policiais. Ao acusar a sua própria polícia de fazer um jogo sujo partidário, Serra ofendeu a honra de policiais que arriscam diariamente a sua vida e a vida de suas famílias para proteger 40 milhões de pessoas.

Atacando as centrais sindicais, Serra cometeu um ato falho e expôs sua face autoritária. Ora, qual a razão de ser das centrais sindicais e dos sindicatos senão defender melhores condições de trabalho para seus membros? A reinvidicação por salários independe de período eleitoral. Atribuindo a greve dos policiais ao PT, Serra agiu com má fé porque o PT não manda na polícia paulista. Força Sindical e CUT não mandam na polícia paulista. Ademais, a Força Sindical apoiou o PSDB durante décadas, e particularmente o governador Serra. Paulinho, presidente da Força, apoiou a eleição de Serra para presidente em 2002 e para prefeito em 2006. Contra o PT. Se a Força hoje integrou-se ao campo de forças governistas, é uma vitória legítima do governo Lula, que patrocinou políticas positivas e inovadoras para o sindicalismo brasileiro. Se quer também a boa vontade dos sindicatos, Serra poderia simplesmente fazer um bom governo.

O Estado de São Paulo informou que, caso o governo paulista cedesse às reivindicações dos policiais civis, o custo da folha salarial ficaria em torno de R$ 200 milhões mais caro. Se um banco ou grande empresário (doutor Ermínio de Moraes, por exemplo) apresentasse problemas de caixa, a imprensa não hesitaria em defender ajuda estatal.

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Comédia. CQC cobre lançamento do livro de Reinaldo Azevedo.

Normalizando

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Banda larga de volta. Agora só falta uma cadeira ergonômica, para poder escrever sem dores na coluna. Descobri que o problema no braço vem, na verdade, da postura. Alguma alma caridosa se habilita? Doações na conta mostrada aí do lado. A cadeira custa R$ 250,00.

20 de outubro de 2008

Política X Literatura: a vaidade do preto velho

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Eis um tema que me interessa há bastante tempo, tanto que até enjoei dele. Entretanto, mesmo que não o procure mais, ele vem até a mim, persistente, doloroso. A literatura, segundo eu mesmo, não passa de um nobilíssimo exercício de vaidade, individualista, solitário e divinamente arrogante, um jogo irresponsável, uma aventura suicida e transcendente, um combate obscuro e amoral contra a morte e o tédio, enquanto a política é um vôo de altruísmo, lucidez e sensibilidade social, um teste de coragem, uma luta quixotesca em prol da humanidade e da civilização. Ambos trazem risco, pois não há certezas na política ou nas teorias literárias, apenas fé, pesquisa e amor. Qual a relação, enfim, entre a política e a literatura?

A ligação reside, primeiramente, em quem faz política e escreve literatura: no homem, no sujeito, no escritor enquanto cidadão e no cidadão enquanto artista. Outro ponto que une os dois campos: o uso da palavra e a tentativa de seduzir o leitor. Tanto o escritor como o político querem convencer o leitor de suas verdades, usando contudo ferramentas distintas. O primeiro visa o senso estético, o segundo, o senso ético. As verdades do primeiro são estéticas, subjetivas, captadas pelos sentidos e materializadas na consciência do leitor.

O político, por sua vez, apela ao senso ético do eleitor, usando argumentos que atinjam seu lado racional, mesmo que atravessando seu inconsciente. Eleitores tendem a votar em candidatos com os quais se identificam. Leitores gostam de autores com os quais sentem alguma afinidade.

Os dois campos realizam-se em esferas absolutamente distintas, absolutamente singulares. A mistura entre as duas mediocriza a arte e debilita a política. É o que ocorre quando se vota em candidatos por conta de sua suposta "habilidade" ou "cultura" literária, ou se projeta luz sobre autores utilizando critérios estranhos à arte. Outro dia, folheei um romance de Tariq Ali, escritor paquistanês radicado em Londres, famoso e sagaz intelectual político. Não gostei, no entanto, da ficção política de Ali. Além de enfadonho, não deixa de ser previsível, mesmo onde o autor tenta ser original.

A questão permanece em mim, incômoda, e sinto alívio ao descobrir autores que conseguem unir os dois campos de forma brilhante, como Dostoievski, com todos os seus livros, principalmente em Irmãos Karamazov e n'Os Demônios, e Kafka, n'O Processo. Recentemente, um autor contemporâneo, Philip Roth, chegou perto, em Complô contra a América, um romance que inicia maravilhosamente, desenvolve-se bem, mas termina com um rotundo clichê, resultado da covardia do escritor em afrontar os tabus norte-americanos.

Ao contrário do que pensa o senso comum, a politização do texto literário ocorre, na maioria das vezes, quando o autor omite o fator político, o que é um fenômeno tipicamente brasileiro, resultado talvez de tantas décadas de ditadura militar. Por isso, às vezes se acusa o texto literário contemporâneo, no Brasil, de ser hermético, chato, pernóstico. Trata-se de uma escolha política. Não por ser "difícil" ou "elitista", por "não saber contar uma história". Escreve-se o que se sente, e não segundo um plano deliberado. A literatura vêm das entranhas e dirige-se às entranhas, e há autores de todos os tipos. A crítica destina-se, em verdade, à hierarquia promovida por mídia e curadores de eventos literários, embora não tenha coragem de assumir-se desta maneira - desvirtuando-se assim num ataque aos autores, que não têm culpa por seu hermetismo ou "chatice".

Minha experiência como blogueiro, por exemplo, mostrou-me que o interesse das pessoas pelo texto político também passa por um crivo estético, e por outro lado, os escritores que tentam interferir na política costumam falhar porque subestimam a exigência linguística do leitor não-literário: clareza, verossimilhança, agilidade verbal, persuasão, lucidez. Uma coisa que sempre me aborrece é valoração de textos ou opiniões por conta de serem emitidas por um "nome famoso". Quer dizer, compreendo o fato, compreendo o valor de uma opinião expressa por uma personalidade consagrada por seu trabalho intelectual. Mas o texto literário, e sobretudo o texto político, valem por si mesmos, têm um brilho próprio e parece-me indigno, por parte de leitor e meios de comunicação, criarem uma hierarquia baseada em nomes, e não no valor substantivo e singular de um texto específico.

Imagens da festa de inauguração

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Nova galeria no Rio! O espaço Clarabóia, que reúne artistas plásticos de variadas tendências, inaugurou uma galeria comercial. A festa realizada no sábado durou até altas horas da madrugada, com direito a show do Sideral (foto), perfomances de Justo D'Ávila, Miguel do Rosário tocando violão e recitando poemas. Havia um flautista profissional, um fera, cujo nome eu, imperdoavelmente, não anotei (depois eu divulgo aqui), que deu várias canjas, acompanhando vários violeiros, eu inclusive.

Situado no coração da Lapa, o espaço Clarabóia ocupa inteiramente um sobrado histórico, com três andares, cada um com pé direito de quatro metros ou mais, e promete se tornar um foco de artes plásticas no famoso reduto da boemia carioca.

Nova enquete no blog

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Inaugurei nova enquete no blog, sobre os candidatos a prefeito no Rio, aí do lado. Continuo verificando enorme preferência por Fernando Gabeira junto à classe artística, em proporção à ojeriza a ele por parte de pessoas mais conectadas à realidade nacional e à luta partidária. Um amigo leitor do blog me disse que não aguenta mais a minha indecisão. Nem eu. Estou puto comigo mesmo. Vamos ver quem vence a enquete: ela vai me influenciar, com certeza.

18 de outubro de 2008

Hoje tem festa de abertura da galeria Clarabóia

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Bem, é sábado: primeiro a diversão, portanto, depois o trabalho. Hoje os artistas que tem ateliê no espaço Clarabóia, rua do resende 52, centro do Rio, fazem uma festa de inauguração de sua galeria no primeiro andar. Mais do que convidar, intimo os leitores do blog a participarem deste evento histórico. É hoje, 18 de outubro, das 18:00 às 22:00, estendendo-se depois madrugada adentro pelos bares adjacentes.

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O clima esquentou em São Paulo. O estado mais rico do país paga os piores salários a seus policiais, e quando eles decidem fazer greve, o governador vem a público afirmar que a culpa é do PT. Com beneplácito, claro, de toda a mídia corporativa nacional. O Globo, sem coragem de chancelar abertamente a opinião de Serra, fá-lo através da publicação seletiva de cartinhas de leitores.

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Incompetência grosseira da polícia paulista. Devolveram a refém! Demoraram mais de 100 horas para invadir o apartamento. Sem comentário.

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No Rio, está acontecendo o que eu temia: uma dissociação profunda entre as lideranças e partidos da esquerda e seu eleitorado, que parece se recusar a seguir orientações partidárias. Eu sou um exemplo. A campanha anti-Gabeira tem vários pontos válidos, mas mostra-se inconsistente em seus principais ataques. O apoio de César Maia não significa que Gabeira é o candidato da continuidade. Trata-se de um apoio motivado pelo cálculo político de César Maia, e consequência do fiasco eleitoral de sua candidata, Solange Amaral. E o fato de Gabeira ser apoiado pelo PSDB não representa, a meu ver, um sinal de desgraça para a cidade, já que o cabeça-de-chapa é ele, Gabeira, do PV. Considerando que a cidade tem sido dominada, há 16 anos, pelo conservador César Maia, do DEM, um toquezinho tucano até que representa um avanço - desde que temperada pela face (?) progressista e libertária de Gabeira. Mas confesso que ainda permaneço em dúvida. Sinceramente, ainda não decidi.

*

Permitam-me agora repetir um pedido, ou melhor, dois pedidos. Primeiro, para assinar o blog, conforme o link abaixo. Esse é gratuito. O segundo, não gratuito (mas barato), para assinar a minha revista Manuskripto, que está entrando em sua terceira edição, seguindo as instruções à direita do blog. Nesta terceira edição, a pauta, por enquanto, é a seguinte: matéria sobre o novo corredor cultural de artes plásticas do Rio de Janeiro, com entrevistas com artistas; análise do resultado do primeiro turno das eleições municipais (farei uma outra matéria sobre o tema na edição seguinte, após o resultado do segundo turno), com entrevistas com personalidades da vida política brasileira; resenhas de alguns filmes que mais apreciamos no Festival do Rio; poemas inéditos; além das imagens e ilustrações.


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