27 de outubro de 2008

Considerações sobre a falsidade

Texto na capa da Folha: "O prefeito [Kassab] dedicou a vitória ao governador José Serra (PSDB), que apoiou o democrata contra o candidato do próprio partido no primeiro turno, Geraldo Alckmin", pode até trazer uma informação correta, mas aponta, sobretudo, a glorificação da falsidade.

Na convenção partidária do PSDB, José Serra apoiou Geraldo Alckmin. Na propaganda da televisão, Serra apoiou Alckmin. Em entrevistas, Serra apoiou Alckmin. Serra apoiou Kassab, no primeiro turno, apenas nos bastidores da imprensa, que repetia incessantemente, diariamente, que Serra apoiava Kassab por baixo dos panos.

Serra elegeu-se prefeito em 2004 depois de, ao vivo e a cores, ter assinado um documento se comprometendo a cumprir o mandato até o fim. Entrevistado pelo repórter do CQC porque tinha assinado um documento e registrado em cartório de que completaria sua gestão, sem usá-la como trampolim para 2006, como fez, Serra respondeu: "Não registrei no cartório". Repetiu a frase duas ou três vezes. Não registrei no cartório. Não registrei no cartório.

Na França, não existe reconhecimento de firma em cartório. O cara assinou, tá assinado, ponto final, tem valor documental.

O que eu gostaria de entender que espécie de vitória é essa fundada em falsidade, intriga interna e dissenção partidária?

Se José Serra é tão bom político, como permitiu que o PSDB se dividisse em duas facções inimigas no primeiro turno das eleições em São Paulo?

De fato, Serra sai dessas eleições fortalecido para disputar as eleições presidenciais em 2010. Mas o seu partido, o PSDB, não. Por quê? Porque perdeu votos nas eleições municipais, porque seus aliados principais perderam votos, e porque seus adversários, os partidos que compõem a base de Lula ampliaram formidavelmente a sua base eleitoral.

O PT, partido de Lula, obteve 21 prefeituras entre o chamado G79, composto pelas 26 capitais e 53 municípios com mais de 200 mil eleitores, assumindo a liderança isolado no ranking. O PMDB, que estava em terceiro em lugar em 2004, foi para o segundo lugar, com 17 prefeituras e o PSDB (partido do grande vitorioso José Serra) vem caindo gradualmente desde 1996, quando tinha 18 prefeituras: caiu para 15 em 2000 (em plena gestão de FHC, mostrando que nem sempre o poder ajuda a eleger; ao contrário, quando se governa mal, a base governista perde espaço; aliás, o PMDB, na época aliado ao PSDB, também perdeu pontos em 2000). A pontuação tucana no G79 subiu para 17 prefeituras em 2004 e declinou novamente para 13 agora.

A tabela de eleitorado no G79 é muito distorcida por São Paulo. Aí, o PSDB, que chegou a 14 milhões de eleitores em 2004, quando elegeu Serra, caiu para 5,81 milhões. O PT de Marta Suplicy alcançou 14 milhões de eleitores em 2000 e caiu para 8,75 milhões em 2008. A importância de SP para o DEM está expressa nos seguintes números: o partido saiu de 6,01 milhões de eleitores em 2004 para 9,4 milhões em 2008. Mas essa tabela não conta muito, como já disse, por causa da confusão gerada por São Paulo. No quesito número de eleitores, vale mais a pena considerar o eleitorado dos cinco mil municípios brasileiros.

Nas 30 cidades que registraram 2º turno, o PT ficou em primeiro lugar, com 5,16 milhões de votos, seguido por PMDB, com 4,46 milhões de votos e DEM (que ganhou apenas em SP), com 3 milhões. O PSDB, com 1,5 milhão de votos, ficou atrás do PV, que obteve 1,64 milhões de votos. Estes números consideram os votos recebidos, mesmo no caso de derrota dos candidatos, como foi o caso do PV, que registrou boa votação, mas perdeu apertado no Rio de Janeiro.

No primeiro turno, PMDB ficou em primeiro lugar, com 18 milhões de votos, seguido por PT, com 16,52 milhões, e PSDB, com 14 milhões.

Há outro dado interessante. Nas eleições para câmara de vereadores, o PT ficou em primeiro lugar em votos para legenda, com 2,11 milhões de votos em todo país, secundado pelo PSDB, com 1,66 milhão de votos. Na relação de votos nominais, o PMDB levou a taça, novamente, com 10 milhões de votos; o PSDB veio em segundo lugar, com 9 milhões, e o PT em terceiro, com 8,4 milhões de eleitores.

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A vitória de Kassab em SP deve ser colocada na devida perspectiva. O candidato do DEM recebeu 3,79 milhões de votos. É um número expressivo, que certamente faz diferença em eleições presidenciais em qualquer país democrático do mundo. No caso do Brasil, representa 2,9% dos 130,60 milhões de eleitores registrados. Considerando a polarização partidária existente em São Paulo, todavia, deve-se entender que a boa parte dos votos recebidos por Kassab compõe o chamado "eleitorado duro" da direita. Eleitores de Maluf e Quércia, por exemplo, migraram em peso para a campanha de Kassab.

Confiram abaixo o quadro eleitoral do país:




O maior desafio da direita será ganhar votos no Norte e Nordeste, onde a popularidade de Lula, que já é majoritária em todo país, alcança patamares extraordinários. Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em meados de setembro, 75% dos nordestinos e 65% dos que residem nas regiões Norte e Centro-Oeste acham o governo Lula ótimo e bom. No Sudeste, Lula recebeu ótimo e bom de 57% e no Sul maravilha, 60%.

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Por mais que a mídia oculte esse fato, o grande vencedor das eleições municipais chama-se Luiz Inácio Lula da Silva, porque nenhum candidato, oposição ou aliado, elegeu-se com um discurso de oposição. Ao contrário, todos tentaram colar sua imagem à do presidente. Vejam o caso de Kassab, eleito em São Paulo. O candidato democracata atravessou toda a sua campanha elogiando o presidente Lula, mesmo sabendo que parte de seu eleitorado compõe-se de hidrofóbicos anti-petistas. O fato mostra o caráter republicano do presidente, que soube conquistar o apoio da direita responsável. Lula, ao contrário de FHC em 2002, passou no teste eleitoral. Mais um. E credencia-se para fazer o sucessor em 2010.

6 comentarios

RLocatelli Digital disse...

Serra divide. Essa é a característica marcante de sua personalidade.
Ele já "queimou" muitos aliados, agora massacrou Alckmin, e vai ter que destruir outro tucano: Aécio.
Acontece que a cada vez que ele destrói um aliado, perde o aliado, e ganha um inimigo.
Prevejo um fim melancólico para esse político sem princípios.

Anônimo disse...

Conforme está cansado de explicar o cientista político do Iuperj, Jairo Nicolau, que há anos analise processos eleitorais no Brasil, não há nenhuma evidência na ciência política, nenhuma comprovação empírica, da afirmação da maioria dos jornalistas e colunistas do PIG, e inclusive de alguns politólogos não especialistas, da tal "transferência de votos". Pergunte ao professor Wanderley ou ao filho dele, o Fabiano Guilherme. Na pg. 36 do número atual da Carta Capital, Jairo Nicolau repete o que vem dizendo há tempos na sua coluna da Veja (é, ninguém é perfeito): eleição municipal não tem nada a ver com eleição naciona. "Quando se trata de voto, o futuro não depende do presente". "Pode ser que dentro do arraial tucano ... (algumas vitórias estaduais) tenhma importância para alavancar a escolha do governador paulista como melhor candidato (de seu partido) à Presidência da República em 2010. O X da questão estará posto na hora em que Serra se apresentar como O candidato do PSDB ao governo federal. Aí o conta é a avaliação, o prestígio e a rejeição dele próprio Serra. No mais, ter "eleito" Kassab serve tb. para tornar-lhe acessível o orçamento da Prefeitura de SP e realizar o "efeito simbólico" de seu "poder" para a mídia.

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

A eleição paulistana foi marcada pelo enaltecimento da falsidade e hipocrisia; a mesma imprensa que jogou a vida particular de Marta Suplicy na lama, se indignou com as duas perguntas sobre a vida pessoal do Kassab. O presidenciável que em 2006 era o mais capaz para administrar o Brasil, em 2008 não serviria para administrar a prefeitura da capital de São Paulo. Kassab malhou o XuxAlckmin durante o primeiro turno inteiro e apareceram "abraçadinhos" algumas semanas depois. Seria cômico, se não fosse trágico.

Anônimo disse...

Bom post, boa argumentação, mas um fato persiste, o PT precisa achar caminhos para lidar com uma mídia partidária, que amplifica (quando não inventa) fatos desabonadores contra o PT ao mesmo tempo em que esconde o lado sujo do PSDB/Serra.

Junia disse...

Ótima análise!!Que venha 2010....

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