7 de outubro de 2008

Qual o cachê dos pássaros?

Não sou eco-xiita. Interesso-me demais por seres humanos, gosto demais de carne vermelha - e sou tarado por poluição, barulho de trânsito e multidões se acotovelando na rua. Somente na metrópole tumultuada sinto a maravilhosa solidão que prezo tanto. Uma solidão de mim mesmo, já que campos verdejantes e praias desertas me obrigam a um encontro com minha própria angustiada pessoa. Sou rato de bibliotecas, centros culturais, cafés, qualquer lugar que tenha jornais, livros e internet, que seja pretexto para eu sair de casa. Também gosto de andar de bicicleta, já disse.

Por isso mesmo aprecio cidades pequenas com um fascínio místico. Quase sempre, enquanto caminho por uma ruazinha de uma cidade pequena, contemplo a vida pacata nas casas simples e sinto um desejo enorme daquela vida silenciosa e tranquila. Quando tiver oportunidade, compro uma casa dessas, para aí passar temporadas e escrever. Queria me livrar de minhas taras doentias, urbanóides, e apreender a placidez suave dos lugares ermos e isolados.

Enfim, o assunto de hoje é sobre a exposição Fuga, de Laura Lima, na galeria Gentil Carioca, na praça Tirandentes, Rio de Janeiro, que comemorou cinco anos no último sábado. A galeria foi toda vedada com telas e pássaros colocados no interior, junto a esculturas de madeira que lembram poleiros. As esculturas são bonitas. Os passarinhos também. Não descobri as raças dos bichinhos, mas eles tinham cara de pintassilgos. Pequeninos, coloridos e cantores pintassilgos.

Os visitantes tinham que fazer fila para entrar na galeria, porque havia limite mínimo de pessoas, para não incomodar os pássaros. Mesmo assim, houve polêmica. Parte dos amigos gostaram muito da exposição, acharam-na originalíssima. Uma amiga nossa, no entanto, ficou horrorizada com a "exploração" das aves, e disse que, para ver pássaros, preferia vê-los livres, em sua chácara em Nova Friburgo. Outro amigo lembrou de uma exposição do Tunga em Paris (ou outra cidade européia), uma perfomance na verdade, que consistia num aquário, com peixes, que era rompido e os peixes se espalhavam no chão. O caso gerou polêmica e antipatia, pela crueldade com os peixes.

Recentemente, outro artista gerou polêmica ao usar animais em sua obra. Um cão amarrado na parede morria de fome aos olhos do público. E morreu efetivamente. O artista proibia qualquer pessoa de alimentar o animal, que morreu de inanição em dois dias. A obra, mostrada pela primeira vez numa exposição em Honduras, pertencia ao artista costarriquenho Guillermo Habacuc Vargas, e gerou uma forte onda de indignação em todo mundo.

Claro que os pássaros de Laura Lima não sofrem o mesmo tipo de tortura. Eles são bem alimentados e estão ali melhor do que numa gaiola. Mesmo assim, sentiria-me mais tranquilo se um especialista em comportamento animal me dissesse se os pássaros não estariam expostos a momentos de medo e incômodo.

Li na internet que uma outra obra famosa de Laura Lima traz pessoas (performers contratados) usando uma mochila de onde saem barbantes presos numa árvore do lado de fora do ambiente. Eles puxam com força mas não conseguem, obviamente, nem trazer a árvore pra dentro nem rebentar os barbantes. Pelo menos, as árvores não sentem (até onde eu sei) medo ou dor.

Bem, não quero correr o risco de ser chamado por retrógrado e de ser incapaz de entender as sutilezas da arte contemporânea. Eu gosto de muita coisa de arte contemporânea, mas, de fato, sou bastante crítico a uma tendência que considero um vanguardismo vazio e espetaculoso. Ok, confesso: não gosto de arte conceitual. É um saco ficar se desculpando por não gostar de um tipo de arte. A razão é que pisamos em ovos. O crítico hoje tem muito menos liberdade que antigamente. Primeiro porque o espaço para crítica de artes plásticas é extremamente reduzido nos jornais. Paga-se pouco e apenas para os mesmos dois ou três críticos consagrados. Segundo, há um clima de intimidação, tácito ou não, sobre os que se aventuram a fazer avaliações realmente críticas do cenário plástico contemporâneo. E, por fim, a crítica tornou-se matéria para iniciados, assunto para super-doutores que adotam jargão absolutamente hermético. O resultado é, claro, o afastamento do público comum. Faz-se arte para críticos e escreve-se crítica para outros críticos. Os críticos, hoje, não se comunicam com o público. Seu contato é exclusivamente com os artistas, com quem se ligam afetiva e comercialmente – visto que assinam juntos projetos para a Lei Rounet. O público que se dane, e a arte também.

Não queria ser negativo. Tenho admiração pela iniciativa dos artistas da Gentil Carioca, pioneira do novo corredor cultural que está se formando na região, da praça Tiradentes até a Lapa. Mas se vejo algum sentido em ser crítico de arte hoje em dia, usando o meu blog como plataforma principal, é prezar minha liberdade, e com isso afastar-me de qualquer condescendência.

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