Há filmes inspirados em livros que nos despertam grande interesse pela obra original. Memórias do Cárcere e Vidas Secas, ambos de Nelson Pereira dos Santos, por exemplo. Até hoje procuro por aí um livro intitulado Rumble Fish, que inspirou Selvagem da Motocicleta, de Francis Ford Coppola.
Mas há o contrário. Filmes que nos afastam dos livros que os inspiraram. É o caso de Batismo de Sangue, baseado no romance do Frei Beto. Antes de ver o filme, estava interessado no livro, cujo primeiro capítulo li numa livraria. Então assisti ao filme de Helvécio Ratton e achei tão ruim, tão sofrivelmente moralista, previsível e artificial que mudei de idéia.
É o caso de Ensaio sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles e Daniela Thomas, inspirado na obra de Saramago. Li o livro há anos e lembro que gostei muito. Do escritor português, li ainda O Evangelho Segundo Jesus Cristo e o Ano da Morte de Ricardo Reis, que também me causaram boa impressão. Não consegui ler mais nada do Saramago. Enjoei e passei a implicar com seus outros trabalhos.
Ao sair da sessão de cinema, ontem, sentia quase raiva de Saramago. Por ele ter gostado do filme e me induzido a vê-lo e a gastar R$ 16 com a porcaria. É um dos piores filmes que assisti esse ano. Uma sucessão de clichês chorosos e maniqueístas. Um filme destinado à sessão da tarde. Fez-me duvidar se o livro era tão bom mesmo como eu pensei à época que o li.
De uma coisa tenho certeza. O livro é infinitamente melhor que o filme, o que não significa muita coisa, porque, neste caso, até a Hebe Camargo escreveria uma obra superior a este amontoado de clichês gastos, rasteiros e piegas.
A atriz principal, Julianne Moore, não tem culpa de nada. Faz um trabalho excelente, o melhor possível para uma personagem previsível presa num roteiro medíocre. Há uma cena em que a personagem, única pessoa que vê num mundo devastado por uma epidemia de cegueira, contempla melancolicamente um bando de cães comerem um cadáver. Aí surge um outro cão, que passa pelo bando, desce umas escadas, aproxima-se da mulher, cheirando tudo e, finalmente, aconchega-se carinhosamente, lambendo-a. Que lindo! Que amor! Que merda de filme!
E tudo termina em final feliz! O grupo de cegos liderado pela Julianne encontra o casarão moderno e confortável onde ela mora com seu marido. Aí, todos comem gostosinhos, dormem gostosinhos. A Julianne transa gostosinha com seu marido, no velho estilo papai e mamãe, ele faz declarações de amor bonitinhas pra ele, viva a família americana! Viva o American Way of Life! Fernando Meirelles, seguramente, fez o pior filme de sua carreira e, oxalá, o pior de sua vida. Torço para que ele caia em si, liberte-se da escravidão holliwoodiana e seja o mesmo diretor de Cidade de Deus.
27 de outubro de 2008
Apenas um ensaio mal feito
Tweet Enviar por e-mailPostar no blog!Compartilhar no TwitterCompartilhar no FacebookCompartilhar com o Pinterest
Gostou deste artigo? Então assine nosso Feed.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Caro Miguel, desconfio que você estava de mau humor quando foi ver "Ensaio sobre a Cegueira". O filme é ótimo. Muito inferior ao livro, mas é ótimo. Não sei de onde você tirou essa coisa de "final feliz" e "american way of life". Acho que ao ver o filme cê tava cego por algum tipo de mau humor. Mas isso tem cura. Como o filme e o livro mostraram. Um abraço!
O Livro "O Caçador de Pipas" também é muito melhor que o filme. E o melhor livro que ja lí nem se compara ao filme: Papillon, de Henri Charriere.
Também achei Ensaio... sofrível. No meu blog tem a crítica. Não sei se vc leu.
li sim, quase nem fui ver por causa disso. mas queria também dar a minha própria espinafrada, se fosse o caso, como foi. abraço.
Postar um comentário