17 de outubro de 2008

Dilema Gabeira III: fazendo pressão

O meu voto é independente. Embora o conceito de independência seja relativo (afinal, independência absoluta é impossível, e até ridícula), creio que, diante das circunstâncias, o meu voto é livre de interferências partidárias. Não que eu despreze a importância dos partidos. Mas não sou filiado e não sigo partido nenhum. Costumo votar na esquerda, por ideologia. A minha ideologia, contudo, é outra invenção bastante singular. O engraçado, aliás, é que, por mais que eu professe aqui minha fé na economia de mercado (desde que regulada por governos fortes), no agronegócio, na propriedade privada, nos regimes democráticos republicanos ocidentais, as pessoas ainda me chamam de comunista. Em família, entre amigos, as pessoas referem-se a mim, simplesmente, como um comunista revolucionário, esquerdista, marxista, etc. Não tenho paciência de explicar-lhes minha posição, e deixo por isso mesmo. Algo em meu rosto, em minha maneira de falar, ou escrever, deve trazer a marca da foice e do martelo. Às vezes, creio que elas estão certas. Talvez eu seja apenas um comunista enrustido, sob o manto de um social-democrata moderno.

Não sou apenas eu. Lembro-me das torres gêmeas. Todos os comunistas enrustidos, como eu, como meu irmão, sentiram um gostinho bom de vingança assomar à boca. Lembro-me perfeitamente. Eu, minha mãe e meu irmão assistindo os aviões chocarem-se contra o World Trade Center. Minha mãe quase chorando, apavorada, repetindo: que horror! que horror! com sua voz baixa, gentil, maternal. Eu e meu irmão calados, extremamente sérios.

Aí ela saiu de casa. Meu irmão olhou-me, levantou-se, foi até a porta checar se ela já havia entrado no elevador. Depois foi até a janela e gritou: CARALHO!!! VIVA!!! AMERICANOS VÃO SE FODER!!!!

Eu achei engraçadíssimo. Gritei também. Senti afinidade com o que dizia meu irmão mais novo. À noite, bebendo uma cerveja no saudoso bar do Seu Nilo, na Lapa, vi um amigo passar na rua, o Vladimir, um rapaz baixo e enérgico, comunista do partidão. Assim que me avistou, ele sorriu e gritou:

- Aí, Miguel. Ressuscitaram a História!

E continuou andando, feliz, altivo. Os EUA ainda não haviam revidado, covardemente, contra o Afeganistão. Longe ainda estava a guerra no Iraque (que nada teve a ver com os ataques de Bin Laden). Anti-americanos do mundo inteiro sentiam-se vingados. Era uma emoção sanguinária, politicamente incorreta, absurda, mas uma emoção pura, ingênua, intuitiva. Os ataques, afinal, haviam humilhado o poderio militar americano, que desde que ruiu seu maior adversário, a União Soviética, nunca fora tão arrogante. E um punhado de árabes, armados com faquinhas meia-bomba, fizeram o império estremecer.

A frase do Vladimir marcou-me também. Bin Laden pôs em ridículo a teoria do fim da História. Nesse mesmo dia, eu havia publicado uma edição extra do jornal impresso Arte & Política, com uma manchete: Sem justiça não haverá paz, com um breve editorial que afirmava falando sobre a relação entre o florescimento do terrorismo e a falta de transparência nas relações internacionais, a fome aguda na maior parte do planeta e a ausência de vontade política, por parte dos governos e organizações internacionais, em minimizar a miséria das nações.

Eu falava do Gabeira. Acho que as pessoas votam seguindo seus corações, suas intuições. O voto intuitivo não é equivocado. Ao contrário, é a intuição a grande inimiga da mídia corporativa. A mídia tem pouquíssimo poder de influência sobre a intuição das pessoas, apesar do domínio que exerce sobre o lado racional delas. A razão, quando não é muito bem informada (o que custa tempo e dinheiro e paciência), treinada nos embates dialéticos e preparada para ouvir a voz interior da intuição, é sempre uma razão sectária, submissa, dependente.

Enquanto escrevo, assisto ao primeiro debate do segundo turno entre Gabeira e Paes. De fato, Gabeira tem um estofo intelectual muito superior. Por outro lado, a plataforma política de Eduardo Paes é mais informativa. Um terço da propaganda política de Gabeira é ocupado pela voz de Caetano Veloso cantando cidade maravilhosa, enquanto a campanha de Paes procura oferecer soluções práticas.

Todavia, no debate, Gabeira se posiciona de maneira bem melhor, inclusive sobre a Saúde. Paes procura atacar Gabeira acusando-o de ter um vice do PSDB, partido que domina a pasta da Saúde há oito anos no município do Rio. Ora, é um ataque legítimo, mas que fica enfraquecido pelo fato do Paes ter sido, até pouco tempo, o garoto preferido do PSDB no Rio. De qualquer maneira, Gabeira respondeu muito bem, dizendo que não podia se responsabilizar pela gestão anterior.

Quanto ao apoio de César Maia à Gabeira, também não acho que o candidato tenha "culpa" disso. Seria anti-democrático e burro - e o eleitor não gosta de estratégias burras, mesmo que travestidas de "éticas" - que Gabeira negasse um apoio político importante. Não foi Gabeira que pediu o apoio do César Maia. Foi o atual prefeito que decidiu apoiá-lo.

Essa questão dos apoios traz muita confusão para os cidadãos. Lembro que um amigo achou que o Crivella era o "candidato do Lula", uma visão que foi, naturalmente, incentivada pela mídia, para explorar o preconceito elitista contra os evangélicos - e jogar, como sempre, a classe média contra o Lula. Na verdade, Crivella faz parte da base governista. Ele apóia o Lula. Mas o Lula não o apoiava nas eleições cariocas. Claro que, num embate entre Crivella e Solange Amaral (DEM, candidata do César Maia), Lula apoiaria o primeiro. A mesma situação ocorre no Pará, onde o PMDB do Jader Barbalho, apóia Lula, e o presidente, portanto, às vezes aparece no mesmo palanque que Jader. Ora, Lula não apóia Jader. Jader é que o apóia, talvez por razões puramente eleitorais.

Portanto não posso "acusar" Gabeira de ter apoio de PSDB e DEM. Ele é do PV, partido que, aliás, também compõe a base governista em Brasília.

*

No debate, Paes acusa Gabeira de ter uma visão excessivamente liberal em relação às drogas e à segurança pública. Em seguida, parte para ataques virulentos contra as drogas, às quais atribui a culpa principal pelos problemas da cidade. Ora, é uma visão absolutamente direitista e conservadora. Gabeira lembrou, muito bem, que foi condecorado pelo governo Lula por sua visão moderna, cosmopolita e bem informada sobre a questão das drogas no mundo. Paes tem uma visão provinciana, provavelmente apenas oportunista - querendo atrair o eleitorado conservador. E agora está em maus lençóis, depois de ter admitido que também fumou, e tragou, um baseado de maconha.

Ora, a questão da maconha é primordial. Na Zona Sul, a polícia ainda alivia a vida dos usuários, mas na periferia há casos de agressão letal, por parte de milícia ou PM, mesmo depois da nova lei que descriminalizou a maconha. A orientação geral do governo Lula, em relação às drogas, é muito mais próxima de Gabeira do que a visão conservadora e tacanha de Eduardo Paes.

O uso de drogas é um problema de saúde pública, não um caso de polícia. A política de repressão, patrocinada pelos neo-cons, ruiu do mesmo jeito que os grandes bancos: o uso de drogas nos EUA cresceu vertiginosamente no governo Bush. A produção de drogas na Colômbia nunca cresceu tanto como durante a vigência do Plano Colombia, pelo qual os EUA doaram bilhões de dólares para o governo colombiano combater o narcotráfico.

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É muito fácil para a Bélgica ou Inglaterra proibirem a produção de maconha. Outra coisa é o Brasil, com oito milhões de quilômetros quadrados, uma nação ensolarada e com os melhores índices pluviométricos do mundo, coibir o plantio da cannabis sativa. Primeiro, é impossível. Matematica e economicamente impossível. Quanto mais proibirem, mais caro fica e mais se plantará. Pode-se plantar em qualquer lugar do Brasil. A única maneira de organizar essa bagunça, a meu ver, é legalizar a maconha, para poder regular a qualidade e cobrar impostos. No futuro, o Brasil poderia vir a se tornar um grande exportador de maconha, assim como os EUA o são de cigarro e a Escócia, de uísque, faturando dezenas de bilhões de dólares e gerando centenas de milhares de empregos nas áreas rurais do país.

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O grande inimigo da segurança pública não é a maconha, mas a hipocrisia.

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Diante da infinidade de drogas "legais" hoje existentes, calmantes e anti-depressivos poderosos (todos estrangeiros), drogas sintéticas, torna-se cada vez mais ridículo reprimir a pobre da maconha.

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Ah, eu já fumei e traguei. Se gostei, melhor não comentar por razões jurídicas. Não fumo mais porque me deixa confuso e atrapalha-me a escrita e a leitura. Preciso me concentrar - não é mole ler Immanuel Kant, etc. Mas acho um absurdo totalitário que o Estado venha me dizer o que devo consumir ou não.

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A pregação do Paes para votar num candidato afinado com o governo do Estado e com o governo federal traz um aspecto anti-republicano. As instâncias estaduais e federais têm obrigação de ajudar o Rio seja qual for o partido que assumir o governo, como aliás tem acontecido no caso de São Paulo, onde Gilberto Kassab, do DEM, elogia constamente o governo Lula pela parceria generosa com a cidade.

10 comentarios

Anônimo disse...

Miguel, a Esquerda no Rio já sucumbiu faz tempo, o que voce tem para es(x)colher são dois progetos de DIREITA, eles fumão maconha mas são de DIRETA são facistas entendeu, ah vote em qualquer um sem crise ou melhor vote nos dois ou anule vai dar na mesma. Carlos

Anônimo disse...

A maioria dos prefeitos, se reelegeu no 1ro turno. Kassab, aqele q é gay, e usa a mídia corrupta prá tentar enganar a Telma, precisa de tudo o q de pior SP tem, prá bater Marta: as máqinas da cidade e do estado, e a própria mídia nazi-fascista da paulicéia. Mesmo assim, será q vence?
Inté
Murilo

Muller disse...

Gostei da sua analise e concordo com boa parte. No primeiro turno ate fiquei um pouco em duvida, mas estudei e vi que nao tem como, Gabeira é muito melhor. Tb escrevi uma analise sobre os dois candidatos, talvez você goste:
http://blog-muller.blogspot.com/2008/10/gabeira-43.html
Espero que depois de ler vc tb se anime em uma campanha pro Gabeira

tete bezerra disse...

Miguel agora parece que finalmente vc decidiu.Eu como sou petista se morasse no rio ia ficar muito dividida,mas concordo com tudo que vc escreveu neste último texto e confesso ia fechar os olhos e votar em gabeira,apesar do dem e do psdb e das próprias limitações do dele.

Anônimo disse...

Permita-me discordar disso aqui: "A mídia tem pouquíssimo poder de influência sobre a intuição das pessoas, apesar do domínio que exerce sobre o lado racional delas."

Temo ser o oposto.
A mídia não tem nada de racional. É totalmente emotiva. É onde ela ataca, com imagens e editoriais que, cheio de poesia, não dizem porra nenhuma.

RLocatelli Digital disse...

O que ocorre é que a política real de um prefeito, governador ou presidente é definida não pelo que ele explana num debate, mas sim pelas alianças que embasaram sua candidatura.
A candidatura Gabeira é ponta de lança para Serra. E ele fará, no Rio, exatamente o que Serra quiser.
É uma pena, pois também acho que a forma de lidar com as drogas no Rio e em Sampa está totalmente errada. Sou contra o uso de drogas e, ao mesmo tempo, contra a repressão ao uso de drogas.
Aliás, se fossem legalizadas - assim como o tabaco e o álcool, que são drogas pesadas - ficaria mais fácil integrar as comunidades carentes e favelas à cidade do Rio de Janeiro. Integrar em termos arquitetônicos, sociais, ambientais e culturais. Isso é algo que nenhum prefeito parece querer fazer, já que eles encaram a favela como um exército inimigo.
Obs.: os traficantes, claro, são contra a legalização das drogas, pois perderiam seu "negócio".

Anônimo disse...

Miguel,
Aceito seus argumentos, sobre votar no Gabeira não necessariamente você não está votando na continuação do Cesar Maia. Mas a coisa é mais complicada que parece. Não é somente votar na continuação ou não do Cesar Maia, a questão é votar contra ou a favor do PIG. E se o Gabeira ganhar no Rio e Kassab em SP, o PIG vai falar disso até 2010,isto vai reverberá a enésima potência, não ser falará de outra coisa. Com uma vitória do PSDB, o Serra terá palanque no Rio e em SP. Miguel estamos digladiando com as forças mais poderosas deste país que é o capital financeiro (especulativo) e consequentemente o seu cão de guarda a imprensa. Não podemos vacilar. Temos que votar de olho em 2010.
Tendo um Brasil melhor, teremos um Rio melhor também.

Anônimo disse...

Pelo menos por estes 2 anos Cabral e Paes estarão com Lula.
Enquanto Gabeira fecha com Serra, logo que assumir a prefeitura fará oposição a Lula.
Enfim, Gabeira não passa de um trampolim para este louco varrido do Serra virar presidente.
Alguma dúvida?
Se quiser ajudar Lula vote Paes,
se quiser ajudrar Serra vote Gabeira.
esta elite podre e corrupta do eixo Rio-SP agradece.

Unknown disse...

Sem nenhuma segunda intenção faço as perguntas:Quem está por trás de Gabeira?E do Kassab?
Resposta:Serra,o mais ditatorial dos políticos-ganha até do falecido ACM.
Quem quiser ve-lo em 2010 que apóie os candidatos acima.

Anônimo disse...

Trocadilho a partir de texto publicado no blog www.desabafopais.blogspot.com

Se você gosta do César Maia, vote Gabeira
Se você gosta do FHC , vote no Gabeira
Se você gosta do ACMinho, vote no Gabeira
Se você gosta do Bornhausen, vote no Gabeira
Se você gosta do Efraim de Moraes, vote no Gabeira
Se você gosta do Ermínio Fraga, vote no Gabeira
Se você gosta de tucanos e demônios, vote no Gabeira

Esses políticos vão fazer parte do governo Gabeira, de olho em 2010, para não cair no ostracismo, no esquecimento político.
Eles vão ocupar o governo do RJ.
Se você gosta de corrupção, maracutaias, roubalheira do dinheiro público, eleger Gabeira é um prato cheio.

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