31 de outubro de 2008

Anotações desvairadas para uma resenha sobre o pintor Helcio Barros



(Noturno, de Helcio Barros)

Que bicho estranho é o homem! Uns se apegam a gatos, outros alimentam pombos. Compram kits para montar aviões de plástico, instalam rádio-amadores no quartinho dos fundos. Fazem trabalho voluntário em presídios, hospícios e áreas devastadas por fome e guerra. Esgoelam-se e brigam nas ruas por causa de seus times de futebol. Eu me interesso por artes plásticas e literatura. E nos últimos anos tive a honra de conhecer inúmeros artistas plásticos. Tantos que hoje eles são parceiros em diversos empreendimentos - tipo investir no mercado local de bebidas.

Agora que as horas do meu dia se alongaram, pretendo escrever mais sobre artes plásticas. Andei lendo e relendo diversos livros sobre o tema. Li resenhas de Mario Pedrosa, Frederico Moraes, Ronaldo Brito, Rodrigo Naves, e nessa onda de ler resenhas, acabei chegando num homem de cinema, Paulo Emilio, que eu conhecia muito de nome, e por ser o autor do conto que inspirou Ao Sul do meu Corpo, do Sarraceni, um dos filmes mais lindos do cinema brasileiro; e li crônicas deliciosas e eruditas sobre a sétima arte, inclusive uma interessantíssima série sobre Orson Welles da qual falarei mais tarde.

Ainda estou me preparando para escrever o ARTIGO para a Inteligência, mas agora tenho que escrever algo urgente para a edição atual de Manuskripto, então escolhi Helcio Barros, um exímio expressionista abstrato, colorista de primeira linha, que possui ateliê em Santa Teresa, Rio de Janeiro, além de ser meu eventual parceiro de copo nas madrugadas da Lapa.

Desde que resolvi escrever mais textos sobre arte, deparo-me com sérios dilemas. O principal deles é a própria incomunicabilidade escrita da arte visual. Como artista e crítico não-conceitual, os textos sobre arte sempre me pareceram forçados, desagradáveis, indignos. O crítico alinhava chavões em linguagem deleuziana, com vôos forçadamente poéticos, ou envereda por análises pesadas escritas com jargão ultra-especializado, com objetivo único de intimidar leitores e impor respeito aos simplórios que apenas querem apreciar um bom trabalho de arte, seja pintura, objeto, assemblage, técnica mista, aquarela, land art, instalações ou performances.

Houve quem conseguisse escrever maravilhosamente sobre arte. Baudelaire, por exemplo. Mas o livro que mais gosto é o clássico Arte Moderna, de Giulio Carlo Argan. Como transmitir em palavras uma sensação visual? Naturalmente é impossível, então o resenhista busca trilhas alternativas, vai pelos flancos. Sempre é mais fácil discorrer sobre obras e autores consagrados, mortos e consagrados. Mas vamos lá. Os desenhos e pinturas de Helcio Barros nos dissolvem, nos fazem escorrer para um lugar lá embaixo, estranho, um mundo líquido, cruel, cheio de dor. No entanto, sente-se que esse universo de cores destruídas, de seres se decompondo, de céus tortos, ébrios e sombrios, tem amor, tem pensamento, e tem a ansiedade gloriosa da juventude.

Quiçá a crítica de arte seja, portanto, esse processo dilacerante, dilacerado e dilacerador, como a própria arte, mas que, por razões de mercado ou covardia, evita saltar no mesmo abismo para onde a arte se lançou. Então permanece no alto do penhasco, olhar perdido no horizonte, solitária, sem saber que direção seguir. Talvez a arte seja essa renúncia lenta, desesperada, essas linhas e cores inconsequentemente belas, como um pássaro resfolegando na tempestade. Talvez a crítica, a vida, a morte, Antônio Conselheiro, a imprensa conservadora, a revolução tecnológica, não sejam nada mais que variações trágicas dos seres disformes pintados por Helcio Barros.

Confira o site do artista.

http://www.helciobarros.com.br/

E seu blog:
http://www.helciobarros.blogspot.com/

11 comentarios

Leonardo Martinelli disse...

Miguel, recomendo ardorosamente um artigo do poeta americano Frank O'Hara sobre Jackson Pollock, publicado no vigésim ponúmero da revista INIMIGO RUMOR... há também o trabalho plástico-literário de Nuno Ramos, sobre cujo recente livro, "Ó", preparo um texto para o JB. Qaunto ao rótulo "Expressionismo abstrato" ,acho-o tão desgastado quanto a própria existencia da "pintura pura" num mundo feito de slogans, corels e pixels. Enfim, nada como ir ao MAC e olhar a vista...

Leonardo Martinelli disse...

Ah, errata do comment anterior: "vigésimo número", sou um disléxico digital... Em tempo: como faz pra colocar um clip direto no blog? Me explica, vai, sou uma besta.

Miguel do Rosário disse...

Obrigado pela sugestão,Leo. encontrei um poema de O'Hara sobre Pollock:

DIGRESSION ON NUMBER 1, 1948

I am ill today but I am not
too ill. I am not ill at all.
It is a perfect day, warm
for winter, cold for fall.

A fine day for seeing. I see
ceramics, during lunch hour, by
Miro, and I see the sea by Leger;
light, complicated Metzingers
and a rude awakening by Brauner,
a little table by Picasso, pink.

I am tired today but I am not
too tired. I am not tired at all.
There is the Pollock, white, harm
will not fall, his perfect hand

and the many short voyages. They'll
never fence the silver range.
Stars are out and there is sea
enough beneath the glistening earth
to bear me toward the future
which is not so dark. I see.

Juliano Guilherme disse...

O Helcio Barros é um simbolista abstrato. É um Odilon Redon sem as figuras. No que ele não se importa nem um pouco, pois arrisco-me a dizer que é, junto com Rembrandt, seu pintor favorito. Mas o Leonardo tem razão, "expressionismo abstrato" é um termo desgastado, assim como não existe "pintura pura"

Miguel do Rosário disse...

Não acho expressionismo abstrato um termo desgastado. É como um jeans velho e surrado, mas que serve muito bom a seus propósitos. Quanto ao simbolismo abstrato, até gostei dele inicialmente, e também já fiz essa comparação entre Helcio e Redon, mas agora pensando bem, não tem sentido um simbolismo abstrato. Acho que o Helcio caminha mais para o expressionismo abstrato do que para o simbolismo. Veja esse quadro do Philip Guston:

http://expressionismoabstrato.blogspot.com/2008/04/artistas-do-movimento.html

Anônimo disse...

As opiniões realmente se divergem,
Acho o trabalho do Helcio terrivelmente pesado, falta sensibilidade, é um trabalho com pouco valor artístico e muita pretensão.

Anônimo disse...

Miguelito isso é simplesmente horrível.

Anônimo disse...

MIguel isso é de um mau gosto tremendo.

Urubupeba

Miguel do Rosário disse...

prezado anonimo, voce já se expressou. não precisa se repetir. eu gosto muito das pinturas do hélcio.

Anônimo disse...

Miguel, gostei muito do seu texto, quanto ao trabalho citado deixa muito a desejar tem até muita pretensão mais fica nisso.
Lamento mais tudo é questão de humildade, trabalho e muito criatividade e vamos nós.

Anônimo disse...

Concordo com você Miguel, mas meu caro quando se cria um espaço como esse e ainda cria possibilidades de se fazer comentários, você quer o que? elogios? cada pessoa é um universo particular e as opiniões vão aparecer além dos amigos. O fato de discordar, não significa ser trolls o caluniador, é uma avaliação criteriosa do que se acha.

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