16 de dezembro de 2008

O corte de gastos públicos

Foto: Gianne Carvalho, viaduto, Rio de Janeiro

Por João Villaverde

No Brasil, qualquer discussão macroeconômica esbarra no mantra liberal de "cortar gastos públicos". Esse mantra foi desenvolvido pela escola de Chicago, grupos de economistas acadêmicos radicados na Universidade de Chicago nos Estados Unidos, tendo à frente o papa liberal Milton Friedman.

Isso começou nos anos 70.

A partir do triênio 1979-1980-1981 isso virou escola mundial, quando Margaret Thatcher e Ronald Reagan, na Inglaterra e nos Estados Unidos respectivamente, começaram a defender o enxugamento do Estado.

Essa política, caracterizada pelo nome de "neoliberal" foi exportada pelo poder hegemônico emanado pelos dois países ao longo dos anos 80 e 90 para os países pobres e o resto do mundo. A idéia era diminuir ao máximo a participação do Estado na economia. Poucos países conseguiram escapar dessas políticas.

Foram duas razões principais:

1) Estavam todos, invariavelmente, quebrados, após o enorme endividamento dos anos 80. Diversos países pobres deram calote nas suas dívidas nos anos 80 e 90. O Brasil deu no fim de 1987. Como precisavam de dinheiro, se submeteram a todo tipo de pitaco dado pelos órgãos internacionais que "obrigavam" o neoliberalismo.

2) A elite desses países pobres que estuda em universidades dos países ricos e retorna aos seus de origem trazendo consigo o "pensamento moderno". Culturalmente, os países pobres somos colonizados e costumamos dar as honras nacionais aos nossos que trazem títulos de mestres e doutores em faculdades gringas. A elite então alcança cargos estratégicos no governo e nas empresas, e o rumo do país passa a ser ditado pelos interesses dos ricos.

E qual é o principal mantra?

O corte de gastos públicos.

Mas alguém já parou para pensar o que está acontecendo nos Estados Unidos e na Inglaterra hoje? Não são eles os criadores do pensamento liberal? Então, vamos ver o que acontece:

- Os Estados Unidos estão comprando participações em bancos e instituições financeiras privadas para salvar o sistema do liberalismo. Quando deixaram a teoria liberal falar mais, deixando o Lehman Brothers falir em 15 de setembro, a crise alcançou patamares dramáticos. Elegeram um presidente negro - o país é historicamente racista - que promete criar 2,5 milhões de empregos públicos e promete um plano de US$ 800 bilhões.

- A Inglaterra viu seus bancos e instituições financeiras se meterem nas estripulias financeiras criadas pelo sistema americano. A crise chegou na Inglaterra antes de todo mundo, logo após surgir nos EUA. O que fez a Inglaterra? Estatizou o Northern Rock, um dos maiores bancos comerciais ingleses e o primeiro-ministro Gordon Brown é um dos maiores defensores da mudança do modelo atualmente.

Ainda assim, nossos cabeções não se dão por vencidos. Continuam defendendo que o governo corte gastos públicos.

E veja. Não estão defendendo um gasto público inteligente, que seja racional, atento para as necessidades. Não. Eles defendem o corte de gastos unilateralmente, sem critérios claros. E o pior: são estes cabeções, todos formados em universidades americanas e inglesas, colunistas dos grandes jornais, entrevistados nas rádios e nos telejornais, dirigentes de bancos e instituições e tudo o mais. Estes ocupam boa parte do noticiário.

A falta de espaço para gente séria faz com que ignoramos um comentário inteligente de um economista inteligente. O presidente do Ipea, o órgão de pensamento estratégico brasileiro, Márcio Pochmann, da Unicamp, disse recentemente o seguinte:

"Precisamos perguntar à população se ela está satisfeita com o serviço de saúde, se a educação atingiu um nível de qualidade que não precisa de mais recursos, construção de escolas... Todos defendem o corte dos gastos. Então pergunto onde cortar?"

Quando tratamos da Previdência, das hidrovias, rodovias, ferrovias, do transporte público, da educação, da saúde, do sistema penitenciário, das policias, da habitação, do setor público em geral, a grande pergunta que devemos fazer é: está bom do jeito que está?

Saber a resposta ajuda a entender que, por trás da ideologia, há muito interesse em jogo no Brasil.

8 comentarios

Clarabóia disse...

O disco arranhado do Pig: Crise do suprime? Corte de gastos públicos. Inflação? Corte de gastos públicos. Engarrafamentos em São Paulo? Corte de gastos públicos. O Lula disse sifu? corte dos gastos públicos. O Vasco caiu para segunda divisão? corte dos gastos.....

Miguel do Rosário disse...

o que mais aborrece, joão, é a distorção e a incoerência. Os EUA, por exemplo, tem muito quase duas vezes mais funcionários públicos por habitante que o Brasil e aqui eles reclamam de "inchaço da máquina pública". Fazem longas matérias denunciando a saúde pública e depois, quando o governo anuncia contratações, protesta contra o inchaço. Reclama da educação e não defendem, em editoriais, a aprovação do piso nacional para os professores, medida contestada pelos governadores dos estados mais ricos do país, SP e Minas. Por fim, FHC sempre recusou, terminantemente, a pecha de neo-liberal, mas vendeu a Vale, a segunda maior empresa brasileira, que fatura mais de 30 bilhões de dólares por ano, por 1 bilhão de dólares. Diziam que a Vale era mal admininistrada, e talvez o fosse sim, por incompetência desses mesmos caras que se diziam carregar a bandeira da competência. Claro, diziam que a competência existia somente na iniciativa privada. Ah, pergunte sobre competência da iniciativa privada para os americanos... revoltados em ter de pagar trilhões de dólares para consertar erros de incompetência, roubalheira e má gestão de bancos e companhias privados. E agora, leio reportagens que, diante da crise, a primeira grande empresa a iniciar demissões em massa é... a Vale! Com anuência da mídia sádica, que parece sentir prazer em reportar casos de demissão por empresas e governos, interpretando sempre como "gestão" competente. A elite brasileira é muito burra, não entende matemática básica, que sem um trabalhador empregado e com um bom poder aquisitivo, e com estabilidade e segurança proporcionada por leis trabalhistas rígidas, a economia nunca crescerá de maneira sustentável, e o país nunca poderá adentrar o grupo de nações desenvolvidas.

João Villaverde disse...

Estudio: o mais grave disso é a criação desse mantra. Quando criam-se mantras e chavões indiscutíveis, pode-se argumentar de todos os jeitos que não adiantará. O PT passou por um processo semelhante entre 2005 e 2006. Uma campanha pesadíssima, relacionando o PT a ignorância, a corrupção, ao jeitinho, ao crime. Não estou defendendo o partido ou quem quer que seja. Mas o jogo hoje é ainda mais acirrado - e burro - do que nos anos 90.

Miguel: é exatamente isso. O discurso é incoerente, quando não ideológico. Não é possível gastar duas horas do Fantástico denunciando o descaso e a falta de estrutura dos hospitais e escolas públicas e na hora dos investimentos barrar qualquer coisa. Falam tanto de gasto público, mas a maior conta de despesas do governo é a conta de juros. Por que não cortar aí?
Não dá, o governante é cercado - o que não justifica o imobilismo, veja bem. Quando Kirchner anuncia o calote ou quando Rafael Correa (como acaba de fazer) é tachado por retrógrado, anti-moderno, espertalhão que deve ser isolado.
Vou escrever mais sobre o calote.

José Carlos Lima disse...

Caro amigo, olha aqui que forma bacana de ganharmos dinheiro, não deixe de ler, aqui o link

http://josecarloslima.blogspot.com/2008/12/momento-reservado-ao-meu-ganha-po.html#links

Anônimo disse...

Então diria o seguinte: aos boçais da classe média que metem o porrete no Lula imitando como papagaios de piratas o que a elite fala - essa mesma que estudam lá fora e volta com um canudo debaixo do braço, como bem disse você Miguel - querem ditar e impor os seus conhecimentos aqui no país, e mais do que isso, tentam de maneira preconceituosa e racista, colocar rótulos depreciativos no Lula, chamando-o de apedeuta, kana brava, molusco etc. Essa é a forma mais psicopatológica que afeta indivíduos que tem nível superior de se achar que tem mais conhecimentos, por isso subestima um autodidata excepcional. Não há como comparar a inteligência e o "feeling" do presidente Lula com os seus pares políticos e muito menos ainda com esses dementes que se acham mais cidadãos do que o resto da população. Por isso que o Brasil está dando certo. Ainda bem que o Lula não é "estudado" não tem curso superior e muito menos PhD em Harvard. Os governantes ao longo da história do Brasil sempre foram aqueles que estudaram no exterior, na sua imensa maioria. O país é o que é por essa razão e a cobiça destes. O estado mínimo é uma doença incurável cravada nos cérebros desses infelizes que adotaram esse modelo e governaram o país. Aqui em São Paulo, o berço do neoliberalismo no Brasil, os serviços públicos é de péssima qualidade e sem perspectivas de mudança, porque a dinastia tucana não governou o suficiente para transformar o estado num local onde só a elite terá condições de sobreviver. Começou com os condomínios fechados. Agora tem até cidades que tem portal para selecionar os seus visitantes. Nas rodovias só conseguem transitar quem tem dinheiro: os pedágios mais caros do Brasil. Existem cidades dentro de cidades com suas próprias leis (Alphaville). Shopping Center já era! Ficou muito povão, por isso inventaram a Daslu. Um dia eles conseguem expulsar do estado todos os seus pobres. Só não acontecerá se o presidente fizer escola, porque ensinar, ele já ensinou bastante.
Francisco Pereira Neto, Botucatu, SP,e-mail: francispneto@hotmail.com

Giovani Iemini disse...

sempre engajado!
bacana.

Anônimo disse...

João Villaverde,
A nossa cultura está cada vez mais destruída.
Quem de nós seus leitores sabemos o significado da palavra CÍRIO, da maior manifestação cultural e religiosa do Norte do Brasil.
Quem?
As televisões, nos canais fechados e abertos, só passam séreies sobre cidades americanas,LINDAS, com POLÍCIAS ALTAMENTE EFICIENTES, com SERVIÇOS DE SAÚDE PERFEITOS.
Criam em nós, medíocres cidadãos do terceiro mundo, a inveja que temos de um País maravilhoso que nos é imposto pela mídia.
Eu me pergunto sempre:
Se nós tivéssemos um sistema judicial rápido.
Se nós tivéssemos JUSTIÇA.
Se nós tivéssemos uma mídia honesta, e que fosse imparcial.
Se nós tivéssemos mais arraigado o sentimento de brasilidade.
Se não nos sentíssemos inferiores.
Não votei no Lula.
Mas tenho orgulho do Presidente da República que temos hj.
Ah! Círio quer dizer Vela

Anônimo disse...

Excelente texto, lindo mesmo. Grande parte dos comentários também. Dá gosto e esperança de ver que ainda há brasileiros que pensam de maneira mais ampla, que tem uma visão maior.
O que mais se vê nos jornais, revistas e nos comentários ou cartas destes é, cada vez mais, textos extramamente tendenciosos que na maioria das vezes expressam um conservadorismo que já se provou ineficaz e, mais uma vez, mostrou a fraqueza desse modo limitado de conduzir a riqueza do mundo.
É claro que exigir imparcialidade da imprensa ou de quem quer que seja é utópico, pois ser humano é ser parcial. Só que ao menos seria bom que essa parcialidade raciocinasse um pouco e enxergasse formas para melhorar as coisas, e não para deixar do jeito que está ou piorá-las, como sempre sugerem os "neoliberais conservadores" (por mais paradoxal que isso soe, você entendeu, rs).
Pelo visto, além de enxugar a máquina pública, fazem questão de enxugar um raciocínio sensato.
Abraços e feliz 2009.

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