Por João Villaverde
O Miguel tem falado muito d'O Globo. Voltou a assinar o jornal agora, no fim de semana. Provavelmente não pôde ler o artigo do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, publicado na última quinta-feira. O artigo deixa claro uma coisa: se as reportagens forçam a barra pelo irracionalismo lacerdista, os artigos são desnecessários, e os próprios autores dizem isso!
Estamos vivendo a maior crise desde 1929. Nasceu da especulação descontrolada nos mercados financeiros, se aproveitando de títulos fantasmas, informações desencontradas, índices futuros e dinheiro barato. Foi assim no período pré-1929. Foi assim no período pré-2008. Podemos evitar uma nova Grande Depressão (1929-1937)? Podemos. Podemos repetir uma nova Grande Depressão? Podemos. Dá para cravar hoje, com o que sabemos? Não.
À seguir, o citado artigo do Sardenberg, em itálico. Meus comentários estão logo abaixo.
"Não é 1929" - Por Carlos Alberto Sardenberg
O Globo, 27/11/2008
As comparações da crise atual, nos EUA, com a Grande Depressão de 1929 são tão freqüentes quanto as comparações entre o New Deal de Franklin Roosevelt e os planos de Barack Obama. Fazem sentido?No que se refere à crise, a resposta é não, escreve o economista Daniel Gross, colunista de "Newsweek" e Slate, revista eletrônica. Em comum, as duas situações têm a mesma origem, uma crise financeira, e a mesma conseqüência, uma redução no consumo. Mas as circunstâncias são de tal modo diferentes que 2008 parece coisa leve diante de 1929 e anos seguintes. Eis os principais pontos:
- Em 1933, quando Roosevelt assumiu, quatro mil bancos comerciais tinham ido à falência, destruindo as poupanças de seus clientes; hoje, até agora, apenas 19 bancos quebraram, mas a maioria dos clientes teve seu dinheiro protegido pelos seguros de depósitos;
Os dados estão corretos. Mas a análise está errada. Quando Roosevelt assumiu a situação era desesperadora. Foram 4 longos anos de crise. Não podemos comparar com alguns meses de 2008. Alguém sabe se daqui a 4 anos não teremos uma situação parecida com a de 1933?
- em 1929, a recessão começou em agosto e durou espantosos 43 meses; em 2008, começou no terceiro trimestre e, pelas previsões do FED e dos economistas, termina em junho de 2009;
Outra distorção de pensamento. O Fed prevê que a crise terminará ainda no primeiro semestre de 2009? Pois em 1929 o Fed também previra que a crise acabaria em 1930. A história mostrou que estavam errados. Não é possível se basear em previsões. Especialmente em economia.
- em 1929/33, o desemprego foi a 25%, a renda nacional caiu pela metade, e não havia seguridade social; agora, a pior previsão do Fed é de um desemprego chegando a 7,6% em 2009, com seguro desemprego, e a economia encolhendo 1%;
Novamente. Sardenberg se utiliza das previsões do Fed. João Goulart e Celso Furtado faziam previsões de como seria o governo Jango quando ocorreu o golpe de Estado dos militares em 1964. A monarquia russa fazia previsões do que faria quando acabasse a Primeira Guerra Mundial. Não teve tempo, em 1917, no meio da guerra, ocorreu a Revolução Russa. São exemplos extremos, eu sei, mas servem para ilustrar o pensamento.
- em 1929, o então secretário do Tesouro, Andrew Mellon, dizia que a falência de trabalhadores, investidores, fazendeiros e proprietários teria o efeito positivo de fazer com que as pessoas "trabalhassem duro, com mais valores morais"; agora, as autoridades estão fazendo de tudo e gastando um monte de dinheiro público para resgatar pessoas e negócios;
Nesse ponto Sardenberg está corretíssimo. É justamente essa ação coordenada entre governos que pode estancar a grande crise que passamos.
- em 1929/33, o Federal Reserve, surpreendido, elevou juros e apertou a política monetária; hoje, o Fed, dirigido por um especialista na Grande Depressão, reduziu os juros agressivamente e injetou centenas de bilhões de dólares no sistema financeiro;
- em 1930, as outras maiores economias do mundo, URSS, Japão e Alemanha, eram dirigidas por inimigos dos EUA e do capitalismo; hoje, as maiores economias e os emergentes, no G-20, estão todos no capitalismo e coordenando esforços para superar a crise.
De maneira genérica, é verdade. Mas entrando melhor nos diferentes cotidianos dos países percebe-se que estamos diante de uma mudança grande de modelo. O então capitalismo monopolista liberal de 1929 veio abaixo com a Grande Depressão, gerando uma guinada para o Estado de Bem Estar Social keynesiano adotado por Roosevelt. Foi o paradigma do Estado comunista da URSS que ajudou a impulsionar o capitalismo regulado de John Maynard Keynes. Hoje, novamente vemos uma grande crise do capitalismo monopolista (neo)liberal. O que virá?
- depois da quebra de 1929, os EUA (e o mundo) esperaram mais de três anos para a eleição e posse de Roosevelt, ficando todo esse período sob a liderança de um presidente fraco e inerte, Herbert Hoover; hoje, a espera é de dois meses, o governo Bush está agindo e Obama assume a liderança;
É isso! Enquanto o episódio de crise financeira de 1929 demorou quatro anos para começar a ser mudado, a crise financeira atual tem a possibilidade, veja bem: possibilidade, de acabar em um período curto, justamente porque o Hoover de 29, o atual presidente Bush, está de saída. Estamos diante de um momento incrível, de debate da hegemonia americana. Obama tem nas mãos uma chance histórica de fazer acontecer. Ou de afundar definitivamente. Como fazer previsões diante de um cenário desses?
Pois de tudo, veja como Sardenberg termina seu artigo:
Claro que o ponto fraco desse argumento está na avaliação da crise atual. Estamos no terreno das previsões - e previsões em economia, neste momento, valem tanto quanto ações. Seria a previsão do Fed - de que a recessão cessa em meados de 2009 - excessivamente otimista ou, como diria o presidente Lula, apenas uma conversa de médico para animar um paciente condenado?
Ao escrever esse parágrafo Sardenberg demonstra ter consciência que escrever se baseando em previsões - por mais acuradas que sejam - não quer dizer nada. Então, porque escreveu?
***
O que pensar então?Primeiro, é impossível fazer previsões. Lembrei de algumas extremas no meio dos meus comentários, mas não é preciso forçar muito. A maioria dos analistas econômicos e financeiros faziam previsões super otimistas em 2006 em relação a 2007 (quando surgiu a crise) e no ano passado em relação a 2008 (quando nos encontramos na situação atual). O que aconteceu com as previsões? Fica claro que previsão por previsão não vale nada.
Segundo e último. Estamos diante de um novo 1929? Não. Eram outras circunstâncias, um mundo diferente liderado por cabeças diferentes. Isso é óbvio. Mas a crise atual é quase tão séria quanto. Partiu da especulação (capitalismo) descontrolada (liberal) sobre mercados fortes (monopolistas) para a economia real. A segunda maior varejista de produtos eletrônicos nos EUA, a Circuit City, faliu. As três grandes montadoras estão na beira da falência, Ford, GM e Chrysler. O desemprego já é recorde e não pára de subir e as dívidas das famílias são enormes. Mesmo a dívida do país, a soberana, é monstruosa. Já são quase US$ 13 trilhões. Isso mesmo, treze trilhões de dólares, o equivalente ao PIB americano. Portanto, podemos estar ou não diante de um novo 1929. Mas é impossível saber agora.
2 de dezembro de 2008
Pode ser 1929
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João Villaverde
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terça-feira, dezembro 02, 2008
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O que tentei mostrar justamente é que não é possível carregar demais a tinta nem dizer que não é 29. Simplesmente não é possível dizer. Previsão se faz com os dados que temos hoje projetados para um período futuro (que pode ser daqui há meses ou décadas). As previsões não captam o básico: as coisas são feitas por pessoas, que podem gastar acima do normal se incentivadas ou pouparem além do necessário se aterrorizadas. Essa questão moral não pode ser captada por índices antes de ocorrer.
As crises do petróleo foram fatores exógenos, que os Estados Unidos se adaptaram elevando enormemente os juros, segurando a sociedade (os EUA cresceram pouquíssimo nos primeiros anos da década de 80) e cobrando o ajuste dos países de terceiro mundo. A crise do México e do Brasil em 82 e 83 foram justamente para dar conta do pagamento de juros aos EUA. E o que eles fizeram com esse dinheiro? Usaram para crédito na economia interna, gerando a bolha de poupança que estouraria no fim da década.
A atual crise foi produzida internamente, por meio da sucessão de instrumentos de "inovação" financeira e com muito dinheiro fictício, que era remunerado sob bases incrivelmente alavancadas. Em termos, ocorreu de maneira muito semelhante à de 1929.
Abraços
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