A eleição no Rio gerou confusão no eleitorado ideológico. Conservadores votando em Gabeira, defensor da liberação das drogas e do aborto? Esquerdistas votando em Paes, quinta-coluna tucano infiltrado no PMDB, verdugo midiático de CPI, ex-PFL, ex-pupilo de César Maia? Os partidos e lideranças de esquerda do estado articularam-se a favor de Paes, mas sem entusiasmo, procurando buscar unidade através de repúdio comum (um pouco forçado) ao representante do velho udenismo, o candidato Carlos Lacerda Gabeira. Não deixa de ser irônico que o lacerdismo conservador retorne vestindo sunguinha de crochê, fumando maconha e fichado como sequestrador de diplomatas americanos.
Adriana Calcanhoto, Frejat, Caetano Veloso, a maior parte da classe artística, apóia entusiasticamente Gabeira. Fazem-no com sinceridade, não para ganhar docinhos do Globo. Identificam-se com o "jeito avançado de ser" de Fernando Gabeira, ou mesmo por identificar nele uma personalidade "artística". Afinal, Gabeira é um talentoso artista, um ator, um performer.
Atacar Gabeira é extremamente delicado e receio que a sua candidatura servirá, como está servindo, para ampliar a distância entre as lideranças e instâncias partidárias de esquerda e o eleitorado jovem. Ao mesmo tempo, não creio que a estratégia mais eficaz para compreender o fenômeno Gabeira seja desclassificar o discernimento da classe artística e da juventude, tratando-as, simplesmente, como alienadas. A ascenção de Gabeira tem como causa a falência da esquerda, notadamente de sua vertente carioca, de superar os debacles conceituais e políticos sofridos pelo socialismo durante a década de 90. A esquerda carioca alinhou-se à oposição desde o primeiro ano do primeiro mandato de Lula, em 2003. Alternando entre o brizolismo decadente e um extremismo caricatural e festivo, a esquerda carioca marginalizou-se e possibilitou a ascensão de Gabeira que, no fundo, senão identifica-se ideologicamente com essas esquerdas, veste-lhes as mesmas roupas, frequenta a mesma praia e os mesmos bares. Apoiando Gabeira, o eleitorado de esquerda carioca, há tempos incomodado com o cerco ideológico patrocinado por mídia & elites, respira aliviado, porque pode expressar seu cosmopolitismo liberal sem o risco de sua opinião ser ridicularizada em rede nacional por Arnaldo Jabor, João Ubaldo Ribeiro, Demétrio Magnoli, Merval Pereira, para ficar apenas no Globo.
A situação de dependência comercial da classe artística carioca (resenhas, status), e de perseguição ideológica, da classe média em geral, diante das organizações Globo, é algo monstruoso. Um escritor, um cineasta, um músico, um artista plástico, que não beije a mão dos cardeais das ruas Jardim Botânico e Irineu Marinho, terá um caminho espinhoso diante de si. Artistas (a maioria, pelo menos) não são lutadores políticos, não têm paciência nem interesse nem força moral para exercer a luta política – por isso Virgílio (o poeta, não o senador) dedicou seus versos à Cesar, e Caravaggio e Michelangelo pintaram para a Igreja Católica. Alguns menos afortunados, ao envolverem-se em pelejas políticas, como Dante Alighieri e Ovídio, perderam suas propriedades e amargaram humilhante exilio. Dostoiéski, depois de ser vítima de uma encenação de fuzilamento, ser trancado por quatro anos junto à criminosos comuns e passar mais 9 anos exilado na Sibéria, aprendeu a lição e se tornou um "neutro" na relação com o czarismo – embora nem assim tenha se livrado de ver sua revista ser proibida pela censura da época.
Raríssimos, como William Blake, garantiram sua independência dominando a edição e distribuição de seus próprios trabalhos. Com o surgimento da internet, todavia, surgiram novos movimentos de resistência, independentistas, que podem sonhar, e lutar por isso, com uma cultura não dominada por corporações midiáticas. Alguns músicos, como o Racionais MC, ficaram ricos sem beijar a mão da mídia. Ao contrário, ganharam prestígio com letras extremamente agressivas em relação ao mundinho cor-de-rosa pintado pelos meios de comunicação.
O irônico é que Gabeira, o avançado Gabeira, está recebendo um apoio absolutamente personalista. Seus eleitores não votam em sua plataforma política, em sua aliança de partidos, em sua ideologia. Até porque Gabeira, confessadamente, é um pós-ideológico, um neo-liberal verde. Num mundo sem ideologia, com partidos e instituições políticas desprestigiadas por décadas de campanhas midiáticas negativas, quem poderá nos salvar senão uma referência ética, um símbolo da liberdade sexual, uma figura que une uma visão ideológica conservadora a um liberalismo aristocrático? Um político que defenda a riqueza e o direito de usá-la comprando drogas me parece uma mescla perfeita para o eleitorado zona sul.
Confundindo ainda mais o eleitorado, Gabeira recebe apoio de ministros, governadores e senadores petistas, como Carlos Minc, Jaques Wagner e Marina Silva, e do ícone maior do comunismo brasileiro, Oscar Niemayer. Afinal, Gabeira tem dois importantes trunfos para conquistar o eleitorado progressista: seu passado de guerrilheiro marxista, e suas posições avançadas quanto ao homossexualismo, ecologia e drogas. Não é pouca coisa, embora possa se acusar o primeiro de ser uma moeda falsa, não atualizada ao câmbio ideológico de hoje, e o segundo de serem bandeiras puramente cosméticas, não defendidas na prática dura da vida. Qual o histórico de luta de Gabeira em prol do meio-ambiente? Em prol dos gays? Em prol da liberação das drogas? Há que analisar detidamente esse histórico e o que ele propõe hoje a respeito.
Gabeira projetou-se no imaginário recente da classe média brasileira por sua participação vigorosa nas CPIs e no Congresso Nacional, como paladino da ética. Ajudou a eleger Severino Cavalcanti, um obscuro, impopular e caricatural nordestino, e depois agiu com o presidente da casa como a Casa Grande deve tratar a Senzala. A cena de Gabeira com o dedo apontado para Severino, ameaçando derrubá-lo, constitui um marco do coronelismo e do preconceito. E do golpismo. Virou santo, naturalmente, no altar dos jornais conservadores e da Veja.
Logo após as eleições de primeiro turno, os repórteres flagraram Gabeira, falando ao celular, referindo-se a uma popular vereadora da zona oeste como "suburbana" e "analfabeta política". Para alguém que tem seus votos principalmente na zona sul, a frase de Gabeira não poderia ser mais sintomática.
Entretanto faça-se justiça. Não é correto afirmar que Gabeira é candidato do César Maia ou do DEM. O César Maia apóia Gabeira porque não tinha para onde correr, porque o candidato verde tem aliança com o PSDB e mantém uma posição crítica e mesmo oposicionista ao governo Lula.
No meu caso, ainda estou tropeçando nas pernas. A candidatura Gabeira embebedou-me. Sobretudo em vista de seu adversário, o mauricinho camaleão Eduardo Paes. Ainda indeciso, assistirei ao debate entre dois na Globo, hoje, domingo 12 de outubro, que talvez me permita formar uma opinião mais consistente.
De qualquer forma, acho que o retorno do debate político e ideológico às eleições municipais cariocas significa um avanço. Vejo o pleito carioca com otimismo, porque sepultou a carreira política de César Maia e, consequentemente, prejudicou a de seu herdeiro, Rodrigo Maia, atual presidente do DEM. Uma eventual vitória de Gabeira não seria a meu ver, uma inserção tucana no estado, e sim mais uma prova de que o PSDB só poderá voltar a crescer aproximando-se da esquerda.
*
Em São Paulo, creio que a direita está cantando vitória antes da hora. E parte da esquerda derramando lágrimas precoces. Até pouco antes das eleições, Marta Suplicy despontava na liderança isolada. Esse é um fato incontestável. E o PT cresceu de maneira extraordinária na Grande São Paulo, conquistando as cidades mais importantes do rico ABC paulista. A direita quer transformar uma possível derrota de Marta numa catástrofe política do petismo. A manchete de outro dia de um jornalão paulista ecoava uma pesquisa do IBGE que dizia que a área de influência da cidade de São Paulo chega a 40% do PIB nacional. A pesquisa é certa, mas a manchete é bairrista, tendenciosa, exagerada e provinciana. Seguindo o mesmo raciocínio, pode-se dizer que o Rio de Janeiro, ao sediar Petrobrás e BNDES tem "influência" sobre um terço do PIB latino-americano.
12 de outubro de 2008
O dilema Gabeira II
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Gabeira, é abarriga de aluguel para a direita. Só isso. Qualquer ilusão de independência desaparecem ante a visão dos que o apóiam e quais objetivos perseguem, à direita.
E alguém de esquertda apoiando a figura errada, qual a novidade?
Complicado. Embora contando com apoios como o do Niemayer não dá pra esquecer que Gabeira é uma cartada de FHC/globo pra dificultar o projeto do Lula fazer seu sucessor e pavimentar o caminho de Serra no Rio de Janeiro. Uma vez eleito Gabeira não fará outra coisa senão trabalhar dia e noite pro Serra. Esse foi o preço de sua alma. Quem estiver esperando um governo moderno e libertário pode esquecer. O próprio Gabeira disse numa entrevista que seu filho se irritou por ver o pai não mais defender suas causas como antigamente. Acho que ainda não será dessa vez que o povo do Rio se livrará de ser governado por oportunistas de caráter duvidoso.
http://br.youtube.com/watch?v=z8B3pu-9Xek
Quanto ao mundo sem idéias prefiro morrer a viver como a globo quer.
Desculpe a insistência mas como se falou nos artistas, nesse vídeo que postei no primeiro comentário vemos que pelo menos um certamente não votará em Gabeira. O cineasta Sílvio Da-Rin.
Tô exausta de política, toda eleição juro que não quero nem saber. Criatura sem palavra que sou, acabo louca, insuportável,
sem tratar de nenhum outro assunto.
Mas quando se trata de Gabeira me dá uma preguiça... Só consigo pensar em 4 anos abraçando Lagoa e andando de branco na orla. Será?
Miguel,o Gabeira no Rio e a Soninha em São Paulo integram a "nova direita";eles se acham modernos porque fumam maconha,apoiam grupos minoritários,andam de bicicleta e usam mochila ou sunga de crochê.Politicamente estão alinhados com a oposição conservadora inimiga do Lula.Eles não suportam o fato do atual governo ter conseguido incluir no mercado interno via renda um enorme contingente até então marginalizado,ter diminuido a escandalosa pobreza nacional e ser aprovado por ampla maioria da população.Essa nova direita usa a bandeira da falsa ética para tentar passar a idéia que é diferente.Daí a meu ver a escolha entre Paes e Gabeira deveria levar em conta qual deles estará trabalhando em sintonia com Lula.Por mais que não aprecie a trajetória política de Paes ficaria com ele nessa disputa.
Concordo com o Kirire. "Nova direita" é boa, hein! Só faço uma ressalva, se fosse eleitor aí no Rio, meu voto seria nulo. Ademais, lembrei de uma charge do Angeli nos tempos do Farol de Alexandria: FH na limusine da comitiva presidencial, e o motorista pergunta: "E agora, Presidente, vamos para qual lado?" FHC responde: "A gente dá seta pra esquerda, mas chispa pela direita".
Miguel, ainda sobre o 2º turno do Rio, olha esse post do Rodrigo Vianna ("GABEIRA, PAES E JOSEPH FOUCHÉ"): http://www.rodrigovianna.com.br/
Gabeira entrou na Justiça para impedir que Lula e Jandira se manifestem politicamente. O quê isto tem de libertário ? Já me decidi: votar em Gabeira é um erro para quem deseja um país livre, fraterno e justo socialmente.
Mais elementos para sua excelente análise crítica da Miriam Leitão. O blog do Luiz Antonio Magalhães, Entrelinhas, diz que a Miriam declarou hoje na rádio CBN que o plano do Gordon Brwon não vai funcionar. Compare com a matéria que o Nassif publica hoje do sueco Arne Berggren, que entende das coisas e está sendo chamado a Washington, onde o economista afirma que a Grã-Bretanha é que fez a coisa certa.
Aliás, sobre o Gordon Brown, o blog do Favre também cita um artigo qwue contradiz a opinião da Miriam Leitão: do Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia 2008, que saiu no Globo de hoje. Ferrou-se mais uma vez a Miriam, a louca.
Errei no tom. Já recebi um monte de e-mails dizendo que é para vestir verde. Parece que nesta
primavera-verão verde será o novo branco.
Uma coisa é certa: a mídia corporativa está de corpo e alma na campanha de Gabeira. E essa gente não costuma dar ponto sem nó. Os acertos políticos para abrir caminho para Serra no Rio já devem ter sido acertados em detalhes com o PV. Aliás, aqui em Sampa eles estão com Kassab desde o primeiro turno.
Miguel, sua coluna está excelente. Mas para mim essa história de dificultar a sucessão do Lula é besteira de quem ainda reza a cartilha da Articulação petista. Gabeira é melhor figura pública que o Paes, isso tem que ser levado em consideração... O sucessor do Lula ganha do Serra no Rio, com ou sem Gabeira. E o Gabeira pode ganhar do Paes no Rio com ou sem PT... O problema é que tem a turma da mamata petista, os "articuladores" da velha direita petista (qu sempre existiu e existirá, quem já militou no partido pela esquerda sabe). Voto contra o caveirão,contra a repressão policial aos usuários de drogas, pelos debates culturais que podem mudar um pouco o perfil da cultura política vigente no Rio há anos.Voto no Gabeira, e o PT carioca que se dane.
Miguel, sua coluna está excelente. Mas para mim essa história de dificultar a sucessão do Lula é besteira de quem ainda reza a cartilha da Articulação petista. Gabeira é melhor figura pública que o Paes, isso tem que ser levado em consideração... O sucessor do Lula ganha do Serra no Rio, com ou sem Gabeira. E o Gabeira pode ganhar do Paes no Rio com ou sem PT... O problema é que tem a turma da mamata petista, os "articuladores" da velha direita petista (qu sempre existiu e existirá, quem já militou no partido pela esquerda sabe). Voto contra o caveirão,contra a repressão policial aos usuários de drogas, pelos debates culturais que podem mudar um pouco o perfil da cultura política vigente no Rio há anos.Voto no Gabeira, e o PT carioca que se dane.
PQP!!!!! O Rio foi pelo ralo!!!!!!!! esquerda de verdade era a doce e enérgica Jandira, o Gabeira é uma fraude dele mesmo, arrivista da nova direita, leve como uma pluma, é feio se dizer "muderno" e "descolado" sem apoiar o Gabeira, figura menor do sequestro do embaixador, quase um office-boy do grupo passou para todos a figura de guerrilheiro destemido, sou funcionário da Petrobrás a 21 anos, entrei por concurso em 1987 no governo Sarney em uma época que o exército ainda atirava e matava grevistas como ocorreu na CSN, passei por terremotos tipo Collor, o bom e justo Itamar e o anti-cristo FHC que representou a beirta do precipício da empresa que dá sustentáculo para um Brasil que tenta romper com o seu atrazo histórico.
Pois bem esse governo tucano foi apoiado entusiasticamente por esse cidadão neo-colonizado e hipnotizado pelas benesses do poder, tudo isso escudado e escondido atrás de um hipócrita e dissimulado Partido Verde, que dentro do quadro político e representativo brasileiro corresponde a "subnitrato de pó de merda" que ao contrário do adágio popular, não fede , mas normalmente cheira..... Então me desculpe Miguel, mas é a disputa entre uma bosta original- Paes- e uma bosta falsificada - Gabeira- ao final perderemos todos, apesar dos belos e aviadados discursos do Gabeira e os mirabolantes planos de governo do TFP Paes, tamos na merda....não vot no Rio, sou de Itaboraí,nunca anulei um voto na minha vida, mas se morasse na cidade do Rio seria obrigado a perder a "virgindade"
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