29 de outubro de 2009

Desfragmentando o futuro

Ontem eu fui num evento muito legal, chamado Mate com Angu. É um encontro mensal de cineastas e amantes da sétima arte, onde são exibidos curta-metragens do circuito alternativo e experimental. Depois rolou uma festa. A tertúlia acontece em Caxias, na Baixada Fluminense. Os organizadores põem ônibus de ida e volta a 10 reais saindo da Lapa, para que os moradores do Rio possam ir.

Daí que acordei tarde e cansado, e ainda tinha que compilar e imprimir os documentos necessários à inscrição no mestrado de história, cujo prazo termina neste dia 30. Amanhã eu quero escrever um texto sobre o Mate com Angu. Tenho que aprontar agora a Carta Diária de amanhã.

Por hoje, deixo vocês com essa bela citação de Hegel:

Perseguindo seus interesses pessoais, os homens fazem história e são, ao mesmo tempo, as ferramentas e os meios de qualquer coisa de mais elevada, de mais vasta, que eles ignoram, e que eles realizam de maneira inconsciente. *
E mais, dou acesso universal a meu anteprojeto de mestrado, intitulado Desfragmentando o Futuro: Relendo Burckhardt à luz de Hegel.

Burckhardt é Jacob Burkhardt, autor do primeiro grande clássico moderno de história cultural, "A Cultura do Renascimento na Itália". De Hegel, vocês já ouviram falar.

Caso eles aprovem minha inscrição, eu farei leituras bem pesadas este ano. Mas tentarei, nesse espaço, usar sempre a linguagem mais simples possível, porque, para citar um trecho do meu anteprojeto...

Nietszche afirmava que os grandes escritores da Antiguidade procuravam se distinguir usando uma linguagem mais simples e despojada que a usada pelo povo. A linguagem popular é que era considerada arrojada, complexa, complicada, em oposição à simplicidade e clareza da escrita culta. Hoje é o contrário. A segmentação do conhecimento fez surgir verdadeiros sub-idiomas acadêmicos. A popularização do ensino acadêmico levou intelectuais a priorizarem o vocábulo e a sintaxe mais difíceis como forma de conferir distinção (o capital simbólico de Bordieu) ao texto especializado, perdendo-se, por outro lado, a noção de um leitor universal. No debate sobre os valores universais, o tema da linguagem certamente será sempre relevante, e deverá influenciar a própria forma do texto do meu ensaio.


A íntegra do anteprojeto está aqui.

* La Raison Dans L'Histoire – Introducion à la Philosophie de l'Histoire - Hegel – Le monde em 10:18 – pág.48-49.

*

Aproveito para publicar um texto fundamental, porque trata de um tema sempre importante: educação e respeito aos professores. É a réplica do sindicato de professores de São Paulo à uma entrevista do secretário de educação do mesmo estado, Paulo Renato, à revista Veja. Eu pesquei esse texto no excelente blog Esquerdopata. Agora, que estou decidido a ser historiador e professor, além de blogueiro, escritor, etc, mais que nunca tenho que defender a categoria. Este blog, claro, dá apoio aos professores, que estão lá, ralando, ensinando, e não a esses almofadinhas, como Paulo Renato, e seus tiques napoleônicos, sempre querendo humilhar os trabalhadores. Aumentar salário, que é bom, nada. Em vez disso, criam novas dificuldades e constrangimentos.



APEOESP responde à última flor do fascio
Carta à Veja sobre a entrevista do secretário da Educação

Carta enviada à Veja sobre a entrevista do secretário Paulo Renato nas Páginas Amarelas.

Senhor editor,

A entrevista do secretário Paulo Renato (Veja, 28/10) apenas confirma que o governo do PSDB no estado de São Paulo está mais preocupado em fomentar a “competitividade” entre os professores e aplicar receitas empresariais ao sistema público de ensino do que com a melhoria da qualidade de ensino para todos os estudantes das escolas estaduais.

O secretário culpa os sindicatos de professores pela queda na qualidade de ensino, como forma de fugir de suas próprias responsabilidades. Ele já foi secretário de Educação no governo Franco Montoro e ministro da Educação por longos oito anos, no governo FHC. Seu viés é sempre o da exclusão. Quando criou o FUNDEF, deixou descobertas as duas pontas da educação básica: a educação infantil e o ensino médio, concentrando recursos apenas no ensino fundamental, praticando assim uma política de foco. Esta é a forma como vê a educação.

Um projeto que exclui, de imediato, 80% dos professores de reajustes salariais e, ainda assim, não assegura que os demais 20% terão mesmo direito à melhoria salarial (pois depende de disponibilidade orçamentária) não vai contribuir para a qualidade de ensino e sim para gerar mais revolta e desestímulo na categoria. Os professores tem como ofício educar e sua ferramenta é a educação; e a educação não está sendo valorizada.

As posições externadas pelo secretário estão na contramão de todos os avanços que se tem verificado na educação nacional nos últimos anos. Por certo são ainda insuficientes, mas apontam na direção da escola pública de qualidade.

Por outro lado, é difícil entender como, num Estado democrático de direito, todo o espaço é reservado apenas para um dos lados, que se permite fazer juízos de valor sobre o sindicato, sem que nos seja oferecido espaço equivalente. O que queremos, em nome dos 178 mil associados da APEOESP, é que nos seja aberto espaço nesta revista para que nós próprios possamos expor nossas posições.

Não somos corporativistas. O que nos move é a qualidade da educação e a valorização dos profissionais que nela trabalham, pois a educação abrange bem mais que a relação professor-aluno em sala de aula. Entretanto, ainda que fôssemos corporativistas, o papel de um sindicato não é justamente defender os direitos e reivindicações da categoria que representa?

Aguardamos a publicação desta carta e a abertura de espaço para que possamos expor e defender nossos pontos de vista.

Atenciosamente,

Maria Izabel Azevedo Noronha
Presidenta da APEOESP
Membro do Conselho Nacional de Educação

6 comentarios

Fabiano Camilo disse...

Miguel,

não li seu projeto, mas o tema é interessante. O título, por si, é instigante.

Manifesto uma profunda resistência a essa citação de Hegel. A ideia persistente de que os homens fazem História, que é uma ideia moderna, não faz nenhum sentido para mim. Não me parece que exista esse coisa, esse processo denominado História, que os homens supostamente fazem. O que talvez exista é o tempo – digo talvez por que se não estou equivocado os físicos discutem a existência de um tempo objetivo. O mais adequado seria afirmar que os homens existem no tempo e agem no tempo. Com efeito, os homens não podem dimensionar e prever todas as consequências de seus atos, não possuem meios que lhes permitam saber, com segurança, como será sua sociedade amanhã ou que sociedade se formará da sociedade em que vivem. O problema consiste em partir da constatação da ignorância do homem acerca das consequências dos seus atos para concluir que os homens, ao agir, são instrumentos de um propósito mais elevado, um sentido que eles desconhecem. Estou convencido de que os historiadores devem renunciar à ideia da História como um processo que os homens realizam e no qual existem, porque, ainda que inadvertidamente, essa ideia sempre reinstala uma teleologia. Se não há um fim determinado para o qual a ação humana conduz – eu, ao menos, não acredito que haja –, não existe o processo, a história, que esta ação desencadeia com vistas ao atingimento daquele fim. O fim ao qual conduzem as ações humanas, se for possível estabelecê-lo, deve ser aquele que os próprios homens decidirem, e não aquele que uma suposta instância superior, que comandaria a História, designa e que os homens realizam inconscientemente.

Um abraço!

Anônimo disse...

Miguel,

Embora desconfie que em breve estaremos desfalcados do blogueiro, faço votos para que seja aceito no mestrado e tenha êxito na carreira acadêmica. Espero que encontre tempo e energia para manter todas essas atividades. Nossas universidades precisam de cabeças como a sua.

Grande abraço.

Dilson.

Miguel do Rosário disse...

Dilson, não fale uma coisa dessas! Você até me ofende! Eu só desfalcaria o blog por razões de saúde (tipo câncer terminal no cérebro ou coisa do tipo)! (Três vezes na madeira).

Minha profissão principal agora é blogueiro. Para mim é muito mais importante que mestrado. Mas eu preciso de apoio institucional para obter alguma estabilidade econômica, a qual por sua vez é fundamental para minha liberdade, e daí voltamos ao blogueiro, que precisa dessa liberdade para trabalhar.


Prezado Fabiano,
você se revelou o leitor ideal para quem vou escrever minha tese de mestrado em história, pois suas idéias são, ao que parece, exatamente o oposto das minhas, no que tange à uma visão da unidade da história e sua teleologia (estudo das finalidades). Vou pensar em você quando estiver pesquisando e escrevendo.

Abraço,
Miguel

Marcos Barros disse...

Miguel,

Primeiro boa sorte no seu mestrado. Creio que o tema é super interessante. Só tenho uma pequena observação sobre a frase de Hegel.
Hegel não acreditava na capacidade do homem de construir a história mas, ao mesmo tempo, na época, o conceito de livre arbítrio do homem estava em voga, particularmente graças à ciência (?) econômica da época. Esta citação é apenas uma tentativa, acredito frustada, de unir os dois conceitos. Ou seja, Hegel reconhece o capacidade de ação do homem mas considera que ele não tem nenhuma consciência (e, implicitamente, nenhum poder) de mudar a História (com H maiúsculo). Neste ponto, sou mais Freiriano na sua batalha para mostrar através da educação aos homens que somos, todos, criadores de nossa história (maiúscula e minúscula).
Espero que esta observação possa contribuir ao debate.

Um abraço e boa sorte,

Marcos

PS: Espero que realmente continue o belo trabalho de blogueiro.

Miguel do Rosário disse...

oi marcos, obrigado pelo comentário. mas agora fiquei pilhado: eu dei alguma indicação de que não iria continuar o trabalho de blogueiro? ora, não estou fazendo exatamente o contrário? não estou aumentando e, inclusive, me comprometendo profissionalmente como blogueiro? está certo, eu falei que pretendo ser professor e historiador... ah deve ser por isso. sim, porque Mestrado não tira tempo de ninguém. se eventualmente eu me tornar professor, no futuro, isso talvez me prejudique no blog. mas se eu conseguir bastante assinantes aqui no blog, nem vou querer ser professor. abraço, miguel

carlos disse...

ô miguel, essas considerações do fabiano, me fazem refletir nas palavras de um historiador inglês que escreveu sobre a revolução inglesa do século xvii.

ele dizia, mais ou menos, que toda geração tem o direito e o dever de se debruçar sobre os eventos históricos de seu passado para tentar analisá-los de acordo com a experiencia de seu tempo.

fascinante, não?

abçs

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