23 de outubro de 2009

Discutindo Judas: Preparativos para um debate

Quando se opta por escrever diariamente, perde-se um pouco o controle sobre os temas a serem abordados. Eles é que se impõem. Digo isso porque não havia pensado em discutir a entrevista de Lula. Não por não achá-la relevante, mas porque, sei lá, queria falar de outras coisas. Mas hoje, depois de ler os jornais, noto, entre divertido e perplexo, a criação do "factóide" Judas, conforme o título de um post lá no blog do Azenha. E o Azenha também bota lenha nessa fogueira, ao reproduzir um texto de Lungaretti, e escrever, ele mesmo, um editorial, ambos contendo críticas relevantes ao governo Lula.

Eu sinto-me obrigado (com prazer) a participar desse debate. Essas discussões mais propriamente ideológicas que políticas são a minha praia; é onde me sinto mais à vontade.

Reproduzo abaixo os textos do Azenha e do Lungaretti, para que os leitores possam ler e se inteirar melhor sobre o debate a ser realizado aqui o blog.

Ontem prometi atualizar o blog toda manhã, mas esqueci de dizer que não posso seguir à risca essa determinação, porque há dias, ou melhor, há noites em que preciso discutir os assuntos com amigos, o que prejudica o desempenho do blogueiro na manhã seguinte. Agora tenho encontro com uma dentista, e depois preciso pegar a biblioteca aberta para realizar algumas pesquisas; de maneira que só poderei voltar à noite.

DISCUTINDO A METÁFORA
Atualizado em 23 de outubro de 2009 às 12:40 | Publicado em 23 de outubro de 2009 às 12:24

por Luiz Carlos Azenha

Nem parece que vivemos no Brasil, um país com problemas gravíssimos que demandam algum tipo de composição política para resolvê-los. Até recentemente, não fazer nada servia à elite econômica do país. Não fazer nada implicava em administrar as demandas sociais de forma a fazer o menor número possível de concessões à grande maioria dos brasileiros.

Lula não rompeu com essa lógica, embora tenha alargado as bases para as quais se espalharam os benefícios do dinheiro público. O presidente da República foi absorvido pela elite brasileira dentro de parâmetros bem definidos: mude, para que a gente mantenha nossos privilégios. Esses privilégios se perpetuam na confluência de interesses entre os donos de terra, de meios de comunicação e de mandatos federais, no Congresso.

A Globo fala mal de Sarney, aliado de Lula, mas não desfaz os negócios que tem com Sarney no Maranhão. A Globo fala mal de Collor, aliado de Lula, mas não desfaz os negócios que tem com a família Collor em Alagoas. São disputas políticas que não implicam em um rompimento do acordão das elites que tem permitido a elas manter seus privilégios no Brasil por tanto tempo.

A agenda de Lula deixou intocados esses privilégios. Não houve mudanças institucionais profundas como as que aconteceram na Venezuela, no Equador e na Bolívia, que levaram a uma recomposição social, política e econômica. É por isso que o presidente falou recentemente na necessidade de votar uma consolidação das leis sociais. O quadro de aumento do salário mínimo e de expansão dos programas sociais, para usar apenas dois exemplos, pode ser revertido com uma simples canetada pelo próximo ocupante do Planalto, se ele quiser.

A falsa polêmica sobre as declarações de Lula de que, se necessário, Jesus faria acordo com Judas em nome da governabilidade, não deixa de ser reveladora da estreiteza de nosso debate político. Querendo marcar pontos junto à opinião pública, opositores distorcem as declarações para dizer que Lula "fala com Cristo", cometeu algum tipo de heresia ou foi infeliz na metáfora.

Politicamente, Lula falou uma verdade incômoda para todos os progressistas e todos os candidatos à presidência da República que se apresentam como progressistas. Não dá para governar o Brasil sem alianças que impliquem na rendição prévia aos interesses da elite brasileira que descrevi acima. Os limites da mudança são dados antes mesmo de cada eleição presidencial.

E a sociedade brasileira, cada vez mais conectada e informada, tem pressa. Vivemos uma profunda crise social, da qual os meios não se dão conta por estarem unicamente interessados em noticiar para e em defesa da elite política e econômica. A crise sai nos jornais via noticiário policial: explosões de violência nos morros do Rio, confrontos nos trens de subúrbio cariocas, enfrentamentos entre moradores e a polícia em Heliópolis e outros bairros de São Paulo. A questão social sempre foi e continua sendo tratada essencialmente como um problema de polícia, no Brasil. A simples existência das polícias "militares" é uma demonstração clara disso.

Um aspecto pouco analisado da recente entrevista do presidente Lula diz respeito ao fato dela ter sido dada logo depois do fechamento da aliança PT-PMDB. Lula escolheu a Folha de S. Paulo, um jornal que tem entrada junto ao empresariado paulista. Em minha modestíssima opinião, o recado dele aos empresariado paulista foi claro:

Sou um realista político e jamais endossarei rupturas. É melhor mudar com Dilma do que embarcar em "aventuras". Vocês sabem muito bem que nem de esquerda eu sou.

À direita a oposição entendeu e tentou usar algumas opiniões e metáforas presidenciais para desqualificar o conteúdo da mensagem. À esquerda a mensagem de Lula foi entendida e causou desconforto por Lula ter prometido, indiretamente, que Dilma será mais do mesmo: um reformismo cauteloso que manterá intocados os interesses essenciais da elite brasileira.

Politicamente, a manobra de Lula é muito inteligente. Ele ocupa o centro político, incorpora a "moderação" diante dos "radicais" à esquerda e à direita. O único problema é saber se as demandas sociais, que se multiplicam junto com as tecnologias de informação, cabem dentro do velho molde de uma aliança entre o PTB e o PSD em pleno século 21.

Link original do artigo.


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CELSO LUNGARETTI: DE LULA-LÁ A PILATOS
Atualizado em 22 de outubro de 2009 às 15:40 | Publicado em 22 de outubro de 2009 às 15:34

por Celso Lungaretti (*)

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu longa entrevista a Kennedy Alencar, que é matéria-de-capa da Folha de S. Paulo e está integralmente reproduzida na Folha On Line.

O que dela se filtra é, principalmente, a metamorfose do Lula num mais do que competente político convencional.

Caíram do cavalo os que apostavam na sua incapacidade de pensar, falar e agir como presidente da República, por ter formação escolar apenas básica.

Pelo contrário, suas palavras e raciocínios são os mesmíssimos dos presidentes que essa gente erige como modelos.

Decepção real é a dos idealistas que apostaram nele e fizeram campanhas voluntárias, com doação extrema dos seus esforços, para colocá-lo no poder.

A faixa presidencial o fez esquecer ideologia e se tornar mais um adepto do realismo político, com tudo que isso tem de sinistro num país tão desigual e tão injusto como o Brasil.

Lula já emitiu, com outras palavras, o conceito de que só um desmiolado continua esquerdista ao se tornar sexagenário.

Agora ele acrescentou outras pérolas na mesma linha. P. ex.: "Não utilizo mais a palavra burguesia".

Coerentemente, qualifica Roger Agnelli (presidente da Vale) e Eike Batista (o homem mais rico do Brasil) com a mesma expressão: "grande executivo".

Eu preferia os tempos em que ele designava tais figuras como burgueses fdp. Mas...

Também é chocante ouvir Lula confessar que suas afirmações aparentemente tão convictas de outrora não passavam de papo furado: "Quando se é oposição, você acha, pensa, acredita. Quando é governo, faz ou não faz. Toma decisão".

Ou seja, se você não tem o poder, o que diz não passa de retórica inconsequente. Quando você está no poder, aí sim é que mostra quem realmente é, por suas atitudes.

Deu-me razão. Há anos venho afirmando que o Governo Lula se define mesmo é por sua política econômica -- no caso, neoliberal, idêntica à de FHC.

Fiquem os leitores sabendo que ele concorda com este critério. Discurso é conversa pra boi dormir, o que vale é a ação.

E a atuação concreta do Governo Lula prioriza o grande capital, os banqueiros e o agronegócio. Em suma, os burgueses, que continuam existindo e sendo socialmente perversos e nocivos, pouco importando a forma como os denominemos.

Lula também deixa claro o motivo de hoje fazer coro aos reacionários em suas críticas aos MST:

"Em 2002, fizemos uma pesquisa em que 85% diziam que a reforma agrária tinha de ser pacífica. Levei mais de 15 dias para que minha boca pudesse proferir reforma agrária tranquila e pacífica. Essas mudanças têm de ter. Algumas coisas que a gente fala, pensando que está agradando, não batem com o que povo pensa".

Só esquece de dizer que o que o povo pensa tem 99% a ver com o que a grande imprensa martela na sua cabeça. E que a cobertura das ações do MST é extremamente tendenciosa e distorcida.

Mas, para um político convencional, o que importa mesmo é aquilo que o povo acredita ter concluído por conta própria, embora, na verdade, lhe tenha sido impingido pela indústria cultural.

Então, se houver considerável maioria de posições contra o MST, nas tais pesquisas de opinião nunca totalmente confiáveis, é nesta direção que o político Lula irá. Sorry, MST!

"JESUS TERIA DE CHAMAR JUDAS PARA FAZER COALIZÃO"

O Lula realista só não aprendeu a falar muito sem dizer nada, como fazem os outros políticos convencionais. Às vezes, seus excessos retóricos permitem que descortinemos a verdade oculta atrás dos biombos.

Seu maior ato falho, desta vez, foi proclamar em alto e bom som o que realmente são os partidos da base aliada:

"Quem vier para cá não montará governo fora da realidade política. Se Jesus Cristo viesse para cá, e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão".

Depois disto, nada mais surpreende.

Nem a defesa que faz de sua própria atuação no Sarneygate, não por considerar inocente o "grande republicano" (é assim que Lula se refere a ele noutro trecho), mas porque, se fosse feita justiça, a presidência do Senado seria assumida por um tucano. Ah, a maldita governabilidade, quantas infamias se cometem em seu nome!

Nem sua justificativa tosca ("Não tenho relações de amizade, mas relações institucionais") para a atual promiscuidade com figuras que o Lula do passado abominaria, como Fernando Collor, Renan Calheiros e Jader Barbalho.

Nem sua entendiado descaso, só faltando bocejar ("Palocci pode reconstruir a vida dele"), diante da incompatibilidade extrema entre o que Antonio Palocci fez (mobilizar todo o poder do Estado contra um mero caseiro) e a proposta original do PT (representar os humildes e os fracos na sua luta contra os poderosos).

O Lula realista, que admite fazer alianças com quaisquer judas, escolheu ser Pôncio Pilatos: lava as mãos dos resíduos imundos da governabilidade e vai em frente.

Que nunca lhe falte sabonete, e que não venha a ter também nas mãos o sangue dos inocentes -- é o que lhe desejo.

*Jornalista e escritor, Celso Lungaretti mantém os blogues: naufrago-da-utopia.blogspot.com/ e celsolungaretti-orebate.blogspot.com/

Link original desse artigo.

7 comentarios

Angélica Matos disse...

Gente, está em andamento uma pesquisa para escolher quem é a grande personalidade brasileira. Vamos lá, minha gente, vamos eleger o PRESIDENTE LULA COMO A GRANDE PERSONALIDADE BRASILEIRA. Acesse e vote aqui: http://www.whopopular.com/Lula-da-Silva. Vamos divulgar esta pesquisa entre os nossos amigos.

Maurício disse...

Não enendo esses caras..........leio o Azenha todo dia...o Celso sempre que posta........vc também, sempre que posta..........e de repente els ficam aí metendo o PAU no LULA?...........será que não conseguem enxergar o melhor do cara como costuma sempre realçar em seus blogs?........bastou uma pisadinha pra malharem o "Judas?'......é isso?

carlos disse...

ô miguel, o que esses caras querem?
que o lula fizesse a revolução proletária no início de seu governo?
que mobilizasse o mst e as forças armadas pra destruirem o agronegócio?

calma, azenha e lugaretti. voltem à planície e racionalizem o discurso em bases reais.

que coisa, eu hein?

José Carlos Lima disse...

Esta é a síndrome da qual padecemos: temos medo de, ao apontarmos as conquistas de Lula, sermos vistos como ufanistas ou coisa e tal.

O problema é que ao fechcar os olhos para este Brasil desconhecido por nós, senti-me totalmente por fora quando dias atrás o porteiro do prédio onde moro foi apontando as realizações de Lula, uma a uma, em várias áreas:
Educação: várias escolas, muito mais do que se contruiu em décadas neste País.
Estradas: ferrovias em andamento, com o projeto do trem-bala em andamento
Segurança pública: atuação firma da PF
Habitação: fim do sistema da Era FHC, quando mais se pagava o financiamento mais se devia (ele me informou que realizou seu sonho, comprou um apartamento vizinho do prédio onde mora, a prestaçao menor do que ele iria pagar por um aluguel).
Etc
Etc

Pensei cá comigo mesmo: ué eu acompanho vários blogs todos os dias, eu não deveria estar informado sobre estes dados?
Foi quando perguntei ao porteiro onde ele colheu tais informações.

Ele: eu tenho um caderninho. Vou anotando tudo que o Lula faz.

Eu: onde você viu isso?
Ele: nos jornais e na Televisão.

Eu: mas a televisão esconde estes dados.
Ele: anoto o que posso, eles não comentam, falam rapidinho e anoto.

Foi quando vi que a blogosfera não é tão eficiente assim como o caderninho do Sr.Clovis, este é o nome dele.

Não basta apenos defendermos Lula dos ataques da mídia.
A blogosfera tem a obrigaçao de mostrar o que esta sendo feito, sem medo de ser chamada de ufanistra ou coisa e tal.

Sob pena de passarmos a ser vistos, nao como uma fonte de informação mas apenas como espaço de desabafo.

Vi hoje blogueiros ditos de esquerda pegando como gancho o espírito conciliatório de Lula para pichá-lo. Para isso dizem que ele fez muitas concessões para a burguesia, como se a ruptura fosse possível.

Até o Azenha caiu nesta armadilha.

Foi justamente este espírito conciliatório de Lula que proporcionou, por exemplo, o PROUNI, o Bolsa Família, o aumento do comércio exterior e as relações com outros países do mundo.

Isto é pouco?

Para quase 200 milhões de pessoas que precisam ser alimentadas o Brasil vai muito bem e obrigado.

Resta aos blogueiros não terem medo nem vergonha de dizer isso.
Que façam como o Sr. Clovis.

José Carlos Lima disse...

Eu quis dizer "ufanista"

Anônimo disse...

Existem algumas pessoas que, vez por outra parece que enlouquecem e desandam a falar (ou escrever) besteiras. E logo depois, voltam ao prumo anterior. Acho que críticas devem ser feitas, mas de forma responsável, o que não vi nem no texto do Lungaretti nem no do Azenha. Que o governo Lula não é perfeito, todos sabemos até porque perfeição não existe, e a classe política brasileira não ajuda, sem falar no PIG e seus mantenedores. Mas se compararmos o governo Lula com o governo demo-tucano, temos que reconhecer que parece milagre tudo que o Lula e seu governo conquistaram. Soia Montenegro

Patricia disse...

Tenho acompanhado essa discursão de perto. Reconheço todas as grandes conquistas do governo Lula e também seus problemas. E, para mim, é ai que mora o perigo. Lula não mexeu em nada no problema da imprensa. O que vimos nos últimos tempos em termo de manipulação de fatos, mentiras, factóides é assustador. Esse pessoal faz a cabeça de muita gente e com isso a direita reacionária brasileira pode voltar ao poder com tudo. E com o apoio dessa mesma imprensa, poderíamos levar décadas para tirá-los do poder. Torço, no entanto, para mais pessoas pensem como o porteiro descrito aqui nos comentários. E esse pessoal não volte ao poder. Acredito que temos de ter um governo a partir do governo Lula, melhorando o que ele fez e mexendo no que ele não fez. E só com críticas construtivas faremos isso. Não é cuspir em Lula. Não, não é isso. Na verdade, é discutir de forma inteligente e menos apaixonada, o que podemos fazer para dar continuidade ao que ele começou e melhorar consideravelmente o que ele não fez ainda.

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