23 de outubro de 2009

A esquerda morreu. Viva a esquerda.

uns posts atrás, prometi criar um debate a partir de dois textos (ir no link para ler), um do Azenha, outro do Lungaretti, no qual ambos afirmam que Lula não é de esquerda. O próprio Lula declarou, em mais de um momento, que não é de esquerda, e sim um político com inclinação à esquerda, ou, usando ironia, apenas um torneiro mecânico.

Este é um debate interessante, e não se trata aqui de "defender" ou "criticar" Lula, e sim meditar um pouco sobre temas universais. Azenha e Lungaretti cometem, para mim, o mesmo erro conceitual: têm uma idéia abstrata e um tanto arbitrária do que seria esquerda. Falemos do Azenha, em primeiro lugar. Aliás, antes quero esclarecer que tenho o maior respeito e admiração por ambos, Azenha e Lungaretti. Decidi debater com eles hoje porque nem todo o dia tenho paciência para fazer o contra-ponto à grande imprensa. Gosto de realizar o debate interno, até porque entendo que o maior perigo para o futuro da esquerda latina é a deterioração dentro de casa, é se deixar contaminar pelo vírus do radicalismo e da fragmentação. Para evitar isso, é necessário o exercício dialético, o debate, a busca pela unidade em meio ao caos de opções e caminhos que a política desdobra diante dos povos. Acredito que Azenha e Lungaretti representam um segmento importante da opinião na blogosfera, e por isso, quando os cito, penso em todo um grupo.

Outra observação: eu gostei do texto do Azenha. O debate com o texto dele é uma contribuição crítica. No caso do Lungaretti, com perdão da palavra, achei apenas uma diatribe adolescente. O fato dele ter 59 anos não significa nada. Os romanos tem uma frase que diz que cabelos brancos significam apenas velhice, não sabedoria. Não quero dizer que Lungaretti não seja sábio, mas que esse post em particular, na minha opinião, é uma tolice e não vou comentar agora. Amanhã, talvez, falo o que eu penso do anarquismo e como ele tem sido usado e abusado como refúgio de nefelibatas. Eu já me declarei anarquista e já li os clássicos do anarquismo e terei algumas palavrinhas sobre isso. Adianto apenas que Lungaretti ecoa um saudosismo que é muito mais cultural e, porque não, sexual, do que político. Quando ele fala em "idealistas" que acreditaram em Lula, ele se refere à meia dúzia de comunistas de botequim que, de qualquer maneira, provavelmente nem nunca votaram no metalúrgico. Sempre haverá uma Heloísa Helena para cumprir o papel de herói da revolução macunaímica que eles esperam acontecer no Brasil. O pior é que Lungaretti também não gosta do PSOL, muito menos do PSTU, odeia Chávez, Fidel e Morales... O seu esquerdismo e sua revolução, portanto, são uma espécie de bloco do eu-sozinho, que ele escuta, todavia, com muito orgulho e dignidade.

O que é esquerda, afinal? Azenha insinua (ou ao menos é o que entendi nas entrelinhas de seu texto) que a esquerda seria uma espécie de pedra filosofal encontrada apenas nos acampamentos do MST, grampeada no uniforme de Hugo Chávez ou escondida nos cabelos de Evo Morales. Há segmentos da esquerda brasileira que insistem em comparar Chávez com Lula, e Chávez é, quase que invariavelmente, colocado no pedestal do esquerdista perfeito. Ele usa sempre roupas vermelhas, usa boina e passa boa parte de seu tempo imprecando contra o imperialismo ianque.

A origem do termo esquerda remonta aos primórdios da Revolução Francesa. Durante as primeiras discussões constitucionais realizadas na época, os deputados que se opunham ao rei se agrupavam à esquerda (em relação ao lugar central, ocupado pelo rei), enquanto os que se alinhavam ao rei ocupavam a direita do auditório.

O termo irá se disseminar por todo o mundo, tornando-se parte do vocabulário político em todas as democracias. Indo mais longe, os historiadores passaram a aplicá-lo às clivagens políticas observadas em diversas civilizações da Antiguidade, particularmente na Grécia e em Roma.

Era natural, além disso, que o termo recebesse uma carga simbólica pesadíssima. Tão pesada que muitos pensadores acharam, e ainda acham, que ele dificulta o debate e as articulações politicas.

De fato, o termo "esquerda" ficou pesado. Tem gente que não suporta mais sequer ouvi-lo. Conheço muitos que torcem o nariz e viram a cara quando o escutam, e não porque sejam reacionários ou coisa parecida. É mais um cansaço, talvez um pouco de medo, inconsciente ou não, de que alguma coisa violenta e triste possa acontecer.

Houve uma época em que eu também enjoei da palavra. Lembro de que, há muitos anos, lendo um artigo do Emir Sader, senti uma espécie de repugnância pela repetição cansativa, sistemática, às vezes até desnecessária, daquela palavrinha. Havia umas frases do tipo: a esquerda tem que ser esquerda, etc.

O tempo passou e aquela palavra (não vou repeti-la) continuou viva, e até reconquistou prestígio. É bobagem, afinal, extinguir um conceito com tanta importância na história moderna. E a própria esquerda identificou, naquela campanha para eliminá-la, um ataque ideológico capcioso, na forma de ataque simbólico.

De todo modo, é importante tirar um pouco de peso do conceito, deixá-lo um pouco mais arejado, flexível, moderno, agradável. Eu acho que Lula ajudou nesse sentido. O que importa, afinal, não é vestir o figurino esquerdista, e sim criar políticas bem sucedidas de desenvolvimento e inclusão social. Talvez seja o momento de deixarmos de lado esse esquerdismo meio vaidoso, meio hipócrita, meio chauvinista e inventarmos outras palavras que, dizendo a mesma coisa, tenham uma força simbólica maior e sejam mais eficazes na peleja contra as forças retrógradas.

Eu entendo a importância de Chávez para a América Latina, e, nos meses que antecederam o golpe de Estado por lá, em 2002, escrevi dezenas de artigos defendendo-o dos ataques midiáticos da imprensa venezuelana. Mas não acho válida a comparação com Lula, como se Chávez fosse um esquerdista nota 10 e Lula merecesse nota 5 ou 6. A estrutura econômica venezuelana é totalmente distinta da brasileira. A participação da PEDEVESA - a estatal do petróleo controlada com mão de ferro pelo Executivo - na economia do país chega a mais de 70%. Os partidos que apóiam Chávez amealharam uma maioria absoluta no Congresso, que é unicameral, ou seja, não tem Senado. Eu tenho a impressão que, se eliminássemos (digo, eleitoralmente, não me entendam mal) o PSDB e o DEM, isso acrescentaria alguns dígitos ao crescimento do PIB nacional. Se a grande imprensa pedisse as contas, então, cresceríamos num ritmo superior ao da China...

No caso de Morales, a situação é parecida. As transformações políticas mais importantes não se dão por decisões pessoais de presidentes da república, e sim, e principalmente, pelas condições políticas e econômicas do momento, nas circunstâncias específicas de cada país. Além disso, da mesma forma que há um preço alto na política de fazer concessões e alianças com partidos de orientação diferente da sua, também há um preço, talvez ainda mais alto, em não fazer concessões nem alianças. O exemplo de Honduras é o caso mais gritante, mas tanto a Bolívia como a Venezuela também pagaram um tributo altíssimo ao radicalismo de seus líderes. A Venezuela chegou a experimentar queda no PIB próxima a 10% em 2001 ou 2002, e vocês sabem muito bem que o lado mais fraco é o que sofre mais.

Voltando à discussão sobre o esquerdismo, eu me pergunto se o trabalhador, quando repara, no seu contra-cheque, que o valor do seu salário mínimo cresceu expressivamente, irá se importar se Lula é considerado esquerdista ou não pelos intelectuais do botequim. Um nordestino, quando observa os operários construindo uma escola técnica perto de sua casa, também não deve fazer elocubrações profundas sobre a ideologia do presidente. Da mesma forma, um pequeno agricultor, quando recebe um financiamento, pelo Banco do Brasil, que permitirá que ele, finalmente, adquira um trator e inove suas lavouras, não irá pensar nos discursos anti-imperialistas de Chávez. O Brasil tem uma dinâmica própria, e uma clivagem ideológica singular. Aqui, no Brasil, Lula é de esquerda, a esquerda mais autêntica e mais moderna, preocupada com o povo e preocupada também em realizar as mudanças da forma menos traumática possível. Enquanto os "botequins ideológicos", como os chamava Nelson Rodrigues, insistem que o presidente perdeu a virgindade esquerdista, Lula trabalha para que os conservadores não retomem as rédeas do Executivo, o que, em função do poder de influência do Brasil sobre seus vizinhos, embute o risco de iniciar um retrocesso político e social em toda a América Latina.

12 comentarios

jozahfa disse...

Na minha santa ignorância, e sabendo que a terminologia direita/esquerda começou nos estados gerais de 1789, fico com o conceito simples de que esquerda é de quem gosta do povo, e direita é de quem quer se ele sifu. É simples assim pra mim.

Anônimo disse...

Como será que o Lungaretti vai votar se os anarquistas sempre pregaram votar em branco ou anularam o voto por considerar as eleições como um instrumento burguês.

Ele dá a entender em seu texto e em suas respostas aos comentários, em seu blog que é anarquista, no entanto não informa a que agremiação ele pertence, o que me leva a entender que se trata de organização clandestina, posso estar enganado.

Para Lungaretti tanto faz Chavez como o golpista que tentou dar o golpe na Venezuela,
tanto faz Morales como seus opositores,
tanto faz Fidel como os sabotadores da revolução
tanto faz Lula como FHC

que porraloquice essa do titio Lungaretti, eu heim

Ana Paula

Patrick disse...

Caro Miguel, quando escrevemos na Internet, nossos textos meio que "ficam para a posteridade", ou seja, continuam sendo acessados dias, semanas e meses depois. Seria interessante, pois, colocar enlaces para os artigos citados (eis minha contribuição: Celso Lungaretti e Azenha). Até porque, de repente, você tem leitores que não acompanham - ou não conseguem acompanhar - todos os artigos publicados no Azenha (Vi o Mundo).

Joao Rosa SSA disse...

(Eu tenho a impressão que, se eliminássemos (digo, eleitoralmente, não me entendam mal) o PSDB e o DEM, isso acrescentaria alguns dígitos ao crescimento do PIB nacional. Se a grande imprensa pedisse as contas, então, cresceríamos num ritmo superior ao da China...)
Sabado,chuvoso, Salvador,valeu.
Lendo seu artigo valeu.
Ja havia feito comenterio no blog do JoCaLima,sobre seu post anterior, com os textos de Azenha e Lungaretti.
Mauricio Dias, CCapital- Midia Paulista/psdb/dem.
Virginia Fontes-CAmigos/comporta-
mento das esquerdas.
Tou sempre por aqui.Bom dia,bom fim de semana.

Erich disse...

Concordo plenamente com sua análise, apenas como detalhe, há muito tempo atrás, meu pai, que era militar e se revoltava com o que ocorria no regime militar, me falou que se eu quizesse mudar o sistema e acabar com as injustiças existentes, primeiro eu teria que fazer parte dele porque apenas quem pertence ao sistema tem poder para mudá-lo.

Miguel do Rosário disse...

Olá, apenas para dizer que eliminei o termo "bêbados de botequim", que estava muito agressivo, sem ter porque.

Miguel do Rosário disse...

Oi Patrick, obrigado pela colaboração. Vou incluir no texto. Eu pensei nisso, mas só depois de sair da lanhouse. Abraço.

José Carlos Lima disse...

Este é o link para assinar a petição em defesa do MST http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16206

Anônimo disse...

Este blá blá blá de Lungaretti não põe café na mesa de ninguém, nem na minha nem na sua,,interessante ele citar Lamarca, coerente até o fim. Qual a coerência de Lungaretti com esta porrloquice de espírito revolucionário de 68....
Então tá Lungaretti, me engana que eu gosto

Ana Paula

José Carlos Lima disse...

Meus parabéns a Lula por este aniversário, favor façam chegar a ele estas minhas felicitações, no meu blog há um buquet de flores para ele, acesse llink ao final desta mensagem
Mudando um pouco de assunto...
Lula, sabias que estou encantado com Lampião?
Estou boquiaberto com o cara, uma fonte de conhecimento, este sim, ao morrer deixo-nos o conhecimento ao invés de apenas ossos no cemitério.
O meu interesse pelo bandido começou na blog do Luis Nassif, na postagem sobre a Maria da Palha.
Meu deus, como podemos deixar Lampião de lado.
Este sim, com sua história, tem muito a nos dizer, pois que ficou na luta até o fim, até o último suspiro.
Em 1926 Lampião concedeu uma entrevista coletiva a jornalistas.

Como este encontro seria noticiado hoje?
Qual seria a manchete?
Qual frase da entrevista desta entrevista de Lampião à imprensa seria pinçada para ser manipulada e em seguida virar manchete em todos os jornais, TVs e portais da intenet?
Com certeza haveria manipulação.
Talvez não, por temor das consequências.
Hoje a imprensa é que virou bandida.
Que o diga Luis Nassif, perseguido pela família Civita/Veja/Abril por expressar sua opinião.
Estamos sim, precisando de um novo Lampião.
Quem sabe assim os jornais pensem duas vezes antes de tripudiar?
Se bem que hoje, quem faz as vezes de Lampião é Zé Serra.
É só ver o poder que ele tem sobre a imprensa.

Como se trata de um assunto um pouco extenso, leia mais no meu blog

www.josecarloslima.blogspot.com

José Carlos Lima disse...

Estou preocupado com o rolo compressor que está se formando, aliás, já se formou para derrotar Lula e trazer de volta FHC e cia. Leiam a postagem "Silvio Santos Vem Ai" no blog do Eduardo Guimarães, www.edu.guim.blog.uol.com.br onde ele nos dá conta de que o mega-empresário está pedindo abertamente votos para Serra. Apesar disso Lula não pode sair de casa pois é só encontrar-se com o povo,diz o Gilmar Dantas, é muito perigoso, pois se trata de propaganda eleitora. Para o mesmo Gilmar Serra não está em campanha. E se estivess, como seria? Dias atrás no DATANA/Band, até parece que o horário do TRE já havia começado, até um jogador do Corintias disse que votaria nele e que as pessoa também votassem em Serra. Vejo isso como um atentado à democracia brasileira. Isto não pode ficar assim. Não tem o menor cabimento.

Enquanto isso o Lugaretti delicia-se em suas masturbações intelectuais

Luiz Carlos disse...

Belo texto, Miguel. Concordo plenamente com o que você disse.

Postar um comentário