26 de outubro de 2009

Metendo a mão na massa

Eu quero escrever algo muito diferente e acabo não escrevendo nada, essa é a verdade. Não tem jeito, tenho que rebater as bolas que vêm, sem escolher tanto. Por exemplo, essa entrevista do Roberto Freire, presidente do PPS, a um programa de tv lá do nordeste.

Freire é talvez uma das figuras mais odiadas do Brasil. Nem tem graça chutar esse cão morto. No entanto, vale a pena analisar, por puro interesse científico, a carcaça apodrecida de um político que já foi bastante respeitado.

Nessa entrevista, ele diz que Serra é mais esquerdista que Lula. Esse é um truque velho na América Latina, que é posar de socialista para angariar apoio popular. Mas isso passou de moda. A onda do momento, ou pelo menos tentou ser até agora, é estufar o peito e se declarar de direita sim, com muito orgulho. César Maia mesmo, há dias, publicou artigo falando de sua obsessão: de que a direita tem um grande futuro eleitoral no Brasil (os fatos sempre negam as teorias de César, lastreadas, entre outras coisas, num complicado cálculo linguístico sobre a preferência pela palavra "direita").

Freire é um cara-de-pau safado. Serra não representa esquerda nenhuma. Na entrevista, ele diz outro absurdo. Que a política do PSDB não será a de FHC, o que é uma incoerência tal, que somente um imbecil sem moral como Freire poderia pronunciar. Serra vem fazendo, em São Paulo, um governo ainda mais direitista e privatista que o de FHC. Toda a gestão tucana é ancorada em passar responsabilidades do Estado para empresas privadas. Não importam os resultados desastrosos. Há, por parte dos tucanos paulistas, uma fé ideológica no mercado tão grande, que parecem nem ter notado os trilhões de dólares que governos do mundo inteiro tiveram que gastar, nessa última crise, para corrigir esse ideologismo antirepublicano, vulgar e irresponsável.

Para ser de esquerda, é preciso combinar antes com as bases autênticas que formam as forças políticas do país: sindicatos, movimentos sociais, intelectuais. A partir do momento em que Serra não tem apoio de nenhuma força de esquerda, e que sua forma de governo permanece estacionada no mesmo terreno baldio e sujo antes ocupado pelo conservadorismo fernandista, afirmar que Serra seria esquerdista é não apenas tentar enganar o povo e o eleitorado, é também uma insuportável agressão à inteligência alheia.

O papinho de que os banqueiros estariam rindo à tôa é outra artimanha boçal. Diante da quebradeira bancária registrada em dezenas de países, e que tiveram como consequência o desembolso, por parte dos contribuintes, de centenas de bilhões de dólares para salvar as instituições da bancarrota, o vigor financeiro dos bancos brasileiros representaram, no mínimo, uma enorme salva-guarda para a economia nacional.

Em virtude dos juros básicos terem atingido, no momento, o menor patamar da história, abriu-se o debate sobre a necessidade de pressionar os bancos, e possivelmente até aprovar uma nova lei nesse sentido, para que reduzam sensivelmente os spreads bancários. Por que as bancadas do PSDB e do PPS, já que são tão esquerdistas como diz Freire, não propõem algo assim?

Freire é um fantasma. Destituído de cargo político, sem qualquer popularidade, é sustentado por um jabá da prefeitura de São Paulo.

Confiram o resumo da entrevista de Freire à TV O Povo. Comento em seguida.

PSDB terá de renegar FHC, diz presidente do PPS

O presidente nacional do PPS, Roberto Freire, disse que a política econômica adotada por FHC não será exemplo a ser lembrado durante a campanha do PSDB à Presidência, em 2010. Defensor do nome de José Serra, ele disse que o tucano é mais esquerda que Lula

Hébely Rebouças
hebely@opovo.com.br
26 Out 2009 - 03h40min

O presidente nacional do PPS e um dos principais opositores do governo Lula, Roberto Freire, disse no programa Coletiva da TV O POVO que foi ao ar ontem, que a campanha do PSDB à Presidência da República deverá renegar o modelo econômico adotado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

FHC governou o Brasil entre 1995 e 2002 com base em uma linha neoliberal, marcada por privatizações e redução da interferência do Estado na economia.

Já prevendo comparações que podem vir à tona nas próximas eleições, entre a chamada "Era FHC" e a gestão de Lula, Freire defendeu que "a política econômica de Fernando Henrique não é a do PSDB. Não vamos associar isso ao programa de José Serra, por favor!", insistiu, em referência à pré-candidatura do governador de São Paulo ao Palácio do Planalto.

Sem esconder sua preferência por Serra ele sequer citou o nome do governador de Minas Gerais e outra opção tucana para a disputa, Aécio Neves, Freire avaliou que é em Lula que se deve colar a imagem de "monetarista".

O presidente do PPS acusou o petista de ter dado continuidade ao modelo que faz "banqueiro rir à toa", classificando como "inadmissível que o Brasil tenha uma das maiores taxas de juros do mundo" hoje, a taxa de referência é cotada em 8,75%.

Mas, se por um lado, Freire teceu duras críticas a FHC, por outro, era só elogios à postura administrativa de Serra. O ex-senador chegou a dizer que o tucano é "mais esquerdista" que o próprio Lula e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), o nome preferido pelo Palácio do Planalto.

"Eu disse em 2002 e hoje repetiria com ainda mais força: o candidato apoiado pelas esquerdas era Lula. Mas o candidato da esquerda sempre foi Serra", a quem ele classificou como "desenvolvimentista" e "dissidente" político.

Serra foi ministro do Planejamento e Orçamento do Governo FHC e ficou dois anos (1995 e 1996) à frente de uma das pastas diretamente ligadas à gestão econômica do Governo.

As eleições de 2010 serão emocionantes e, naturalmente, não apenas o pleito majoritário. Os resultados nos estados e no Congresso prometem mudanças imprevisíveis.

Gostaria de lembrar alguns fatos políticos que deverão ter peso no ano que vem.

1) A conquista do delegado Protógenes Queiroz para a base aliada. Os leitores certamente se lembram que o "ínclito" policial, após o embróglio em que se meteu com a própria instituição, parecia extremamente aborrecido com o governo e tendia a unir-se à turma do contra, o PSOL. O mundo deu voltas, o Protógenes conversou com diversos partidos, e decidiu-se pelo PCdoB, a agremiação mais genuinamente lulista de todas. Protógenes é um trunfo especial, porque ele simboliza a ética. Mais ainda: qualquer um pode ser ético quando não exposto às provações e tentações pelas quais passou o delegado. Ele entrou no inferno, encarou os demônios de frente e saiu de cabeça erguida, trazendo-os presos e algemados. Se Gilmar Mendes decidiu soltá-los todos, a culpa não é do Protógenes. Mas ele tirou uma experiência dura desse episódio, e sua ação criou um marco. Protógenes foi um representante do povo que pregou uma bandeirinha do Brasil bem no meio do inferno, assustando os moradores daquelas plagas sinistras... No entanto, houve um tempo em que Protógenes parecia tonto com as luzes dos holofotes. Quando começou a fazer declarações críticas sobre Lula, a mídia colocou-o num pedestal, e durante um tempo, ele pareceu balançar-se para lá e para cá, desorientado. O PSOL grudou nele como um carrapato, achando que havia encontrado a solução para evitar o ostracismo que as eleições de 2010 podem significar para o partido. Felizmente, Protógenes soube pensar com independência. Deu-se tempo, conversou e tomou a decisão mais sensata. Seguramente, viu quem defendia Dantas e seus comparsas, e quem o defendia. Protógenes pode vir a ser, a partir de agora, como parlamentar, um combativo lutador contra a corrupção instalada nos meios políticos.

2) A lulização do mundo. De um ano para cá, o mundo inteiro parece ter "lulado". Obama, o homem mais poderoso do planeta, e que goza de enorme popularidade no Brasil, inclusive por parte de antilulistas radicais, como Jabor e Kamel, fez inusitadas declarações de amor à Lula. Isso constituiu um poderoso fato político em favor do presidente e, portanto, em favor das forças políticas que o apóiam, incluindo aí a sua candidata Dilma Rousseff. Depois de Obama, o planeta inteiro parece derramar-se de paixão por Lula, através de editorais frequentes e sucessivos em favor das políticas sociais e econômicas do governo brasileiro. O fato de termos atravessados incólumes por uma terrível crise financeira mundial serviu para consolidar o prestígio de Lula, cujo capital político atingiu tal ponto que mesmo o tributo de 2% recentemente imposto ao capital especulativo ganhou apoio de inúmeras instituições do grande capitalismo.

3) A esquerda continua crescendo na América Latina. Os únicos governos de direita do continente, México e Colômbia, vivem péssimo momento. O México, por suas políticas neoliberais, foi o país que mais sofreu com a crise econômica, e a Colômbia, até então o xodó da imprensa conservadora nacional, passou a ocupar o noticiário policial com frequência constrangedora, por causa das acusações da Justiça colombiana de que as pessoas mais próximas de Uribe teriam ligações com os paramilitares e o narcotráfico. Para piorar, Uribe quer mudar a Constituição, para disputar um terceiro mandato, desmoralizando o discurso histérico de certo colunismo antibolivariano. Detalhe: todos os que atacaram tão violentamente o continuísmo bolivariano nunca mencionaram o fato de que foi o Brasil de Fernando Henrique Cardoso que inaugurou essa mania, quando o tucano muda a Constituição para beneficiar a si mesmo e se reeleger.

4) A desmoralização de Serra e do PSDB. O partido dos tucanos não conseguiu mobilizar sua bases, que sequer têm renovado suas fichas de filiação. Há pouco desistiram até de realizar prévias, mostrando mais uma vez a incapacidade tucana de lidar com escolas democráticas e transparentes.

O governo de José Serra tem revelado ao país um político autoritário, fechado, enigmático, incompetente, sem criatividade. O Nassif tem demolido politicamente o governo Serra através de artigos lúcidos, calmos e esclarecedores. A violência com que Serra tem tratado estudantes, professores, médicos e policiais, é assustadora. Agora mesmo, Serra aprovou uma lei para a educação em São Paulo que cria uma "casta" de professores que ganham mais que outros, porque fizeram uma prova, cujas questões são aplicadas pela Secretaria de Educação. Ou seja, Serra humilha os professores, que não querem a criação de castas antidemocráticas, e sim aumentos horizontais de salário. O pior, porém, é a falta de diálogo com as associações de classe, que vivem o dia-a-dia da educação e tinham as suas próprias idéias para melhorar seu desempenho.

5) Outro característico do governo Serra é a instituição descontrolada de pedágios rodoviários, uma medida que afronta a liberdade humana de ir e vir. Todos queremos melhores estradas, mas Serra, em vez de aplicar os altos impostos pagos pelos contribuintes para melhorar as estradas, entrega-as como fonte de lucros para empresas amigas. Não há sequer preocupação em instituir preços baixos para o pedágio. O sistema de privatização das estradas do governo de SP não prioriza o preço baixo do pedágio, e sim o pagamento de uma gorda comissão para as caixas do Estado. Tudo isso revela o espírito antidemocrático e insensível socialmente do PSDB. Cobrar pedágio é injusto socialmente, porque cobra o mesmo preço de cidadãos com rendas diferentes, além de causar retardo no trânsito, ao obrigar os carros a fazerem uma parada obrigatória, e criar constrangimentos para quem vive momentos de aperto financeiro. É tudo muito injusto e atrapalha a economia das cidades. Imagine um sujeito que está sem um tostão, mas ainda tem um pouco de gasolina no carro e decide ir até outra cidade cobrar uma dívida. Não pode fazê-lo, porque há vários pedágios no caminho.

6) O crescimento de Dilma e Ciro Gomes e a queda de Serra nas pesquisas. Não preciso nem comentar o que isso significa. A parceria entre PT e PMDB, por sua vez, sepultou as canhestras tentativas da mídia e seu braço político, o PSDB, de evitar a formação de uma coalizão de centro-esquerda com esse peso e força. Essa parceria significará, especialmente, a possibilidade de uma grande derrota do PSDB nos estados e nas eleições legislativas.

Tá bom por hoje, né. Amanhã tem mais.

7 comentarios

Anônimo disse...

Veja artigo sobre Roberto Freire e a virtude da gratidão em http://byebyeserra.wordpress.com/2009/09/11/roberto-freire-e-a-virtude-da-gratidao/

Guilherme e seus dias disse...

Assino embaixo toda a descrição analítica feita diante dos fatos da vida real. O que eles desejam com este discurso é avançar num espaço da política que eles não têm moral para avançar. Outra intenção é tomar parte do discurso político e anular o efeito do discurso comparativo eras FHC e Lula. Enfim, retórica de quem está desesperado, sem noção da realidade e proposta. Parabéns pela visão cristalina dos fatos.

Daniel disse...

Olá Miguel, é um belo texto e uma análise bem coerente, porém nessa sua previsão tudo são rosas para a base aliada, até parece que esqueceu do jogo sujo e das mentiras que a direita costuma fazer em vésperas de eleições.
Faço também uma sugestão de um novo texto, escreva sobre a classe média que diz torcer por um brasil melhor mas tenta sonegar de todas as formas os impostos, dando como desculpa sempre o mesmo bordão: '' se eu ao menos soubesse que meu dinheiro voltaria em obras do governo, como acontece nos países desenvolvidos, pagaria sem remorsos. O problema é que no Brasil a gente sabe que tudo vai ser desviado''.
Abs

José Carlos Lima disse...

Já que Serra é de esquerda espero os "esquerdistas" do DEM-PSDB apoiando a entrada da Venezuela no Mercosul.

Anônimo disse...

Serra mais esquerdista que Lula?
Que bom, pois agora o país avança, o pré-sal será destravado e o sistema de parceria será aprovado pela coalizão de Serra.

A CPI do MST será arquivada a pedido da Kátia Abreu, Ronaldo Caiado e Demóstenes Torres, do DEM

O Gilmar Mendes vai deixar o Lula viajar

Agora o Brasil desempanca de vez

Maravilha

André Rezende

Anônimo disse...

Lula foi profético quando disse que nas eleições de 2010 não teria nenhum candidato de direita.

Claro, ninguém quer ser de direita, pois o ferro é certo

Na verdade a direita quer voltar ao poder com seu neoliberalismo e prá isso enterra seus símbolos entre eles FHC

Emir Sader na Carta Maior fala da articulação da direita e seu poder sobre a midia para voltar ao poder

André Rezende

Unknown disse...

O grande temor de serra e freire é a comparação entre os governos Lula e FHC. Serra não se sustenta. o PSDB só tem saída se lançar Aécio, que não é privatizante e dá demonstrações disso em minas, especialmente com a Cemig.

Postar um comentário