19 de outubro de 2009

Comentários sobre o Irã & etc

Um dos fatos que mais me irritaram este ano foi a pantomina midiática-eletrônica criada em torno das eleições iranianas. Creio, naturalmente, que os iranianos têm todo o direito de protestar, e que os ocidentais têm igual liberdade de apoiar esta ou aquela força política no Irã, mas tudo o que aconteceu me cheirou a um golpe articulado do exterior.

Em primeiro lugar, a acusação de fraude explodiu, bruscamente, assim que as urnas começaram ser abertas, como se já tivesse sido planejada. Ora, se o candidato opositor não acreditava no sistema eleitoral iraniano, que fizesse a denúncia ANTES do pleito, que requisitasse observadores internacionais e pedisse às Organizações das Nações Unidas (ONU) que enviasse supervisores especializados.

Tudo isso eu já falei em artigos passados. O que me fez voltar a pensar no Irã foram os atentados que ocorreram ontem no país, onde morreram 45 pessoas. Leio, com surpresa, a seguinte nota na Folha de São Paulo, escondida no final de uma matéria de pé de página:

“Reportagem da TV americana ABC revelou, em 2007, supostas evidências de que o grupo recebe ajuda dos serviços secretos americanos e paquistaneses para desestabilizar o Irã. A inteligência britânica também estaria envolvida.”

Esse é o tipo de informação que não surpreende ninguém minimamente informado sobre geopolítica. No entanto, o que me feriu os nervos foi lembrar que, durante as histerias anti-iranianas que se seguiram às eleições no país, ninguém lembrou dessa reportagem da ABC, que poderia quebrar o cristal de inocência que protegia a preocupação norte-americana com a democracia iraniana. Espanta-me, sobretudo, até hoje, a atitude de certos blogueiros, que ainda cultivam um certo verniz de independência, ao comprar, acriticamente, as críticas da ultra-direita americana ao regime iraniano.

Aliás, as discussões sobre o Irã, muito dominadas por uma certa histeria tuiteira, aparentemente mais deslumbrada com a exploração das novas possibilidades eletrônicas do que com o futuro dos herdeiros da civilização persa, primaram pela descontextualização. Ninguém lembrava a história do país, fortemente marcada, desde o século XIX, pela agressividade, crueldade e cobiça do imperialismo ocidental. Mas para não irmos muito longe, basta lembrar que o atual regime iraniano, caracterizado por um rígido conservadorismo moral, é resultado direto da devastação política sofrida pelo país durante a ditadura sanguinária imposta pelos EUA nos anos 60. Os grupos políticos tradicionais do Irã, como a esquerda intelectual e a direita nacionalista foram dizimados, presos, exilados. O único grupo político resistente foram os líderes muçulmanos, que, por sua vez, fecharam-se num conservadorismo quase fanático. Quando as tensões sociais dentro do país atingem um nível insuportável, as forças populares voltar-se-ão para os religiosos, em busca da independência política, social e econômica. E assim temos o Irã de hoje.

Eu não sou especialista em história do Irã. Os fatos que cito são amplamente conhecidos. Eu apenas me arrisco a juntar os tracinhos de um ponto a outro, pois rechaço as análises políticas vulgares, que não consideram sequer a história contemporânea de um país. Eu não tenho nenhuma simpatia pelo conservadorismo moral que domina o Irã atual, mas acho ridículo que setores comprometidos com o corrupto lobby armamentista ocidental e/ou ligados a grupos terroristas anti-iranianos e/ou que apóiam ditaduras obscuras, como a saudita e o Paquistão, venham criticar o regime iraniano, que pratica o sufrágio universal.

Leia também: "Os platinados e as contradições anti-iranianas".

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A Folha hoje publica uma matéria sobre o aumento do funcionalismo no Estado de São Paulo que levanta a seguinte pergunta: por que esse tipo de questionamento nunca foi feito? A reportagem mostra o que estudos do IPEA e do Ministério do Trabalho mostraram há meses, para não citar pesquisas de anos anteriores. O Estado de São Paulo ampliou o número de servidores ativos do Executivo de 657 mil em 2002 para 690,68 mil pessoas em 2009, enquanto o Executivo federal tem hoje 548 mil servidores ativos.

A reportagem, aliás, é confusa, revelando o constrangimento editorial em apresentar informações que prejudicam a mitologia do Estado mínimo, uma verdadeira lenda midiática produzida para beneficiar alguns segmentos ideológicos e partidários nacionais. Outro dia, li uma matéria falando do prejuízo da União com serviços terceirizados, pois os passivos trabalhistas estavam sendo transferidos para ela, apesar dos trabalhadores pertencerem aos quadros das empresas privadas prestadoras de serviço. Os trabalhadores, naturalmente, são os mais prejudicados, pois, além dos salários baixos e da instabilidade no emprego, demoram anos para receber seus direitos, em virtude das batalhas judiciais entre União e prestadoras. Daqui a pouco irão descobrir, que o “enxugamento” do Estado promovido por Collor e FHC apenas resultou em prejuízo para o país, além de ter maquiado o número de funcionários trabalhando para o governo.

Faltou na reportagem da Folha uma base de comparação, um gráfico comparando o número de servidores ativos do Executivo paulista com a quantidade de servidores federais. Dedicou-se apenas uma página (com anúncio do HSBC ocupando um quarto do espaço) para um assunto importantíssimo para o país, que ocupa inclusive a primeira página do jornal. Se esse é um dos temas mais caros à posição editorial da própria Folha, que há anos vem criticando o “inchaço” da máquina pública, porque não deu mais espaço, aproveitando o ensejo para informar melhor seus leitores.

A matéria traz ainda uma informação bastante relevante, também escondida no pé de página: São Paulo compromete, hoje, 41% de sua receita com servidores das administrações direta e indireta, contra 49% do teto fixado pela lei. Em 2002, esse comprometimento havia atingido 48%, acima do limite prudencial de 46,55%.

“Na mesma base de comparação, a despesa com o funcionalismo do Executivo federal caiu de 25,2% para 23,9% da receita líquida, para um teto de 37,9% estabelecido pela lei”.

Vemos, portanto, que não há nenhum “inchaço da máquina pública”. Tanto São Paulo como a União vem gastando com funcionários bem menos do que o teto estabelecido pelas leis.

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